28/10/2012, Lawrence Davidson, Consortium News
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Lawrence Davidson |
Dia 16/10, a organização
israelense Yazkern reuniu vários soldados israelenses veteranos da “Guerra de
Independência” de Israel, em 1948, para examinar a que aquela luta realmente
levou [1]. Os veteranos confirmaram o que
só pode ser descrito como esforço consciente de limpeza étnica – a destruição
sistemática de vilas palestinas inteiras e inúmeros massacres.
O objetivo do esforço de Yazkern
para reconstituir a verdade é quebrar a “narrativa nacionalista dominante”
expurgada, sobre 1948, e a negação automática, também dominante em Israel, de
qualquer legítima contranarrativa palestina. Filme documentário dirigido pela
jornalista russo-israelense Lia Tarachansky [2], que trata desse assunto, a
Nakba, Catástrofe Palestina, está em processo de finalização. O filme
também traz depoimentos de soldados israelense da guerra de 1948.
Essas
revelações que começam a sair à luz confirmam, por sua vez, o que têm dito os
“novos historiadores” israelenses, como Ilan Pappé, que publicaram livros, a
partir de documentos de arquivos do governo de Israel, em que mostram que, mesmo
antes de se iniciarem as hostilidades que levaram à criação do Estado de Israel,
as autoridades sionistas planejaram a limpeza étnica, na Palestina, da maior
quantidade possível de não judeus.
OK,
poderá dizer alguém, os israelenses tiveram comportamento selvagem em 1948 – e
só uma pequena minoria de israelenses admitirá que sim –, mas e depois da
“Guerra de Independência”? Como hoje se começa a saber, a limpeza étnica jamais
parou. Convenientemente, a tática de negar que jamais tenha começado ajudou a
esconder o fato de que prossegue até hoje.
Ainda essa semana, tivemos
notícias de que o ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak ordenou a demolição
de oito vilas palestinas [3], onde residem 1.500 pessoas, ao
sul das colinas de Hebron. O pretexto de Barak, dessa vez, foi que a terra é
necessária para treinamento militar.
Segundo
os “novos historiadores”, é comportamento padrão do governo de Israel, para
ocultar a limpeza étnica. Acontecerá que, sim, por alguns anos, o exército
israelense usará a área das vilas demolidas. Em seguida, quase inevitavelmente,
o “campo de treinamento” dará lugar a um novo projeto imobiliário, de
colonização, exclusivo para israelenses.
Dia 20/10, a rede
Al-Jazeera noticiou [4], baseada em documentos
israelenses, que, entre 2008 e 2010, o exército israelense controlou a entrada
de alimentos na Faixa de Gaza, seguindo um cálculo de dieta mínima, de modo a
manter sempre um ponto antes do estado de desnutrição, a população de 1,5 milhão
de palestinos.
Segundo
o Gisha Legal Center for Freedom of
Movement [Centro Gisha Legal pela Liberdade de Ir e Vir], organização
israelense de direitos humanos, “a meta oficial da política de “dieta mínima” é
fazer guerra econômica que paralise a economia de Gaza e, segundo o Ministério
da Defesa de Israel, pressionar o governo do Hamás”. Essa prática selvagem
começou, de fato, antes de 2008.
Ainda
em 2006, Dov Weissglass, então conselheiro do primeiro-ministro Ariel Sharon, já
dizia que “a ideia é pôr “em dieta” os palestinos, não matá-los de fome”. Claro,
há precedentes dessa tática, também usada contra os judeus europeus nos anos
1930s e 1940s. Deve-se assumir que Weissglass sabia disso.
Contudo, como nos episódios da
barbárie durante a “Guerra da Independência”, também nesse caso há uma bem
azeitada prática de negar a história, em Israel, em termos nacionais. Segundo
Gideon Levy, no Haaretz, “o país tem inúmeros meios
(...) para esconder os esqueletos no armário, de modo a que não perturbem
abertamente os cidadãos”. [5]
Os
militares autores do documento que converteu a ideia monstruosa de Weissglass em
prática selvagem, operaram num país em que a cegueira é cultivada. Ainda hoje, o
atual governo de Israel não tem qualquer motivo de preocupação com o risco de
que surja ali algum mal-estar geral, quanto ao fato de que os israelenses estão
lenta, mas incessantemente, destruindo o sistema de esgoto e tratamento de água
de Gaza, de modo a tornar a água inservível para beber.
São atos de crueldade que fazem
prova de selvageria. Por exemplo: os funcionários da alfândega israelense
confiscaram as folhas de prova, em outubro de 2012, destinadas às escolas da
Cisjordânia [6]; eram exames que os alunos
esperavam poder fazer, para concluir o curso colegial, indispensáveis para que
possam chegar à universidade.
AMIDEAST,
a organização que aplica as provas escolares nos Territórios Palestinos, tomou
todos os necessários cuidados para que as autoridades israelenses recebessem as
folhas de prova com semanas de antecedência e pudessem distribuí-las às escolas.
Mas, no que parece ser ato de crueldade, os funcionários da alfândega israelense
confiscaram as provas e não as distribuíram a tempo; e a AMIDEAST teve de
cancelar as provas finais.
A
pergunta óbvia, veio de um observador local: “o que têm os testes escolares a
ver com a segurança de Israel?”. É possível que passe pela cabeça pervertida do
israelense encarregado da alfândega, que seria ato patriótico impedir que mais
palestinos estudem nos Territórios Palestinos, porque, assim, menos serão as
testemunhas qualificadas que conhecerão a opressão israelense.
