domingo, 11 de dezembro de 2011

Europa caminha para o congelamento pós-Guerra Fria


8/12/2011, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu:
OK, OK. Entende-se perfeitamente que o ministro tcheco, um tal de Karel Schwarzenberg, repita (como se lê aí adiante), tim-tim-por-tim-tim, sem mudar uma vírgula, o que o Departamento de Estado dos EUA o mande repetir sobre a Rússia e sobre Putin. Problema dele e da dependência DELE. E não temos nada com isso.
Mas... POR QUE, diabos, o juiz Walter Fanganiello Maierovitch, colunista da revista Carta Capital, em São Paulo, Brasil, repete também, igualzinho, tim-tim-por-tim-tim, sem mudar uma vírgula, a MEEEEESMA CONVERSA FRACA do Departamento de Estado dos EUA, sobre a Rússia e Putin?! [pano rápido]

 Karel Schwarzenberg, Ministro de Relações Exteriores da República Tcheca 
Os eventos internacionais são muitas vezes como a mesa do banquete de Macbeth, na peça de William Shakespeare: a presença mais importante pode ser alguém que ali não está. O fantasma de Banquo parece pairar em torno da mesa de conferência em torno da qual, em poucas horas, os ministros de Relações Exteriores dos países da OTAN sentarão com Sergey Lavrov, ministro russo, em Bruxelas.

Não posso deixar de repetir o clichê: a “tranquilidade” pós-guerra Fria, no campo da segurança europeia, está por um fio, e fio fino – e penduradas com ela estão também, é claro, várias questões relacionadas à ordem mundial. 

O principal item da agenda dos ministros de Relações Exteriores é a implantação de mísseis antibalísticos dos EUA [ABM] na Europa, com a rubrica da OTAN. A Rússia está cada vez mais inquieta ante a evidência de que os EUA estão ignorando seus protestos e prosseguindo na implantação dos mísseis. Na 4ª-feira, o comandante do estado-maior do exército russo Nikolai Makarov manifestou-se [1] numa sessão especial de briefing, em Moscou, para os atachés militares estrangeiros. Disse, em tom de alerta, que a implantação dos mísseis antibalísticos “agravará” os laços da Rússia com a Europa e terá impacto na estabilidade da Europa.

Simultaneamente, em Bruxelas, depois de encontro dos ministros de Relações Exteriores da OTAN, na 4ª-feira, o secretário-geral Anders Fogh Rasmussen [2] falava como se a Rússia não tivesse dito que o país reagirá à implantação dos mísseis. A mensagem de Rasmussen é que, em Bruxelas, ninguém está preocupado com o que pense a Rússia, uma vez que a implantação dos mísseis antibalísticos é decisão estratégica já tomada pela OTAN. 

Não há dúvida de que parecem movimentos de “aquecimento” típicos do início de todos os mais complexos tangos diplomáticos. Mas não é nada disso. O que aí se vê, como fios de um mesmo tecido, são as sombras do Oriente Médio. Os ministros de Relações Estrangeiras da OTAN resolveram “absorver” a Líbia pós-Gaddafi como “parceira”, e a Aliança está em busca de novo cenário e novo “ponto quente”: a Síria, é claro. A Rússia já viu o que está acontecendo – os EUA já “autorizaram” o Islã político, desde que os novos governos aceitem dançar conforme a música das estratégias regionais de Washington. Em resumo, os EUA estão “remaking” o Oriente Médio, para perpetuar a própria hegemonia, agora sob novas condições de “democracia”. Não por acaso, passo a passo, a OTAN já chegou ao Golfo Pérsico, não é?

Outra “presença invisível” em Bruxelas hoje é a questão das bases militares de EUA-OTAN no Afeganistão, às quais a Rússia opõe-se [3]. E começa outra vez o velho jogo de gato-e-rato. EUA-OTAN insistem que a presença militar de longo prazo no Afeganistão é indispensável para combater o terrorismo. E é só questão de tempo, e os mísseis antibalísticos lá estarão, em bases de EUA-OTAN no Afeganistão, que é posto privilegiado de observação de onde EUA-OTAN poderão monitorar cinco países possuidores de mísseis capazes de ameaçar interesses “ocidentais”: Rússia, China, Índia, Paquistão e Irã. Hamid Karzai diz que não permitirá que o território afegão seja usado para ameaçar países vizinhos. Mas a opinião de Hamid Karzai não conta. Portanto, a Rússia já propôs que a questão dos mísseis antibalísticos seja discutida diretamente com China e Irã.

E acima de todos esses fantasmas paira o fantasma-mãe-de-todos-os fantasmas: a volta de Vladimir Putin ao Kremlin [4]. O ocidente sabe que a Rússia de Putin é Rússia assertiva. E sabe que o projeto ocidental de “reestruturar” a ordem mundial nos termos de EUA-OTAN ainda terá de ser metido goela abaixo da Rússia. Com Putin, esse processo é consideravelmente mais difícil. 

Em minha longa carreira de diplomata, aprendi a duras penas que sempre se pode medir a temperatura de um pré-conflito entre as grandes potências mundiais, que se vai aquecendo diariamente, se se ouvem os “pequenos”, gente menor, cuja presença raramente é noticiada no circuito dos coquetéis e, às vezes, nem no mapa da Mãe Terra. Um desses “pequenos” é a República Tcheca (a Noruega é outro). Esses “pequenos” são fonte muito fidedigna, se se quer saber o que pensa e dizem os “grandes”. Ouvi-los com atenção é, praticamente, o mesmo que ouvir o “mestre”, de viva voz. 

Então, quando o ministro das Relações Exteriores tcheco Karel Schwarzenberg, criticou, domingo passado, as eleições parlamentares russas [5], não há dúvida: Hillary Clinton já lhe passou a lição (ela, por falar nisso, esteve falou, na reunião a portas fechadas, em Bruxelas, ontem). A informação é tão mais confiável, se se sabe que Schwarzenberg criticou as eleições parlamentares russas justamente às vésperas da visita do presidente Dmitry Medvedev a Praga. As coisas estão-se complicando.



Notas dos tradutores
[1] 7/12/2011, Xinhuanet, em: “Rússia taking steps to counter Western missile deployment: military chief”,  em inglês.
[2] 7/12/2011, Washington Post em “Nato chief rebuffs Russian threats to counter missile shield”, em inglês.
[3]  10/12/2011, Gulf News em “Situation in Arab countries high on NATO’s meeting agenda”, em inglês.
[4] 7/12/2011, “Putin apresenta sua candidatura”, MK Bhadrakumar, em português. 
[5] 10/12/2011, Prague Monitor, em: “MfD: Foreign minister criticizes Russia’s elections, em inglês.  
*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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