29/11/2012, Hamid Dabashi, Al-Jazeera
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Hamid Dabashi é
professor da cátedra Hagop Kevorkian
de Estudos Iranianos e Literatura Comparada na Universidade Columbia, NY. Acaba
de lançar seu novo livro – Arab Spring:
The End of Postcolonialism – pela editora Zed.
Bombardeio de Israel sobre as áreas civis de Gaza |
Falando numa conferência de
imprensa depois do anúncio do cessar-fogo na 4ª-feira, 21/11, o ministro da
Defesa Ehud Barak disse que: “Todos os nossos objetivos foram alcançados, acabar
com os foguetes Fajr, plataformas de lançamento e escritórios do Hamás”. Mas em
seguida, ele mesmo se autodesmentiu: “E mesmo agora, nesse momento, tarde da
noite, continuam a cair foguetes em território israelense.
As comunidades do sul de Israel continuarão a ser atacadas nos
próximos dias”. E, no frigir dos ovos, concluindo, Barak “agradeceu ao Exército
de Israel e seus comandantes, e ao governo Obama pela ajuda para financiar o
“Domo de Ferro” [antimísseis]”. [1]
Pelo menos, não se vangloriou de
ter assassinado 161 palestinos, no mínimo; entre os quais 71 civis. [2]
Por
hora, à parte a evidência de que o ministro de Defesa de Israel não consegue
engatar duas frases consecutivas sem se autodesmentir, o que, precisamente, os
israelenses teriam conseguido nessa mais recente rodada de bombardeio assassino
contra Gaza – e por que, para começo de conversa, lançaram esse novo ataque?
O
ministro da Defesa diz que alcançaram “todos os seus objetivos”, a começar por
“destruir os Fajr rockets”; em
seguida, na linha adiante, admite que “os foguetes Fajr continuam a chover sobre
Israel”. Quem produz essas história alucinadas? Quem acredita nessas conversas –
por que se preocupar com isso? De fato, para quem tente entender o ataque
israelense contra Gaza, o que digam os senhores-da-guerra de Israel não faz,
mesmo, diferença alguma.
Assassinaram
o agente que fazia o acordo de paz
“Acho
que Israel cometeu erro estratégico grave e irresponsável ao assassinar o
comandante Jaabari”. Não é avaliação feita por palestino, ou árabe, ou
muçulmano, em artigo publicado por revista esquerdista, islamista ou
anti-Israel. É a avaliação de Gershon Baskin, o negociador israelense que estava
em contato com o Hamás; e essa avaliação foi publicada no New York Times
[3]. Baskin diz
mais:
Gershon Baskin |
Passando
mensagens de um lado para o outro, constatei, pessoalmente, que o comandante
Jaabari não estava interessado apenas em algum cessar-fogo de curto prazo; foi
também o homem encarregado de implementar outras negociações anteriores
negociadas com a
agência de inteligência egípcia. O comandante Jaabari implantou
e fez valer aqueles acordos de cessar-fogo só depois de confirmar que Israel,
sim, concordara em suspender os ataques contra Gaza. Na manhã do dia em que foi
assassinado, o comandante Jaabari recebera minuta de acordo para um cessar-fogo
de longo prazo com Israel – que incluía mecanismos para fiscalizar os movimentos
e ações dos dois lados e assegurar o cumprimento do que fosse acordado. Essa
minuta de acordo fora negociada por mim e pelo vice-ministro de Relações
Exteriores do Hamás, Sr. Hamad, na semana anterior, quando nos encontramos no
Egito.
Assim,
se Israel está de fato interessada em paz e em proteger seus próprios cidadãos,
como Barack Obama e outros sionistas norte-americanos vivem a repetir que
estaria, nesse caso por que assassinar a sangue frio a única pessoa capaz de
construir paz efetiva e, imediatamente depois, lançar ataque massivo contra
alvos civis, ataque que, sem possibilidade de dúvidas, desencadearia resposta de
vingança feroz? Nada disso faz qualquer sentido.
