11/11/2012, Michael Hastings, BuzzFeed
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Petraeus
seduziu os EUA. Ninguém jamais poderia ter confiado nele.
A
fraude que o general David Petraeus perpetrou contra os EUA começou muitos anos
antes de o general seduzir Paula Broadwell, sua subordinada, 20 anos mais jovem
que ele, depois de conhecê-la numa visita ao campus, em Harvard.
Mais
do que no caso de qualquer outro militar de alto escalão, toda a filosofia de
Petraeus sempre se baseou em encobrir a verdade, em dissimular, em construir uma
imagem falsa e operá-la. “A percepção” é chave, escreveu Petraeus em dissertação
de 1987 em Princeton. “O que os políticos
creiam que tenha acontecido em qualquer determinado caso é o que importa –
sempre mais do que o que realmente aconteceu”.
É.
O que realmente aconteceu não importa. O que importa é o que você consiga
convencer o público a crer que aconteceu.
Michael Hastings |
Até o
último fim de semana, Petraeus foi incrivelmente bem sucedido em fazer o público
crer que ele seria homem honrado e de alta integridade, dentre outras
qualidades. A maioria das estórias publicadas sobre ele são o que nós, da mídia,
costumamos chamar de “blowjob”. Vanity Fair. The New Yorker. The New
York Times.
The Washington Post. Time. Newsweek.
Todas,
absolutamente todas as matérias e perfis, encenados-gerenciados pelo aparelho de
multimilhões de dólares de Relações Públicas do Pentágono, construíram mito
irrealista, sobre-humano, em torno do general. No final, não ajudaram nem o
general nem a opinião pública. Ironicamente, apesar da felação midiática, a
imprensa-empresa planetária moralista e obcecada por sexo perdeu, de certo modo,
o verdadeiro blowjob.
Antes
de expor a contranarrativa sobre Petraeus – narrativa intencionalmente ignorada
por praticamente toda a imprensa do Pentágono e pelos jornalistas que cobrem
temas de segurança nacional, por razões que adiante explicarei –, permitam-me
dizer algo sobre o homem que já foi chamado de “Rei David”, “General Nos-Traiu”;
e de “P4 [estrelas]”, por, respectivamente, seus admiradores, seus inimigos e
seus colegas de farda.
Petraeus
é sujeito impressionante, indivíduo altissimamente motivado, canastrão de
categoria estelar, viciado em malhação e homem que passou mais tempo nos lugares
mais infernais do mundo, nos últimos dez anos, que qualquer outro americano a
serviço dos EUA. Acompanhei-o, encarregado de cobrir seus passos, durante sete
anos. Petraeus sempre me inspirou respeito e profunda, distorcida, atormentada
admiração.
Portanto,
é justo dizer que P4 merece, provavelmente, coisa um pouco melhor que a
humilhação pública que o aguarda. Fontes que o temeram mortalmente durante muito
tempo, já começaram a vazar detalhes de máxima sordidez: uma dessas fontes
contou-me, essa semana, que Petraeus levou Broadwell em viagem a Paris , paga pelos
contribuintes norte-americanos, em julho de 2011. E haverá perguntas cada dia
mais incisivas sobre seu papel na catástrofe de Benghazi.
Broadwell,
ela também, será massacrada como ninguém merece ser, em nenhum caso. É a Monica
Lewinksy do Pentágono – e, apesar do sempre eficaz e elogiado aparato de
contrainformação da Equipe Petraeus, que falará de integridade e coragem, não
demorou nem um dia para que até os aliados já estejam fazendo chover sobre a
imprensa hectares de declarações anônimas que a cobrem de lama; é mulher formada
em West Point, casada e mãe de dois filhos. O Washington Post já escreveu
que sempre usava “roupas colantes”; e que “cravou as garras nele”. Em outras
palavras: como Old Dave resistiria aos charmes dessa messalina?
Comportamento obsceno. Como diria o Dr. Andrew Exum, aliado de Petraeus e
intelectual especialista em contraguerrilha, “mantenha a classe!”.
Bronze Star for Valor |
Mas
já há anos viam-se por todos os lados indícios da desonestidade essencial de
Petraeus. Em rápido resumo: pode-se começar pelas persistentes dúvidas que
surgiram sobre a sua medalha Bronze Star
for Valor. Ou quando, em 2004, durante campanha presidencial, Petraeus
publicou coluna assinada no Washington Post, de apoio ao presidente Bush,
na qual dizia que a política para o Iraque funcionava muito bem. A política para
o Iraque já estava funcionando muito mal, mas Bush retribuiu o empenho político
do general: três anos depois, deu-lhe o posto de senhor absoluto da guerra.
