8/12/2011,
*MK Bhadrakumar, Indian
Punchline
Traduzido
pelo Coletivo da Vila
Vudu
Entreouvido
na Vila Vudu:
OK,
OK. Entende-se perfeitamente que o ministro tcheco, um tal de Karel
Schwarzenberg, repita (como se lê aí adiante), tim-tim-por-tim-tim, sem mudar
uma vírgula, o que o Departamento de
Estado dos EUA o mande repetir sobre a Rússia e sobre Putin. Problema dele e da dependência DELE. E não
temos nada com isso.
Mas...
POR QUE, diabos, o juiz Walter Fanganiello Maierovitch,
colunista da revista Carta
Capital, em São Paulo, Brasil, repete também, igualzinho,
tim-tim-por-tim-tim, sem mudar uma vírgula,
a MEEEEESMA CONVERSA FRACA do Departamento de Estado dos EUA, sobre a
Rússia e Putin?! [pano rápido]
Karel Schwarzenberg, Ministro de Relações Exteriores da República Tcheca |
Os
eventos internacionais são muitas vezes como a mesa do banquete de Macbeth, na
peça de William Shakespeare: a presença mais importante pode ser alguém que ali
não está. O fantasma de Banquo parece pairar em torno da mesa de conferência em
torno da qual, em poucas horas, os ministros de Relações Exteriores dos países
da OTAN sentarão com Sergey Lavrov, ministro russo, em
Bruxelas.
Não
posso deixar de repetir o clichê: a “tranquilidade” pós-guerra Fria, no campo da
segurança europeia, está por um fio, e fio fino – e penduradas com ela estão
também, é claro, várias questões relacionadas à ordem mundial.
O principal item da agenda dos ministros de Relações
Exteriores é a implantação de mísseis antibalísticos dos EUA [ABM] na Europa,
com a rubrica da OTAN. A Rússia está cada vez mais inquieta ante a evidência de
que os EUA estão ignorando seus protestos e prosseguindo na implantação dos
mísseis. Na 4ª-feira, o comandante do estado-maior do exército russo Nikolai
Makarov manifestou-se [1] numa sessão especial de briefing, em Moscou, para os atachés militares estrangeiros. Disse, em tom de
alerta, que a implantação dos mísseis antibalísticos “agravará” os laços da
Rússia com a Europa e terá impacto na estabilidade da Europa.
Simultaneamente, em Bruxelas, depois de encontro dos
ministros de Relações Exteriores da OTAN, na 4ª-feira, o secretário-geral Anders
Fogh Rasmussen [2] falava como se
a Rússia não tivesse dito que o país reagirá à implantação dos mísseis. A
mensagem de Rasmussen é que, em Bruxelas, ninguém está preocupado com o que
pense a Rússia, uma vez que a implantação dos mísseis antibalísticos é decisão
estratégica já tomada pela OTAN.
Não
há dúvida de que parecem movimentos de “aquecimento” típicos do início de todos
os mais complexos tangos diplomáticos. Mas não é nada disso. O que aí se vê,
como fios de um mesmo tecido, são as sombras do Oriente Médio. Os ministros de
Relações Estrangeiras da OTAN resolveram “absorver” a Líbia pós-Gaddafi como
“parceira”, e a Aliança está em busca de novo cenário e novo “ponto quente”: a
Síria, é claro. A Rússia já viu o que está acontecendo – os EUA já “autorizaram”
o Islã político, desde que os novos governos aceitem dançar conforme a música
das estratégias regionais de Washington. Em resumo, os EUA estão “remaking” o Oriente Médio, para
perpetuar a própria hegemonia, agora sob novas condições de “democracia”. Não
por acaso, passo a passo, a OTAN já chegou ao Golfo Pérsico, não é?
Outra “presença invisível” em Bruxelas hoje é a questão
das bases militares de EUA-OTAN no Afeganistão, às quais a Rússia opõe-se
[3]. E começa outra vez o velho jogo de gato-e-rato.
EUA-OTAN insistem que a presença militar de longo prazo no Afeganistão é
indispensável para combater o terrorismo. E é só questão de tempo, e os mísseis
antibalísticos lá estarão, em bases de EUA-OTAN no Afeganistão, que é posto
privilegiado de observação de onde EUA-OTAN poderão monitorar cinco países
possuidores de mísseis capazes de ameaçar interesses “ocidentais”: Rússia,
China, Índia, Paquistão e Irã. Hamid Karzai diz que não permitirá que o
território afegão seja usado para ameaçar países vizinhos. Mas a opinião de
Hamid Karzai não conta. Portanto, a Rússia já propôs que a questão dos mísseis
antibalísticos seja discutida diretamente com China e Irã.
E acima de todos esses fantasmas paira o
fantasma-mãe-de-todos-os fantasmas: a volta de Vladimir Putin ao Kremlin
[4]. O ocidente sabe que a Rússia de Putin é Rússia
assertiva. E sabe que o projeto ocidental de “reestruturar” a ordem mundial nos
termos de EUA-OTAN ainda terá de ser metido goela abaixo da Rússia. Com Putin,
esse processo é consideravelmente mais difícil.
Em
minha longa carreira de diplomata, aprendi a duras penas que sempre se pode
medir a temperatura de um pré-conflito entre as grandes potências mundiais, que
se vai aquecendo diariamente, se se ouvem os “pequenos”, gente menor, cuja
presença raramente é noticiada no circuito dos coquetéis e, às vezes, nem no
mapa da Mãe Terra. Um desses “pequenos” é a República Tcheca (a Noruega é
outro). Esses “pequenos” são fonte muito fidedigna, se se quer saber o que pensa
e dizem os “grandes”. Ouvi-los com atenção é, praticamente, o mesmo que ouvir o
“mestre”, de viva voz.
Então, quando o ministro das Relações Exteriores tcheco
Karel Schwarzenberg, criticou, domingo passado, as eleições parlamentares russas
[5], não há
dúvida: Hillary Clinton já lhe passou a lição (ela, por falar nisso, esteve
falou, na reunião a portas fechadas, em Bruxelas, ontem). A informação é tão
mais confiável, se se sabe que Schwarzenberg criticou as eleições parlamentares
russas justamente às vésperas da visita do presidente Dmitry Medvedev a Praga.
As coisas estão-se complicando.
Notas dos tradutores
[1] 7/12/2011,
Xinhuanet, em: “Rússia
taking steps to counter Western missile deployment: military chief”, em
inglês.
[2] 7/12/2011, Washington
Post em “Nato
chief rebuffs Russian threats to counter missile shield”, em
inglês.
[3] 10/12/2011, Gulf
News em “Situation
in Arab countries high on NATO’s meeting agenda”, em inglês.
[4]
7/12/2011, “Putin
apresenta sua candidatura”, MK Bhadrakumar, em português.
[5] 10/12/2011,
Prague
Monitor, em: “MfD:
Foreign minister criticizes Russia’s elections”,
em inglês.
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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