Do lado de Gaza, no mesmo quadro,
os EUA tiveram de cancelar, há alguns dias, um pequeno programa de bolsas
escolares para alunos de Gaza [7], porque as autoridades
israelenses negaram-se a autorizar a saída dos alunos beneficiários, da prisão a
céu aberto em que vivem, mesmo que, apenas, para ir só até uma escola na
Cisjordânia. (Aos interessados em acompanhar o dia a dia dos atos de opressão a
que Israel submete os palestinos, acompanhados diariamente, recomendo a página
Today In
Palestine.
Desafio e
negação
Dado
o que Israel continua a fazer, o apoio público com o qual o país contava nos EUA
começa afinal a desaparecer.
Recentemente, 15 destacados
líderes religiosos [8], representantes de vários grupos
cristãos, enviaram Carta Aberta ao Congresso dos EUA, exigindo “imediata
investigação sobre violações, por Israel, da lei de assistência a países
estrangeiros dos EUA [orig. U.S. Foreign Assistance Act] e à lei
norte-americana que regula a exportação de armas [orig. U.S. Arms Export
Control Act] as quais, respectivamente, proíbem que os EUA prestem
assistência a país que dê mostra de prática consistente de violações de direitos
humanos:
Exigimos
que o Congresso inicie investigações para examinar a situação de Israel nos
termos dessas duas leis. E exigimos que Israel seja chamada a prestar contas de
atos relacionados ao disposto nessas duas leis, no sentido de obediência ao que
aquelas leis dispõem.
Até o momento, o Congresso
continua a fazer-se de surdo, mas a reação dos sionistas [9] fez-se ouvir imediatamente, alta e
clara. À testa, apareceu, como sempre, Abraham Foxman, presidente da chamada
muito inadequadamente “Liga Anti-Difamação” [orig. Anti-Defamation League
(ADL). Acusou os líderes cristãos de “espantosa falta de sensibilidade”. É caso
de perguntar-se quanta sensibilidade se exige para negar água potável e comida
suficiente a milhões de pessoas e impedir estudantes de fazer provas na escola!
Foxman optou por castigar os clérigos atrevidos: declarou que não participaria
do “diálogo inter-fés” contemporâneo.
Ter
cérebro avantajado é espada de dois gumes para os seres humanos. Implica que
podemos pensar todos os tipos de pensamento criativo; podemos até controlar em
boa medida nossos impulsos menos recomendáveis, se, pelo menos, tentarmos; mas
significa também que podemos ser manipulados para nem tentar controlá-los; para
crer que não precisamos tentar – que somos vítimas... mesmo quando somos os
opressores; e a acreditar que qualquer crítica contra nossas ações sempre será,
sempre, mais uma prova de o quanto somos vítimas perseguidas.
A cultura israelense – e, de fato,
a cultura do sionismo em geral – é projeto em curso de automanipulação para
alcançar exatamente esse estado mental. E, em grande parte, é projeto
bem-sucedido. Pesquisa recente [10], feita em Israel, mostra que “uma
maioria do público [judeus israelenses] deseja que prossiga a discriminação
contra os palestinos (...) o que revela o racismo profundamente enraizado na
sociedade de Israel”.
Os
sionistas não são os únicos especialistas em negar fatos. Os EUA ,
principal aliado de Israel, também se tem mostrado muito bom nessa
especialidade. Depois dos ataques do 11/9, qualquer consideração à possibilidade
de que a política exterior dos EUA para o Oriente Médio ter ajudado a motivar e
disseminar o terrorismo passou a ser anátema – e ainda é. Mais de uma década
depois.
Em
vez de nos debruçarmos sobre nosso comportamento, os EUA simplesmente aumentamos
nossa capacidade de matar, sem discussão, quem quer que desafie, em armas,
nossas políticas. Temos respondido com assassinatos premeditados contra alvos
predefinidos, usando os drones ou outros tipos de armas: os EUA já
estamos copiando a selvageria israelense.
Maquiavel,
que sempre se deve ouvir, quando se trata de ver o lado mais obscuro das coisas,
disse que:
Quem
queira perscrutar o futuro deve consultar o passado; porque os eventos humanos
assemelham-se sempre. Isso se deve a que eventos humanos são produzidos por
seres humanos que sempre foram e sempre serão animados pelas mesmas paixões; por
isso, necessariamente, sempre levam aos mesmos resultados.
Mas...
será, mesmo, inevitável?
Notas de rodapé
[1] 16/10/2012, Middle East
Monitor, em: “Israeli
army veterans admit role in massacres of Palestinians in
1948”
[2] 16/10/2012, +972, Noam Sheizaf em: “Between
anger and denial: Israeli collective memory and the
Nakba”
[3] 23/7/2012, Russia Today em: “Israel orders
demolition of 8 Palestinian villages for IDF training sites”
[4] 18/10/2012, Al Jazeera em: “Israel
set calorie limit during Gaza blockade” (+vídeo a
seguir)
[5] 21/10/2012, Haaretz, Illan Pappé em: “For
some Israelis, Gazans receive 2,279 calories too
many”
[6] 16/10/2012, The Harvard Crimson, Lena K. Awwad e
Shatha I. Hussein em: “Israel vs.
No. 2 Pencils”
[7] 15/10/2012, Salon, Natasha Lennard, em: “U.S.
cancels scholarships for Gaza Strip students”
[8] 14/10/2012, Redress
Information & Analysis, Stuart Littlewood em: “US
hurch leaders question open-ended Israel aid”
[9] Idem Nota [8]
[10] 23/10/2012, +972, Noam Sheizaf em: “Poll:
Israelis support discrimination against Arabs, embrace the term
apartheid”
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