Há
também seu currículo de guerra no Iraque, que começa quando chefiou o programa
de treinamento de forças de segurança iraquianas, em 2004. Petraeus safou-se,
apesar da muitas armas que perdeu para o inimigo, da corrupção insana e do fato
de que, essencialmente, armou e treinou forças que, depois, ganharam fama como
“os esquadrões da morte do Iraque”. Na fase final de sua encenação no Iraque,
durante a chamada “avançada”, Petraeus consumou o que talvez seja o mais
impressionante serviço sujo de toda a história norte-americana recente:
convenceu todo o establishment em Washington de que vencera a guerra.
Conseguiu
enganar toda aquela gente, encobrindo a verdadeira cara da “avançada”. Ninguém
absolutamente ficou sabendo que os EUA nos penduramos no lado xiita de uma
guerra civil, armamos os xiitas até os dentes e mentimos tão massivamente aos
sunitas, que eles também acreditaram que os EUA também os ajudaríamos a sair
daquela loucura. Foi empreitada brutal. Mas de 800 norte-americanos morreram
naquela “avançada”; e centenas de milhares de iraquianos morreram em seguida, no
conflito sectário gerado pelas políticas de Petraeus. E, de repente, Petraeus
sumiu de lá, evaporou, e deixou os sunitas do “Despertar Sunita” entregues à
própria sorte. Jornalista meu amigo contou-me a história de um membro do
“Despertar Sunita”, que vivia exilado em Amman, ao qual Petraeus dera garantias
pessoais de que não seria abandonado. O ex-guerrilheiro mantinha uma foto de
Petraeus na parede de casa. Sofreu muito quando, de repente, o general deixou de
atender seus telefonemas.
É
possível que os militantes do MoveOn
tenham exagerado ao apelidá-lo de “General Nos Traiu” em Washington, mas não há
dúvidas de que Petraeus traiu muitos do movimento “Despertar” no Iraque.
Petraeus
foi tão convincente na ficção sobre Bagdá, que induziu o presidente Obama a
repetir a experiência em Kabul. No Afeganistão ,
começou por empurrar a Casa Branca para uma escalada na guerra em setembro de
2009 (mandou seus colunistas “enquadrar” o presidente, deixá-lo sem alternativa)
e comandou vastíssima campanha de vazamentos para minar o processo político na
Casa Branca. Frase famosa de Petraeus, nessa época, foi o alerta, dirigido ao
seu pessoal, de que a Casa Branca estava “fodendo” o cara errado.
Stanley McChrystal |
Mas
o fracasso da avançada afegã voltaria, e o pegaria pela retaguarda. Um ano
depois de ter conseguido a guerra que tanto desejava, P4 viu-se cercado,
obrigado a fazer a própria guerra, ele mesmo. Depois que o amigo-inimigo de
Petraeus, o general Stanley McChrystal, foi demitido por ter envolvido a Casa
Branca numa história que publiquei em Rolling Stone, o intelectual
guerreiro teve de superar-se mais uma vez.
A
guerra afegã foi fracasso de proporções monumentais, sempre foi e sempre seria –
Petraeus fez negócios horrendos com gente como Abdul Razzik e outros gângsteres
afegãos e matou muita gente que não precisava morrer. E nada alterou coisa
alguma, ou provocou qualquer mácula em sua reputação. Foi quando
Broadwell passou a trabalhar com ele no quartel-general. Nem chega a chocar que
o general precisasse de alguma consolação, viesse de onde viesse, para conseguir
não pensar 24 horas por dia no show de horrores em que se metera.
(No
verão passado, houve mais ataques no Afeganistão que no verão antes da Avançada,
estatística devastadora. Poderia até continuar, mas os interessados podem
verificar todos os dados em The Operators: The Wild and Terrifying
Inside Story of America’s War in Afghanistan [Os operadores:
a história oculta, selvagem e aterrorizante da guerra dos EUA no
Afeganistão]).
Como
é possível que Petraeus tenha-se safado de tudo isso, por tanto tempo? Bem, o
primeiro dos seus casos – e caso que, esse sim, importa muito mais do que um
homem dormir com uma ou duas mulheres – foi com a imprensa-empresa nos EUA.
(Para
os arquivos: quem, diabo, dá alguma bola para uma ou outra com quem P4 se deite?
A notícia de que o FBI estava investigando a vida sexual do general diz muito
mais sobre o FBI e o estado absurdo de vigilância e segurança nacional sob o
qual todos os norte-americanos vivemos hoje, do que sobre a moralidade do Rei
David.)
