Raul Longo |
Raul
Longo
Dizer
que a Justiça Brasileira tem duas caras seria impróprio, apesar de permitir a
fuga de escroques e estupradores enquanto se faz zelosa com os que se esforçam
pela construção de um país.
A
Justiça Brasileira não encara o país e o mundo com cara alguma e não adianta
tentar cogitar com que cara vai ficar perante os anais da
história.
A
Justiça Brasileira nunca poderá tomar vergonha na cara e não é pela falta de
pejo, de dignidade, ou qualquer outro senso.
Pelo
acinte a qualquer senso que lhe justifique a função, a Justiça Brasileira não
pode sequer ser apontada como cara de pau.
Não
há possibilidade de ficar ruborizada e também não faz cara de safada. Apenas
reflete o policrômico poder de seus donos. A Justiça Brasileira se mija de medo
de seus donos aos quais abana-se como animalzinho de corda ou de pilha.
No
Brasil só se age e se comporta corretamente, de acordo com a civilidade e as
leis, por decisão pessoal, por caráter próprio ou foro íntimo. Pois o que erra,
o criminoso, o fraudador não tem a quem ou o que encarar.
A
Justiça Brasileira não tem venda nos olhos e não há carapuça que lhe
sirva.
Vejam
a declaração do jornalista Raimundo Pereira no vídeo abaixo. A seguir leiam o
texto do cronista Lula Miranda e tentem imaginar que cara a Justiça Brasileira
tem.
_______________
Condenado,
sem passaporte e prestes a ser sentenciado a uma das mais duras penas da
história judicial brasileira, José Dirceu não tem alternativa a não ser exibir,
com orgulho, as algemas preparadas por Joaquim Barbosa, assim como fez quando
foi preso pelo regime militar; leia o texto inédito do poeta Lula
Miranda.
9 de Novembro de 2012
às 19:03
-
por Lula Miranda*
Mostre
as algemas, Zé!
Foi o que teria dito
a José Dirceu, em Setembro de 1969, um dos presos políticos naquele histórico
momento de resistência à ditadura militar em que 15 prisioneiros do regime de
exceção e arbítrio, que se instaurara no Brasil, foram libertados em troca do
embaixador americano – na fotografia aparecem 13, apenas uma
mulher.
Exceção e arbítrio. Palavras malditas. Palavras-emblema de tempos sombrios.
Segundo relato de
Flavio
Tavares , hoje jornalista e escritor, ele teria sussurrado aos
companheiros na ocasião: “Vamos mostrar
as algemas”. Fez isso num insight “de momento” ao notar que os
presos que estavam ali perfilados, alguns agachados, como um time de futebol
campeão, numa forçada pose para uma foto que viria a se tornar histórica,
escondiam as algemas. E por que escondiam as algemas aqueles jovens? Talvez por
vergonha. Talvez porque estivessem preocupados em como aquela imagem poderia
machucar ainda mais seus familiares e parentes mais próximos. Ou talvez,
simplesmente, porque já estavam por demais combalidos e abalados moral e
emocionalmente para se preocuparem com aquele peculiar adereço do arbítrio. Não
se sabe ao certo, tampouco importa. Mas, insistiu Tavares, naquele “insight” que, ao contrário,em vez de
esconder, as exibisse.
Mostre as algemas,
Zé! Exorto-lhe nos dias que correm hoje.
Dias de incipiente e vilipendiada democracia.
Na foto, podem
verificar, percebe-se nitidamente o Zé Dirceu exibindo, intrépido, as malditas
algemas.
Eu que não fui amigo
daquele jovem idealista algemado de outrora, tampouco conheci o suposto homem
“todo-poderoso” do governo; logo eu que o combati na disputa política, até com
palavras duras, eu que nunca o vi mais magro, ouso lhe fazer a mesma súplica:
Mostre as algemas, José
Dirceu!
