16/11/2012, M K Bhadrakumar*, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ataques aéreos de Israel sobre Gaza com bombas de fósforo branco, proibidas pela Convenção de Genebra |
Com
as tensões aumentando hora a hora, dia a dia, e tropas e tanques israelenses
avançando ameaçadoramente contra Gaza, o mundo começa a ver a língua bífida do
presidente dos EUA, Barack Obama.
Gaza
vai-se convertendo em teste limite do que Obama diz ser como estadista e do que
não pode ser, se se considera a realidade política.
Não
existe, para Obama, linha de fuga pela qual escapar da realidade que ele insiste
em não ver, metendo a cabeça no buraco, feito avestruz, desde o dia em que
deixou o Cairo em 2009, depois de fazer ali discurso magnífico sobre a questão
palestina.
Os eventos da última semana em
Gaza mostram que, a menos que Obama manifeste coragem política – e integridade
moral, como estadista – para enfrentar a questão palestina, toda a sua conversa
sobre “nova agenda” para o Oriente
Médio é e
continuará a ser pura bobagem.
Além
do mais, a assimetria de suas prioridades para o Oriente Médio começa a aparecer
aí, à vista de todos. Na essência, Obama começa a ser visto como inventador de
frases sobre Síria e Irã, exclusivamente para tentar fugir da única questão que
poderia fazer alguma diferença no contato entre os EUA e o mundo muçulmano.
Netanyahu avança sobre Obama |
O
primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu já desmascarou Obama e está
forçando um “reset” das relações entre ambos, mesmo antes de o presidente dos
EUA iniciar seu segundo mandato na Casa Branca.
Obama
sempre pode esconder-se por trás de sua retórica melíflua e, nos EUA, não tem de
enfrentar opinião pública adversa. Sequer será chamado às falas por seus aliados
europeus.
Onde o motor engasga
O
paradoxo é que a crise em Gaza irrompe justamente quando parecia que as coisas
se encaminhavam para um possível novo acordo entre EUA e Egito, incluindo
empreitada conjunta, dos dois países, para encaminhar solução rápida para a
“mudança de regime” na Síria.
Mohamed Mursi |
Uma
equipe de técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) passou 15 dias no
Cairo negociando um empréstimo de US$4,8 bilhões de que o Egito muito precisa
para remendar as finanças. Já com os jatos israelenses atacando Gaza
impiedosamente, e com o Hamás implorando ajuda ao presidente Mohamed Mursi do
Egito, o FMI anunciou na 4ª-feira que “a missão permanecerá no Cairo por mais
alguns dias, onde continuará trabalhando para firmar os progressos já obtidos”.
Normalmente
o FMI espera que os estados tomem por sua iniciativa as primeiras medidas de
algum plano de reformas econômicas, antes de conceder empréstimos, mas Mursi
sabe que sempre se podem criar exceções; e que quem decide é Washington.
Robert Ford |
Também
do ponto de vista de Obama, a nova guerra contra Gaza aparece no pior momento,
abalando todo o seu esquema montado para a Síria para os próximos meses. Depois
de muito trabalho durante cinco dias de agonia em Doha, o ex-embaixador dos EUA
na Síria, Robert Ford e o ex-deputado sírio Riad Self conseguiram, sabe-se lá
como, montar uma Coalizão Nacional Síria [orig. Syrian National Coalition
(SNC)] no fim da semana.
Várias
vezes pareceu que Ford não conseguiria tirar o coelho da cartola, e os
anfitriões qataris tiveram, literalmente, de se intrometer e chantagear algumas
das figuras chaves dos grupos da oposição síria, para obrigá-los a desistir e
alinhar-se ao roteiro que Ford trouxera diretamente de Washington.
A
situação era grave e a urgência, absoluta. Formar a Coalizão era precondição
necessária para a nova reunião dos tais “Amigos da Síria”, em Tóquio, onde a
dita “comunidade internacional” reconhecerá a nova oposição síria.
Mursi
já fora seduzido, quando os Irmãos da Fraternidade Muçulmana na Síria foram
premiados com o comando, na nova Coalizão. Qatar e Turquia acrescentaram, cada
um, mais US$2 bilhões de ajuda para o governo de Mursi. O plano de jogo inclui
instalar no Cairo o quartel-general da nova Coalizão síria. O ministro de
Relações Exteriores da Turquia Ahmet Davutoglu visitou o Cairo na 4ª-feira, e
conversou com Mursi: disse o que se espera dele enquanto Obama providencia o
início de operação de sua “nova agenda” para a Síria.