Esse
fato, agora corroborado por um alto funcionário israelense, expõe o contexto
mais amplo no qual se vê que Israel se interessa por qualquer coisa, menos pela
paz, conclusão inescapável e claramente evidente no assalto incansável contra
terras palestinas, roubadas, de fato, dia a dia, todos os dias, sem que algum
governo dos EUA ou a chamada “comunidade internacional” tenham jamais tido força
para impedir a ação criminosa dos colonos israelenses, violentos, assassinos,
verdadeiras gangues organizadas para roubar terras palestinas. Nada mais
distante, portanto, dos planos de Israel que paz nem, sequer, algum arremedo de
paz – o que se viu ainda recentemente na nova rodada de atrocidades contra Gaza.
Cada
vez que há um ataque militar, contra o qual não se vê qualquer reação, é sinal
de que, enquanto Israel bombardeia Gaza, em outros pontos da Palestina há
israelenses roubando terras palestinas. As gangues de colonos vivem dia de ação
intensa, sempre que há essas ‘'operações militares'’ israelenses: enquanto duram
os ataques, o roubo de terras palestinas pode avançar sem qualquer tipo de
obstáculo ou impedimento. Essa ação de roubo ininterrupto de terras – que se faz
à luz da história – é absolutamente oposta a qualquer noção (ou desejo) de paz.
Obama gosta de repetir que os
israelenses tem (teriam) o direito de se defenderem. É o mesmo que dizer que
tem(teriam) pleno direito de roubar cada dia mais terra palestina, aterrorizar
os palestinos e continuar a consolidar o estado de apartheid racista de Israel.
É estado de apartheid tão racista que, enquanto Obama defende Israel, o próprio
aparelho de propaganda e os próprios agentes de propaganda-em-chefe em Israel
zombam, pelas redes sociais, do próprio Obama e fazem piada sobre a cor da pele
do presidente dos EUA! [4]
Será
que a África do Sul também tem (teria) direito de defender o seu próprio estado
racista de apartheid? Ou o sul racista dos EUA tem (teria) direito de defender o
seu próprio estado de apartheid escravista? E a Índia tem (teria) também direito
de pregar o fundamentalismo hindu?
Grande
parte das pessoas que hoje vivem em Gaza provêm, de fato, de áreas que os
sionistas hoje chamam de “Israel”. Tiveram suas terras roubadas e foram
empurrados para um grande campo de concentração, no qual, hoje, são bombardeados
pelos jatos de Israel. Israel controla todas as entradas e saídas e todas as
fronteiras desse campo de concentração e decide, até, a quantidade de calorias
que os homens, mulheres e crianças palestinos podem comer.
A
militarização radical
Segundo relatórios recentes
[5], “cerca de 10% das crianças
palestinas em Gaza, com menos de cinco anos de idade, já tiveram o crescimento
comprometido pela desnutrição. Relatório recente de Save the Children e Medical Aid for Palestinians constatou que, além da
desnutrição, a anemia alastra-se na população, afetando 2/3 dos bebês, 58,6% das
crianças em idade escolar e mais de 1/3 das mulheres grávidas”. Será essa a
“tática” dos israelenses para promover a paz?
Por
tudo isso, pode-se dizer que desde o primeiro dia de existência, até hoje,
Israel jamais, nem por um só dia, interessou-se por construir qualquer paz. O
único interesse de Israel sempre foi expulsar e assassinar mais e mais
palestinos, e roubar suas terras – e o presidente Obama, “Mr. Audácia da
Esperança” aí está, hoje, dedicado ainda a promover o projeto sionista
israelense, apesar de soldados israelenses racistas zombarem do presidente e de
milhões de cidadãos norte-americanos por serem negros, nas mais repugnantes
manifestações imagináveis de racismo.
E voltamos sempre à pergunta
inicial: por que, afinal, Israel atacou Gaza... outra vez?! Há um traço bem
evidente de ambição eleitoreira aí operante – como Marwan Bishara escreveu em
Al-Jazeera, [6] imediatamente depois de Israel ter (re)
começado a bombardear Gaza:
Marwan Bishara |
Netanyahu,
como seus predecessores, está usando o assassinato do líder do Hamás, Ahmed
al-Jaabari e a subsequente escalada militar para minar as lideranças políticas
na Palestina (do Hamás e do Fatah) e aumentar suas chances de reeleição,
incendiando as questões de segurança nacional de Israel, pondo-as em evidência
acima das questões de segurança econômica, na mente dos eleitores
israelenses.
Bishara
lembra que: “Há seis anos, escrevi um artigo sob o título Oriente Médio: o
ciclo das retaliações tem de acabar [7] (em inglês) que se aplica hoje, com
pequenas correções de datas, alguns nomes etc. Dado que os fatos não mudam e
repetem-se incansavelmente, repito também a análise”.