Linda Robinson |
A
primeira biógrafa de Petraeus, Linda Robinson, ex-repórter de U.S. News and
World Report, escreveu seu livro sobre o general e, ato seguinte, já estava
empregada no CENTCOM, trabalhando para seu biografado. É. Pressuposta
jornalista, publicou biografia dele e, em seguida, passou a receber cheques
dele. Não incomodou ninguém, ninguém viu, nenhuma notícia.
Outro
forte apoiador foi Tom Ricks, ex-jornalista do Washington Post, o qual
construiu para si uma segunda carreira como agente não oficial de imprensa a
serviço do general Petraeus e de seus amigos. Ricks é o comandante-em-chefe do
que costumo chamar de “complexo industrial imprensa-militar”, o homem que fixa o
padrão para a mútua corrupção-incesto diária ininterrupta. Não apenas promoveu
Dave; também facilitou a relação desastrosa entre Broadwell e Petraeus. Ricks é
o homem que conseguiu um agente literário para Broadwell, além de um contrato de
seis dígitos para escrever seu livro e editor para publicá-lo.
Tom Ricks |
Broadwell
foi vendida aos editores tanto pelo corpo quanto pelos escritos – era embalagem
atraente na qual meter Petraeus e seu ideário de contraguerrilha; ajudava a
vender. Geoff Shandler, editor de Little Brown, contou-me certa vez o quanto
Broadwell lhe parecera “quente”, quando apareceu para visitá-lo no escritório.
Sugeriu fortemente que Broadwell o excitara. Tudo, claro, questão de integridade
intelectual, sim, não há dúvida.
Ricks
fez a publicidade de Broadwell em “All
In”; antes, já promovera o mesmo conteúdo em seu blog – que ostentava o
estranhíssimo título de “Viagens com Paula” – manchete que ele plantou numa
matéria sobre a total destruição de uma pequena vila no sul do Afeganistão, por
soldados dos EUA. Broadwell pintou a operação ultra-violenta de extermínio, em
termos os mais favoráveis – e, quando foi confrontada por um sobrevivente do
massacre, cuja casa fora destruída, ela escreveu que “as lágrimas e a ira do
afegão” pareceram-lhe “surto teatralizado”.
Paula Broadwell |
Esse
era o tipo de merda que Ricks e Broadwell estavam divulgando – e não só não
apareceu quem chamasse a merda de merda: a coisa foi acolhida como trabalho
sério. Ricks, claro, não foi o único. Petraeus controlava, uns mais outros
menos, jornalistas de todos os principais veículos que ruminam em volta do Pentágono.
O dinheiro e todos os fatores eram canalizados, via de regra,
através de um terceiro “vetor”; por exemplo, o Center For A New American Security (CNAS).
O
CNAS foi operação inspirada por
Petraeus desde o início, em 2007, e ganhou reputação ao promover os planos de
contraguerrilha de Petraeus. Normal. Sem problemas. O único problema é que todos
os jornalistas que cobriam os mesmos planos e políticas eram pagos pelo CNAS. Por exemplo, Thom Shanker,
correspondente do New York Times no Pentágono era funcionário e recebia
salário do CNAS e continuou cobrindo
o Pentágono; Robert Kaplan, David Cloud do Los Angeles Times e outros
produziram um pequena biblioteca de hagiografias, ao mesmo tempo e que dividiam
escritórios, no CNAS, com os mesmos
generais aposentados que apareciam regularmente citados em suas matérias
“jornalísticas”.
Mas
a queda-desabamento de Petraeus é mais significativa que o recente escândalo de
nonsense sexual. Como disse o
presidente Obama, nossa década de guerra está chegando ao fim. A reputação dos
homens mais intimamente envolvidos nesses anos de erros, vícios e perversões “no
estrangeiro” – onde nós, norte-americanos, torturamos e apoiamos a tortura,
armamos esquadrões da morte, atuamos como assassinos na calada da noite, matamos
inocentes e geramos corrupção em escala inacreditável – jaz em farrapos.
McChrystal,
Caldwell e, agora, Petraeus. Acabou a era dos generais-celebridades. Todos eles
estão pagando pelos próprios pecados.
(E
antes que alguém pense em chorar lágrimas solidárias pelo suplício do Rei David
e seus cúmplices, lembre que nenhum deles enfrentará a miséria. Todos já têm
convites milionários para ‘palestras’ e propostas de emprego nos conselhos de
administração de grandes corporações. Serão regiamente recompensados pelo mesmo
establishment da “Defesa” ao qual serviram com tanto denodo).
Antes
de Dave enlouquecer de paixão por Paula, nós enlouquecemos de paixão por Dave.
Dave viveu para nos convencer de que heróis não são humanos. Mas são. São gente
como nós. Às vezes, piores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.