Portanto,
Netanyahu claramente agiu para fazer o motor engasgar, para fazer parar toda
essa operação, literalmente. E absolutamente não está brincando. Os novos
ataques de Israel contra Gaza obrigam a ver que a nova Coalizão síria não tem
importância alguma; que a verdadeira batalha no Oriente Médio Muçulmano não se
trava na Síria nesse momento, mas na Palestina – aliás, como sempre.
Benyamin Netanyahu |
Mas
o que mais interessa a Netanyahu é atacar Obama noutro ponto: Netanyahu ataca
Gaza com vistas a destruir a credibilidade de Obama, agora que ele se prepara
para conversações com o iranianos, previstas para acontecerem só entre EUA e
Irã. Na primeira conferência de imprensa depois da eleição, na 4ª-feira, Obama
disse que planeja “trabalhar nos próximos meses para ver se conseguimos abrir um
diálogo” com Teerã, “e ver se resolvemos essa questão [nuclear]”.
Obama
falou em tom claramente conciliatório e disse que não ficaria preso “a
formalidades diplomáticas ou de protocolo” e que “se o Irã estiver seriamente
disposto a resolver isso, haverá meio para resolver”.
Hoje,
com tropas israelenses marchando contra Gaza, Obama será visto em todo o mundo
árabe como homem de promessas ocas. E Netanyahu aparece como o homem que dá as
cartas no Oriente Médio, pouco mais de um mês antes das próximas eleições
parlamentares, às quais concorre em aliança com o partido Yisrael Beiteinu de
Avigdor Lieberman e que espera vencer, em janeiro. Os grupos mais linha-dura da
política israelense navegam a onda de apoio popular a Netanyahu-Lieberman,
defensores da “Grande Israel”.
Duelo emocionante
Como
já se viu claramente, Obama foi obrigado a voltar ao discurso de sempre, à
política norte-americana de só ver o lado israelense, à velha prática de culpar
o Hamás por ter iniciado a atual crise, justificando Israel que, como sempre
teria “o direito de defender-se”.
Mais
fundamentalmente, contudo, há aí todos os ingredientes para que a coisa
converta-se em duelo Obama versus Netanyahu – que terá impacto prolongado
na sempre precária alquimia entre ambos, e que se estenderá por todo o segundo
mandato de Obama.
Obama
talvez nem goste de ver que Netanyahu conseguiu encaixar um direto, mas, em
termos realistas, sabe que a Câmara de Deputados controlada pelos Republicanos
no Congresso dos EUA só aceitará decisões que impliquem 100% de apoio a Israel
na atual crise.
Obama
pode também dar adeus às esperanças de conseguir construir algum consenso no
Congresso dos EUA para fazer avançar uma agenda, de segundo mandado, que se
constitua no legado histórico de seu governo – o “despenhadeiro fiscal”, reforma
do sistema tributário, imigração, energia, mudança climática, desarmamento etc.
–, se não conseguir encontrar meio para superar o teste crucial do apoio
incondicionado a Israel.
Aí,
precisamente, Obama encontrará gravíssima dificuldade com Teerã. A questão é que
a centralidade da questão palestina nas políticas regionais do regime islâmico
de Teerã nem sempre é perfeitamente visível e compreendida, quando se extraem
conclusões superficiais sobre o que motiva o Irã a buscar tão empenhadamente (e
legitimamente) a posição de potência regional.
O
regime de Teerã, como praticamente todo o mundo muçulmano, tem profunda simpatia
pela causa dos palestinos e considera inadmissível e genuinamente inaceitável
qualquer ataque contra Gaza.
Hamás |
Na
prática, a única coisa que Obama pode fazer hoje é exigir que Mursi do Egito
ponha o Hamás sob rédea curta. Desnecessário dizer que Obama, mais uma vez, como
que instintivamente, comete o grave erro de seguir a linha pragmática e de
deixar-se ver, mais uma vez, como aliado, ombro a ombro, de Israel.
Setores
influentes dentro do establishment iraniano já vêm dizendo, há algum
tempo, que Obama é fraco demais para, sozinho, negociar questões cruciais com
Teerã, no que tenha a ver com o programa nuclear. Além disso, Teerã também
desconfia que a verdadeira agenda dos EUA é enfraquecer o Irã, impondo à Síria
um acordo do tipo Taif (como no Líbano e no Iraque), o que também ajudaria
Israel a reconquistar a posição de dominação na região.
Não há nem sombra de dúvida de que – e
foi jogada brilhante – Netanyahu conseguiu expor as mais profundas contradições
que há na mal alinhavada estratégia de Obama para o Oriente Médio.
__________________
MK
Bhadrakumar*
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialistaem questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu,Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
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