A
vantagem de reler o artigo de Bishara é ver com perfeita clareza o ciclo vicioso
de desculpas e mentiras que Israel continua a impingir ao mundo: Israel não tem
nenhuma intenção de fazer ou tentar qualquer tipo de paz. A única intenção de
Israel é assassinar o maior número possível de palestinos para roubar e
confiscar suas terras.
Outra
consequência óbvia desse ciclo de mentiras que sempre se repete é a
militarização radical da Resistência palestina, que vê as crianças palestinas
serem programática, sistematicamente assassinadas por esse inimigo pervertido –
militarização radical a qual, por sua vez, é pretexto perfeito para justificar a
massa de bilhões de dólares em ajuda militar que Obama oferece a Israel,
armamento tão poderoso que, por sua vez, explica que a República Islâmica também
continue a ter imenso poder em Gaza, como ajuda à Resistência.
E
assim está criado o ciclo vicioso e/ou a profecia que se autorrealiza. A
propaganda pró Israel intensifica-se em Washington, DC ; e, em todo o
mundo árabe cresce a fúria antissionista, a começar por Teerã – o que é
exatamente o de que precisam Israel e a República Islâmica para se manterem
relevantes nas questões da Região.
Muitos
lembraram que com certeza haveria meios melhores para testar o novo sistema
antimísseis de Israel, “Domo de Ferro” – sistema de defesa antiaérea considerado
à prova de ataques –, presente que Obama deu a Israel, pensando em instalá-lo
ali para ser usado, adiante, num possível futuro ataque dos EUA contra o Irã.
A
explicação talvez seja essa. Cercado já por pesados muros de apartheid, Obama
agora protegeu toda a empreitada colonial israelense com um “Domo de Ferro” de
vários bilhões de dólares. Ah! E o quanto é simbólico o tal “domo”!
Agora,
Israel está completamente, não só metaforicamente, convertida em máquina
autista, autocentrada, encapsulada dentro de seus próprios muros inexpugnáveis
e, ainda, com uma cúpula de ferro a proteger-lhes a cabeça, como uma nave
militar espacial vinda de planeta estrangeiro e distante, com o objetivo de
matar a maior quantidade de seres humanos, adultos e crianças, e, sempre,
em total
impunidade. Agora , com o tal Domo instalado, talvez Obama
espere que, pelo menos, no caso de algum país da região jogar alguma bomba sobre
Israel, os senhores-da-guerra israelenses tenham alguns minutos para pensar e,
com sorte, talvez decidam não se pôr a bombardear Gaza.
Obama pescando |
Tudo
faz crer que a principal função da operação Gaza é mostrar a superioridade
militar de Israel: conseguiram cercar 1,7 milhão de seres humanos no maior campo
de concentração que o mundo jamais viu, para poder bombardeá-los sem qualquer
“risco” de punição. Enquanto isso, Barack Obama, depois de dar luz verde a
Israel, viajou para pescar em Myanmar.
A
verdadeira ameaça existencial
Esses
e talvez outros fatores estão todos no campo das possibilidades – mas nenhuma
delas dá conta, nem singularmente nem coletivamente, dos motivos pelos quais
Israel sempre, de tempos em tempos, põe-se a assassinar palestinos. Portanto, a
pergunta continua: por quê?
Netanyahu
jamais se teria atrevido a atacar Gaza quando a Primavera Árabe estava
em plena floração.
Nada disso. Naquele momento, dedicou-se a ameaçar invadir o
Irã. Teria sido uma segunda linha de ataque de seu governo. – Mas não deu certo;
Adelson e Murdoch não conseguiram comprar-lhe um presidente Republicano o qual,
aí sim, teria presenteado Netanyahu com sua sonhada guerra ao Irã. E lá está
Obama, outra vez, no Salão Oval. Então... Netanyahu atacou Gaza, como sempre,
para mostrar que ele manda, que é o chefão, que imensa superioridade militar é a
dele! Eis aí, afinal, porque as coisas sempre se repetem e Israel sempre volta e
volta a atacar Gaza.
Mas,
por baixo de todos esses fatores, há sempre o medo instintivo de Netanyahu, que
treme de medo das revoluções árabes – dos levantes democráticos de ponta a ponta
no mundo árabe.
