16/11/2012, John Mearsheimer
blog, London Review of
Books,
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
John Mearsheimer |
Em
resposta a não se sabe o quê, na luta de eterna retaliação entre Israel e os
palestinos em Gaza, Israel decidiu escalar, e
avançou, na violência, a ponto de assassinar um comandante militar do Hamás,
Ahmad Jaabari. O Hamás, o qual, de fato tem desempenhado papel menor na atual
troca de golpes, e até parece interessado em negociar uma trégua de longo prazo,
respondeu, como seria de esperar que respondesse, com centenas de foguetes
contra Israel, alguns dos quais caíram já próximos de Telavive. Não
surpreendentemente, os israelenses ameaçaram com conflito ainda maior, que
incluiria uma possível invasão por terra, em Gaza, para derrubar o Hamás e
eliminar o perigo dos foguetes.
É
possível que a Operação “Pilar de Defesa”, como os israelenses chamaram a atual
campanha, converta-se em guerra de larga escala. Mas mesmo que aconteça, não
porá fim aos problemas de Israel em Gaza. Afinal de contas, Israel já fez guerra
devastadora contra o Hamás no inverno de 2008-9 – Operação Chumbo Derretido – e
o Hamás ainda está no poder e ainda dispara foguetes contra Israel.
No
verão de 2006, Israel também fez guerra contra o Hezbollah para eliminar o
arsenal de mísseis da resistência libanesa e enfraquecer a posição do grupo na
política do Líbano. Outro fracasso israelense: o Hezbollah tem hoje número
várias vezes superior de mísseis em relação aos que tinha em 2006, e é
consideravelmente mais influente do que antes, na política do Líbano. O mais
provável é que a “Operação Pilar da Defesa” também fracasse.
Israel
pode usar de força contra o Hamás, de três modos diferentes.
Hassan Nasrallah |
Primeiro,
pode tentar minar a organização, assassinando os líderes, como acaba de fazer,
ao matar Jaabari, há dois dias. Mas a decapitação não funciona, porque sobram
substitutos para os líderes mortos, e não raras vezes os substitutos são mais
competentes e mais perigosos para Israel, que os anteriores. Isso, precisamente,
Israel já deveria ter aprendido no Líbano, em 1992, quando assassinou o então
principal homem do Hezbollah, Abbas Musawi, só para descobrir que o substituto
dele, Hassan Nasrallah, era adversário muito mais formidável.
Segundo,
os israelenses podem invadir Gaza e tomar a área. Talvez o exército de Israel
possa fazer isso, até sem dificuldade, derrubar o Hamás e, teoricamente, acabar
com os foguetes lançados de Gaza. Mas, nesse caso, teriam de ocupar Gaza por
longo período, durante anos, porque, se não permanecerem como força ocupante em
terra, o Hamás voltará ao poder; e os foguetes recomeçarão e Israel terá sido
devolvida ao ponto em que estava antes.
Qualquer
tentativa de ocupar Gaza disparará resistência furiosa e sangrenta – o que os
israelenses aprenderam no sul do Líbano, entre 1982 e 2000. Depois de 18 anos de
ocupação tiveram de declarar-se derrotados e retirar-se da área ocupada. Por
isso, precisamente, o exército de Israel nem tentou invadir ou conquistar o sul
do Líbano em 2006, nem Gaza em 2008-9. Nada mudou desde então, que torne a
invasão de Gaza alternativa viável, hoje. Ocupar Gaza, além do mais, porá mais
1,5 milhão de palestinos sob o controle formal de Israel, o que, em vez de
reduzir, fará crescer muito a chamada “ameaça demográfica”. Ariel Sharon ordenou
a retirada de colonos israelenses de Gaza, em 2005, exclusivamente para reduzir
o número de palestinos que viviam sob bandeira israelense; voltar para lá hoje
será derrota, não vitória, no campo estratégico.
