19/11/2012, Lawrence Davidson, Midia with Conscience
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Lawrence Davidson |
Logo depois que meu artigo, de
4/11, “In
Defense of Richard Falk” [Em defesa de Richard
Falk ] foi publicado no blog Media with a Conscience
(MWC), o editor enviou-me uma resposta especialmente grandiloquente. De
estranhar, porque vinha assinada por intelectual e autor relativamente
conhecido, de nome Fred Skolnik.
O
Sr. Skolnik é editor-em-chefe de uma Encyclopedia Judaica de 22 volumes,
em 2ª edição, trabalho que lhe valeu a Medalha Dartmouth em 2007. É também autor
de numerosos trabalhos de ficção, todos sobre a vida em Israel. Não é raro que
sionistas me escolham para malhar, e Skolnik é, sem dúvida alguma, sionista. Mas
é raro que os que decidam julgar e condenar tenham a estatura intelectual de
Skolnik. Portanto, é absolutamente necessário responder.
A
bandeira de Israel
O
Sr. Skolnik não gosta do Dr. Falk, o qual, o leitor sabe, é o atual Relator
Especial da ONU para os Territórios Palestinos (TPOs). E, porque defendo Falk,
Skolnik tampouco gosta de mim. De fato, na opinão de Skolnik sou parte de “um
exército de odiadores de Israel (...) sempre agitando, infindavelmente (...)
meias verdades venenosas” sobre a Terra de Israel. Apesar disso, Skolnik
dedicou-se a escrever comentário de três páginas para corrigir a mim e meus
leitores.
Diz que exporá “a causa de Israel
no menor número possível de palavras, embora saiba que você talvez não publique
minha resposta para não estragar o efeito que visa a alcançar”. Bobagem. Não
tenho qualquer objeção a que meus leitores leiam,
na íntegra, a resposta do Sr. Skolnik. Ou basta ir à página de
MWC; procurar pelo meu nome: Davidson; selecionar “In Defense of Robert
Falk”; e descer pela lista de comentários, até chegar ao comentário de Skolnik.
Resolvida
essa parte, eis o que tenho a dizer sobre o que o Sr. Skolnik expõe como “a
causa de Israel”.
1º.
Diz Skolnik: “Não há Palestina histórica que tenha algo a ver com os árabes, nem
há ali população muçulmana “indígena” ou nativa”. Essa é uma antiga fantasia, ou
mito, que se desenvolveu ao longo dos anos, para permitir que sionistas radicais
e colonos violentos racionalizassem a absorção histórica das terras dos
palestinos.
Fred Skolnik |
Se
se consulta o verbete “Povo Palestino” da Wikipedia, verbete que reflete a mais
recente pesquisa sobre a questão de quem vivia onde e quando, inclusive com
resultados de análise genética, aprende-se que os palestinos são “descendentes
contemporâneos, hoje, dos que viveram ao longo de séculos na Palestina e que
hoje são, na vasta maioria, cultural e linguisticamente, árabes. (...) A análise
genética sugere que uma maioria dos muçulmanos da Palestina, inclusive os árabes
que são cidadãos israelenses, são descendentes de cristãos, judeus e outros
habitantes do sul do Levante, cujas raízes chegam aos tempos
pré-históricos”.
Além
disso, “estudo das sequências de DNA demonstraram que porção substancial dos
cromossomas Y dos judeus israelenses (70%) e dos palestinos árabes muçulmanos
(82%) pertencem ao mesmo conjunto cromossômico”.
Isso
significa, precisamente, que os ancestrais daqueles palestinos que hoje são
cultural e linguisticamente árabes vivem na Palestina desde tempos imemoriais.
Ao longo dos séculos, a população fragmentou-se, assumiu religiões e traços
culturais e linguísticos diferentes. De fato, todos aqueles indígenas
palestinos, judeus e cristãos locais, eles também, são basicamente o mesmo povo,
que seguiu vias culturais em vários sentidos, separadas.
Triste
é que o Sr. Skolnik apoie, hoje, tão ardentemente, a limpeza étnica de seus
próprios primos.