Mahmoud Ahmadinejad |
Porque
esses levantes e essa democracia, sim, são A ameaça existencial que pesa
contra Israel. Fantasiar que Mahmoud Ahmadinejad ou, mesmo, a República Islâmica
seriam ameaça existencial contra Israel é piada perversa, doentia, que a máquina
de propaganda israelense transformou em bicho-papão assustador, horrendo,
apavorante.
As
revoluções árabes, mesmo no estágio nascente, turbulento em que estão (ou
principalmente nesse estágio) são, sim, ameaça existencial contra as colônias de
apartheid exclusivas para judeus [orig. are the existential threat to the
Jewish apartheid settler colony]. Para piorar, nem o partido Likud, nem os
sionistas liberais parecem ter qualquer ideia sobre o que fazer ou propor para
redesenhar o destino de mais de 6 milhões de judeus colhidos na armadilha do
sionismo, essa ideologia falida, que tenta sobreviver cercada por trás de seus
muros-armadilhas de apartheid e, agora, também coberta por um Domo-armadilha de
Ferro.
Fazer
chover bombas assassinas sobre palestinos inocentes em Gaza foi mais uma
tentativa desesperada para fazer o relógio andar para trás, fazê-lo voltar a
dezembro 2008/janeiro 2009, apenas um ano antes de as revoluções árabes
eclodirem. Foi ato de nostalgia assassina pervertida, de sionistas alucinados,
que se veem atropelados pela história.
É
possível que Netanyahu também estivesse testando Mursi? Mas, nesse caso, não
teria sido o único: egípcios e árabes em geral também estão testando Mursi
(...).
Mas,
de fato, o medo de Netanyahu e a causa de ter perdido o rumo e o prumo, não é
Mursi. O que transtorna Netanyahu é, isso sim, a erupção vulcânica que, para
começar, levou Mursi ao poder, em eleições livres. A
Israel que Netanyahu governa, além da Arábia Saudita e outras
petroditaduras retrógradas do Golfo Persa, e além dos EUA, por um lado, e, por
outro, também o clericato que governa o Irã e a ditadura síria, todos esses
temem um único e inegável fato: as revoluções árabes, que – mais dia menos dia,
imediatamente ou dentro de algum tempo – porão abaixo todos esses regimes de
opressão.
Nas excelentes palavras de of
Haidar Eid [8], professor da Al-Aqsa University, em
Gaza:
Haidar Eid |
Agora é a
hora da verdade, hora de mandar mensagem bem clara ao novo mundo árabe: a era
Mubarak e Abu el-Gheit é passado. O poder de “contenção” que dependia do massivo
desequilíbrio de poder entre Israel e os palestinos, já não está nas mãos de
Israel e dos seus aliados ocidentais. Esse poder hoje está com os homens e
mulheres comuns nas ruas de Túnis, Cairo, Rabat, Doha, Amã e Muscat. As
manifestações, que irromperam em Londres, New York , Glasgow
e outras cidades, todas elas, se traduzirão em nova realidade, concreta. Nesses
novos tempos, palestinos e árabes, os
egípcios em particular, devem ser parceiros da paz, não mediadores em
negociações que os povos não controlam.
Notas de
rodapé
[1] 21/11/2012, Jerusalem Post, em: “Barak: We achieved
all our goals against Hamas”
[2] 21/11/2012, Associated
Press, Josef Federman,em: “Cease-fire
begins between Israel and Hamas”
[3] 16/11/2012, New York
Times, Gershon Baskin em: “Israel’s
Shortsighted Assassination”
[4] 26/11/2012, New York Times, Robert Mackey em: “Israeli
Military’s Twitter Warrior Forced to Retreat After ‘Obama Style’ Blackface
Joke”
[5] 17/11/2012, Informed Comment, Juan Cole: “Top Ten Myths about Israeli Attack
on Gaza”
[6] 18/11/2012, redecastorphoto, Marwan Bishara, em: “Oriente
Médio redux: O Hamás é consequência, não causa, da violência da
ocupação” (português)
[7] 30/6/2006, New York
Times, Marwan Bishara em: “Mideast:
End the cycle of retaliation - Editorials & Commentary - International
Herald Tribune” (em inglês).
[8] 19/11/2012, Al Jazeera, Haidar Eid, em: “Gaza
2012!”
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