Não tenha vergonha
de nada; tenha orgulho. Você ainda será, por vias transversas, um preso
político. Sim, orgulho! Em que pese a maledicência covarde daqueles que, assim
como naqueles dias sombrios de 1969, hoje lhe apontam o dedo, xingam e condenam.
São os mesmos – “imortais”, “eternos” porta-bandeiras da (falsa?) moral. Ora se
são!
Mostre as algemas,
Zé!
Exiba a todos, daqui
e para o resto do mundo! Mostre a todos o que se faz aqui no Brasil a homens
como você, que prestaram valorosos serviços à pátria; que lutaram com destemor
contra a ditadura; que ajudaram a eleger o Lula; que empenharam a sua vida e
juventude no afã de mudar um pouco a feia face desse país tão injusto com seus
filhos, ajudando a implantar políticas públicas que tiraram milhões da miséria e
do desalento.
Mostre a p* dessas algemas, cara!
Para o bem
e para o mal. Para o orgulho dos amigos e regozijo dos inimigos.
Confesso que
esperava que o julgamento do STF fosse “emblemático”, justo. Não “justo” pelo
mesmo metro, critério ou “premissas” com que a imprensa insuflou e ensandeceu as
galerias. Mas justo “de verdade”: que fossem condenados os culpados, aqueles que
tivessem suas culpas efetivamente comprovadas. Sim, que fosse uma firme
sinalização rumo ao fim da impunidade no Brasil. Mas não foi isso exatamente o
que se viu. Não foi isso que testemunhamos. Houve erro e exagero. Do Supremo. Da
mídia grande em geral. Uma caricatura. Entre erros e acertos, a injustiça foi
soberana.
Os ministros
demonstraram-se, desgraçadamente, um tanto tíbios, vaidosos e suscetíveis à
pressão e clamor da turba, de modo irresponsável manipulada e insuflada pela
opinião publicada.
Você foi condenado
sem provas. Isso é fato, irretorquível. Foi condenado sem provas, repito. Foi
condenado com base em suposições e suspeitas, com bases em capciosos
“artifícios” jurídicos, tais como a hoje célebre “teoria do domínio do fato”.
Uma excrescência, uma espécie de “licença poética” do golpismo – com o perdão
dos poetas, por aqui aproximar as palavras “poética” e
“golpismo”.
Eu poderia “achar”
que você era culpado. O meu vizinho poderia achar que você era culpado. O
taxista poderia achar. Todo mundo poderia “achar” que Zé Dirceu era culpado. Mas
um juiz, seja do Supremo ou de 1ª instância, não pode, em absoluto, “achar” que
você ou qualquer outro é culpado. Isso é uma ignomínia – como você tem se
cansado de dizer, reiteradas vezes, em suas manifestações.
Não nos cansemos de, indignados, exclamar: uma excrescência,
uma ignomínia!
Zé,mostre
as algemas! Elas são o espúrio troféu que lhe ofertam os
verdugos!
Nunca pensei em sair
do meu país, Zé, agora já penso com carinho e desconforto nessa possibilidade.
Como posso viver num país em que minhas garantias fundamentais de cidadão não
são respeitadas?!
Que país é esse?!
Que Justiça é essa?!
Quebrou-se a pedra
fundamental de toda nossa estruturação jurídica: a presunção da inocência. Em
seu lugar colocaram a presunção da culpa. Parece piada, de mau gosto, decerto,
mas não é. Como já disse antes, repito: não se é permitido fazer graça com a desgraça alheia.
E sua vida foi desgraçada, Zé.
Mostre as
algemas!
Veja bem, se você –
insisto, reitero – um homem que tantos serviços prestou ao país, um homem
respeitado por intelectuais, políticos e autoridades do mundo todo foi
enxovalhado dessa maneira, submetido à execração pública pela mídia. Desonrado,
chamado de “quadrilheiro”, “mensaleiro”, “ladrão”, o que fariam com um “poeta
marginal” como eu? Um homem qualquer, sem galardão algum, sem cânone, sem
mérito. Parafraseando certa atriz de cenho angelical, “namoradinha” desse mesmo
Brasil: tenho medo.