Joan Peters |
2º.
Diz Skolnik: “A maioria dos árabes com “raízes” na Terra de Israel migraram para
lá de outras partes do mundo árabe no século 19 e início do 20, enquanto os
judeus sempre estiveram presentes, continuadamente, na Terra de Israel, por mais
de 3.000 anos”.
Aí
está outro mito, introduzido, principalmente, por um livro de Joan Peters,
publicado em 1984, intitulado From Time Immemorial [Desde tempos
imemoriais]. O argumento do livro e as “provas” foram examinadas e, uma a uma,
demonstradas falsas por Norman Finkelstein, no livro Image and Reality of the
Israel-Palestine Conflict (1995).
3º. Diz
Skolnik: “O deslocamento dos árabes na Terra de Israel durante a Guerra de
Independência de Israel (...) foi acompanhado pelo deslocamento de centenas de
milhares de judeus que viviam então em terras árabes, e que viviam vida
insuportável sob o vingancismo da lei árabe.” Por isso, os israelitas “receberam
de braços abertos os irmãos judeus”, enquanto os países árabes que receberam
refugiados árabes “meteram-nos em campos e os trataram como animais.”
Para
editor de enciclopédia de 22 volumes, Skolnik manifesta deplorável tendência a
generalizações e estereótipos e,
literalmente,
a misturar e confundir eventos e efeitos que nada têm a ver uns com os outros.
Alguns pontos historicamente bem conhecidos:
–
A verdade é que o êxodo dos judeus árabes de seus países de residência aconteceu
ao longo do tempo e, em alguns casos, como na Argélia, nada teve a ver com os
eventos na Palestina. Em outros casos, o país árabe viu-se em guerra com
Israel , como com o Egito, e a imigração de judeus foi resultado
direto de os sionistas terem expulsado populações árabes. E no caso do Marrocos,
o governo local muito tentou assegurar segurança e bem-estar aos judeus, na
tentativa de retê-los, contra a propaganda sionista que tentava arrancá-los de
lá.
–
Em alguns casos, o “deslocamento” foi forçado, como aconteceu no Iraque, por
agentes sionistas que cometiam violentos atos de sabotagem contra comunidades de
judeus iraquianos.
Norman Finkelstein |
–
A recepção que os judeus árabes encontraram em Israel nada teve dos “braços
abertos” que Skolnik pinta. Foram recebidos pelos “irmãos” judeus europeus com
ativo preconceito racial. Mesmo hoje, ainda são tensas as relações entre
azquenases e sefarditas/Mizrachi dentro de Israel.
–
Quanto aos refugiados árabes que, diz o Sr. Skolnik, teriam sido “tratados como
animais” por outros árabes, o exagero é flagrante. Houve diferentes quadros
em diferentes
países. Por exemplo: no Líbano, foram maltratados; na Jordânia,
foram bem tratados. Em nenhum dos campos de refugiados em país árabe as
condições foram piores do que nas cidades-tendas e “cidades em desenvolvimento”
no deserto de Negev, para onde os israelenses encaminharam 80% dos judeus árabes
refugiados.
4º. O
Sr. Skolnik diz outras coisas, que não tenho nem espaço nem tempo para corrigir.
Leitor interessado encontrará meus comentários no ensaio sobre o Dr. Falk. Quem
se interesse e leia, cuide, por favor, de seguir as fontes referidas de
informação – trabalhos de historiadores
israelenses, como Ilan Pappe e Benny Morris e os artigos jornalísticos de
Amira Hass e Gideon Levy (ambos jornalistas que trabalham para o jornal
israelense Haaretz), e os relatórios do grupo israelense de defesa dos
Direitos Humanos, B’Tselem. São, todas essas, fontes israelenses, mas
narram história completamente diferente da que nos chega pelo Sr. Skolnik.
De
Skolnik a Gaza
Como
o Sr. Skolnik demonstra tão claramente, todos vivemos em nosso mundo próprio.