Terceiro,
a opção preferencial, o bombardeio aéreo, com artilharia, mísseis, morteiros e
foguetes. O problema, nesse caso, é que essa estratégia não funciona exatamente
como prega a propaganda. Israel fez exatamente isso contra o Hezbollah em 2006 e
contra o Hamás em 2008-9, e o que se vê hoje é que os dois grupos continuam no
poder e continuam armados, mais armados hoje, do que antes. É absolutamente
impossível acreditar que haja analistas de defesa sérios, em Israel, que ainda
creiam que mais uma campanha de bombardeio contra Gaza conseguirá derrubar o
Hamás ou pôr fim, definitivamente, aos ataques de foguetes.
Assim
sendo, o que, afinal, acontece em Gaza?
No plano mais elementar, as ações
de Israel em Gaza continuam absolutamente ligadas aos esforços do projeto
sionista para criar uma Israel Expandida, a Grande Israel, que se estenderia do
rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Apesar das infinitas conversas sobre a Solução
de Dois Estados, os palestinos não terão estado próprio, não fosse por outras
razões, sempre seria porque o governo Netanyahu faz oposição obsessiva à ideia.
O primeiro-ministro e seus aliados políticos estão profundamente comprometidos
com a ideia de converter os Territórios Ocupados em parte permanente de Israel.
Para que esse projeto “prospere”, os palestinos na Cisjordânia e em Gaza terão
de ser forçados a viver em enclaves de miséria, similares aos bantustões que
havia na África do Sul governada pelos brancos racistas do apartheid. Os judeus
israelenses começam a entender perfeitamente esse processo: pesquisa recente
[1] mostrou que 58% deles entendem que
Israel já pratica política de apartheid contra os palestinos.
Mas
criar uma Grande Israel gerará problemas ainda maiores. Além de provocar dano
gigantesco à imagem e à reputação de Israel em todo o mundo, nem toda a ambição
israelense por sua Grande Israel quebrará a resistência palestina. Eles
continuarão a lutar, então, já não contra apenas a ocupação, mas contra, também,
a monstruosidade de viverem sob estado de apartheid. E continuarão a resistir
contra todos os esforços de Israel, enquanto não conquistarem o direito à
autodeterminação.
Mahmoud Abbas |
O
que se vê hoje em Gaza é uma das dimensões da resistência palestina. Outra é o
plano de Mahmoud Abbas de requerer, dia 29 de novembro próximo, à Assembleia
Geral da ONU, o reconhecimento da Palestina, mesmo que como estado não membro,
mas, já, como estado. Isso, hoje, é o que mais preocupa o governo de Israel,
porque é o caminho para que os palestinos possam, a seguir, acusar Israel por
crimes de guerra e crimes contra a humanidade ante a Corte Internacional de
Justiça.
O
beco é absolutamente sem saída, para Israel: o sonho de uma Grande Israel força
Telavive a manter à distância, os palestinos.
Os líderes israelenses têm uma
estratégia “de pinça” para enfrentar o problema palestino. Num dos braços da
“pinça”, dependem dos EUA como cobertura diplomática, sobretudo na ONU. E têm de
manter Washington escravizada ao lobby israelense, [2]pressionando os políticos
norte-americanos para que se alinhem a Israel contra os palestinos e nada façam
para impedir a colonização dos Territórios Ocupados.
Ze’ev Jabotinsky |
O
segundo braço da “pinça” é o conceito sionista de Ze’ev Jabotinsky, da “Muralha
de Ferro”: essa abordagem, na essência, manda bater nos palestinos até
reduzi-los à total submissão. Jabotinsky compreendeu que os palestinos
resistiriam aos esforços sionistas para colonizar a terra palestina e subjugar
os habitantes. Por isso disse que os sionistas e, eventualmente, Israel, teriam
de castigar os palestinos tão furiosamente, tão loucamente, a ponto de os
próprios palestinos reconhecerem que seria inútil continuar a resistir.