Não sei que monstro
o STF e a grande imprensa estão ajudando a criar. Mas uma coisa eu lhe asseguro:
é assustador.
Para aqueles que, sem questionar,
acham justa a sua condenação e prisão eu pergunto; para os “inocentes úteis” que
aceitam sem titubear esses consensos forjados e essas verdades absolutas que a
grande mídia sopra, todos os dias, em nossas consciências nos telejornais e nas
manchetes dos jornais estampadas nas bancas; faço-lhes a pergunta que não quer
calar:
porque criminalizam e prendem somente os petistas e mais alguns “mequetrefes” da
chamada “base aliada” do governo Lula?
Por que essas
práticas de sempre na política, hipocrisia à parte, agora “ilícitas” e
“criminosas”, só são permitidas aos “de sempre”? Por que os sessenta e tantos
investigados no chamado “mensalão mineiro” [não é tucano?!] não foram
acusados/denunciados? E não serão jamais – pois para estes o crime é eleitoral;
é caixa 2, já prescreveu [“Dois pesos, dois mensalões” – by Jânio de Fritas]. Já quando são
petistas os agentes da ação... é corrupção; é “golpe”; são “práticas espúrias”,
“criminosas” de um partido, digo de uma “quadrilha”, em “sua sanha de se
perpetuar ad eternum no
poder”. Não, essas palavras não vieram da tribuna do Senado ou da Câmara dos
Deputados, não saíram da boca de algum político da oposição, mas – pasmem! –
foram proferidas por ministros do Supremo. Por ministros do Supremo, repito!
Juízes na Ação Penal nº 470. Vejam a que ponto chegamos!!!
Mostre as algemas,
Zé! Mostre as algemas!
Essas tais “práticas
ilícitas” ou “criminosas” não deviam ser permitidas a ninguém - não é mesmo? A
Justiça não deveria ser igual para todos?!
Qual a resposta a
esse singelo por quê?
Por que só os
petistas são condenados, execrados e presos?
A resposta também é simples:
para
que o poder permaneça nas mãos dos “de sempre”, nas mãos dos eternos “donos do
poder”. As
chamadas “regras do jogo”, até as bastardas, servem apenas para a parte podre
das nossas elites; quando é para os “do lado de cá” aí deixa de ser “regra do
jogo”, passa a ser crime; “práticas espúrias”; “compra de
voto”.
Faço um singelo
convite a todos: vamos pensar o país, no qual a gente vive, um pouco além da
hipocrisia, do partidarismo, do “falso moralismo” e dos “manchetismos
grandiloqüentes” de uma imprensa que serve aos interesses de determinada classe
social e ideologia. Mais temperança e equilíbrio aos juízes Supremos e nem tão
supremos assim, o chamado “cidadão comum”.
Não podemos nos
dobrar a esse estado de coisas. Não podemos nos calar e assim sermos cúmplices e
testemunhos silentes dos erros dos tribunais. Repito: o Supremo exagerou; a
mídia exagerou.
Quadrilha?! Onde?
Compra de votos?! Penas de reclusão superiores a 30 anos! Há aí um nítido erro
na tipificação dos crimes, nas condenações e exagero na dosimetria das penas. O
que é uma pena.
Pois isso poderá até
favorecer aos condenados, pois essas condenações injustas e essas penas
exageradas certamente serão revistas algum dia, por esse ou por outro tribunal.
Espero, sinceramente, que sejam revistas por esse mesmo colegiado, pois ali
também estão homens de valor. E que essa vergonha, esse grave equívoco não se
perpetue.
Nesse momento, só me
resta dizer...
Mostre, com orgulho,
as algemas, José Dirceu!
_________________________
Lula
Miranda* é poeta, cronista e
Economista. Foi um dos nomes da poesia marginal na Bahia na década de 1980.
Publica artigos em veículos da chamada imprensa alternativa, tais como Carta
Maior, Caros Amigos, Observatório da Imprensa, Fazendo Média e blogs de
esquerda
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