Cada um desses nossos mundos é construído pela criação e pela educação que
recebamos: a família, os amigos, as escolas, as universidades, o nível de
conexão que desenvolvemos com nossa comunidade. Essa conexão é quase sempre
sustentada e aprofundada pelo ambiente informacional que a comunidade nos
fornece.
Esses
ambientes nos convertem em “bons” cidadãos e, simultaneamente estreitam nossa
visão do mundo, ao mesmo tempo em que vão conformando paradigmas políticos e
culturais aceitáveis. O processo, em geral, funciona bem. Mesmo assim, é verdade
que em qualquer comunidade há, ativo, um continuum de aceitação e
concordância que vai do cético ao verdadeiro crente. Para o crente, a comunidade
jamais erra, e o comportamento social pode sempre ser racionalizado. No que
tenha a ver com Israel, Skolnik é verdadeiramente um crente.
Num
país como Israel, ainda que você viva armado até os dentes, a sensação é de
perene insegurança; e, se há crentes verdadeiros no governo, difícil imaginar
situação mais perigosa. Ao longo dos anos, os líderes israelenses, quase sempre
imbuídos da mesma fé que anima Fred Skolnik, tiraram dos palestinos todos os
direitos e todos os bens, e cuidam hoje de fazer a limpeza étnica da região,
empurrando os palestinos para áreas cada vez menores, onde são forçados a viver
concentrados.
Gaza
é o pior exemplo disso. É hoje uma “prisão a céu aberto” onde 1,5 milhão de
seres humanos congestionam completamente uma superfície de 139 milhas quadradas – é
a área de mais alta densidade populacional da Terra. Ali, com a cumplicidade dos
EUA e da União Europeia, os israelenses tratam de reduzir quase todos os
habitantes à mais abjeta miséria.
Quando,
periodicamente, aquelas pessoas erguem-se contra seus torturadores, quase sempre
sem maior efeito, são imediatamente definidos como “terroristas” e, outra vez
com o apoio do ocidente, furiosamente atacados, com violência desproporcional,
pelos israelenses. Hoje, já se assiste ao massacre ao vivo, em tempo real, pela
internet.
Conclusão
Nessas
circunstâncias, não fazem qualquer sentido os argumentos de Skolnik, de que os
judeus estavam “antes” na Palestina e que os árabes chegaram
depois.
Mas
digamos, só para argumentar, que Skolnik esteja certo, que os judeus, também os
que chegaram da Europa e só conheciam a língua e a cultura europeias, fossem,
por alguma razão os “autênticos” palestinos nativos, que estariam de volta à
terra natal depois de uma ausência de (no mínimo) 2.000 anos.
Ainda
que essa ficção contivesse um átomo de verdade, nem por isso os israelenses de
2012 teriam algum direito de tratar como tratam os palestinos. O que, nessa
história fictícia, e mesmo que fosse toda ela verdadeira, daria aos israelenses
de hoje o direito de matar palestinos? O que, nessa história fictícia, e mesmo
que fosse toda ela verdadeira, daria aos israelenses de hoje o direito de
construir muros de apartheid em toda a Cisjordânia
ocupada? O que daria aos israelenses de hoje o direito de reduzir 1,5 milhões de
habitantes de Gaza a um projeto de empobrecimento calculado, para, então,
porem-se os israelenses a provocá-los até que reajam, reação que, então, daria
aos israelenses o “direito” de promover assassinato em massa de palestinos?
Não
acredito em nada na pseudo-história de Skolnik. Nada me interessa ou preocupa
menos, do que saber quem vivia ou quem mandava na Palestina há 3.000 anos. Os
que hoje controlam a Palestina não são, em nada, superiores aos bárbaros. E os
líderes, em todo o ocidente que os apoiam têm, hoje, as mãos manchadas do sangue
dos palestinos.
Onde
se trate de limpeza étnica e genocídio cultural, é incabível, é inadmissível,
falar de autodefesa. E nenhuma das fantasias de Fred Skolnik algum dia bastarão
para justificar os crimes em curso.
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