Essa
é a estratégia que Israel sempre usou, desde a fundação, em 1948. A Operação Chumbo
Derretido, tanto quanto a Operação Pilar de Defesa são manifestações dessa
ideologia sionista. Em outras palavras: com o bombardeio contra Gaza, Israel não
visa a derrubar o Hamás, nem a pôr fim aos foguetes – esses dois objetivos são
absolutamente inalcançáveis. Em vez disso, os atuais ataques contra Gaza são
mais um capítulo da sempre mesma velha estratégia sionista para coagir os
palestinos a se renderem, a desistir completamente de qualquer aspiração à
autodeterminação e a submeterem-se ao jugo israelense, num estado de apartheid.
É
bem evidente que Israel continua abraçada à ideologia sionista do Muro de Ferro.
Vê-se nas declarações dos governantes israelenses, repetidas vezes, desde o fim
da Operação Chumbo Derretido em janeiro de 2009: sempre dizem que o Exército de
Israel voltará a Gaza e, mais uma vez, massacrará palestinos. Os israelenses
sabem que os ataques de 2008-9 não enfraqueceram o Hamás. Ao final de cada
ataque-massacre, Israel imediatamente começa a planejar o massacre seguinte.
Quando
ao contexto-oportunidade do massacre em curso, é fácil de explicar. Para
começar, Obama acaba de ser reeleito, apesar do muito que Netanyahu trabalhou,
sem se esconder, para levar Mitt Romney à presidência. O erro de avaliação do
primeiro-ministro, muito provavelmente, comprometeu gravemente suas relações
pessoais com Obama e pode ter comprometido, também, o “relacionamento especial”
entre os EUA e Israel. Nesse quadro, uma guerra em Gaza é excelente vacina,
porque Obama, que enfrenta desafios internos gigantescos, econômicos e
políticos, que crescerão sobre ele nos próximos meses, absolutamente não tem
escolha senão apoiar Israel e culpar os palestinos.
Mitchell Plitnick |
Seja
como for, a Operação Pilar da Defesa não alcançará o objetivo de fazer os
palestinos desistir da luta por autodeterminação, nem os convencerá a viver
ajoelhados sob o tacão dos israelenses. O objetivo de Israel é delirante,
inalcançável; os palestinos jamais aceitarão ser confinados em meia dúzia de
enclaves, em estado de apartheid. O que, desgraçadamente, implica dizer que
Pilar da Defesa não será a última vez que Israel massacra os habitantes de Gaza.
Ehud Olmert |
Em novembro de 2007, Ehud Olmert
disse [4], ainda como primeiro-ministro,
que “se a Solução dos Dois Estados fracassar”, Israel enfrentará “luta ao estilo
da que se viu na África do Sul” e, quando isso acontecer, “será o fim do estado
de Israel”.
Diante
disso, seria de supor que os líderes israelenses se pusessem imediatamente a
trabalhar para que os palestinos tivessem estado seu e estado viável. Mas, não!
Não se vê nem sinal disso. O que prossegue, sempre, sempre, é a loucura
israelense de supor que massacres como a Operação Pilar da Defesa conseguirão
dobrar os palestinos.
Notas de
rodapé
[1] 23/10/2012, Haaretz, Gideon Levy em: “Survey:
Most Israeli Jews wouldn't give Palestinians vote if West Bank was
annexed”
[2] 23/3/2006, London Review of
Books, vol. 28, n. 6, pp. 3-12, John Mearsheimer e Stephen Walt em: “The Israel
Lobby”
[3] 15/11/2012, Foreign Policy lobelog, Mitchell
Plitnick em: “Continued
US Support For Israeli Bombing Of Gaza Bodes Ill For Obama’s Second
Term”
[4] 27/11/2007, Haaretz, Gideon Levy em: “Olmert
to Haaretz: Two-state solution, or Israel is done
for”
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