9/6/2014, [*] Ismael Hossein-zadeh,
Speaking Freely, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
É a essência do imperialismo metido a
golpista-espertalhão característico do governo Obama, versus o
imperialismo de delinquente juvenil do governo Bush (filho).
Guerra é negócio |
Muitos dos
especialistas em desenvolvimentos históricos tendem a considerar outra guerra
mundial como deslocamento em grande escala de meios militares, para forçar a
derrota, a destruição ou a subjugação de oponentes desafiantes. Embora não se
deva descartar a possibilidade desse cenário terrível, já há motivos para
começar a trabalhar com a possibilidade de que a muito discutida IIIª Guerra
Mundial será guerra diferente: mais guerra entre classes, que entre exércitos.
Vista sob
essa luz, a IIIª Guerra Mundial já está aí; e, de fato, já está sendo guerreada
há anos: de um lado, a guerra neoliberal, unilateral, transfronteiras, da
economia da austeridade, cujos ‘guerreiros’ são a classe transnacional da
oligarquia financeira, contra a vastíssima maioria dos cidadãos do mundo – os
99% globais.
A
globalização do capital e interdependência dos mercados mundiais alcançaram um
ponto no qual confrontos militares de larga escala, como se viram na Iª e na IIª
Guerra Mundial podem levar à catástrofe financeira de todos. Não
surpreendentemente, a rede das elites financeiras transnacionais, que com
frequência elegem políticos e controlam o governo por trás das cortinas, não
manifestam qualquer interesse por outra querra de liquidação internacional, que
poderia paralisar os mercados financeiros mundiais.
Isso explica
por que as agressões imperialistas recentes têm tão frequentemente assumido a
forma de intervenções de “soft-power” [“poder suave”]: revoluções ‘batizadas’
com líricos nomes de cores, golpes de estado ditos “democráticos”, guerras
civis pré-fabricadas, sanções econômicas e ações assemelhadas. Claro que a
opção militar sempre aparece como pano de fundo, a ser ‘acionada’ quando/se as
estratégias do tal “poder suave” da tal “mudança de regime” fracassam ou se comprovam
insuficientes.
Mas mesmo
nesse caso, todos os esforços se empreendem (pelas grandes potências
capitalistas) para que tais intervenções militares sejam “controladas” ou
“gerenciáveis”, vale dizer, limitadas ao nível ou local ou nacional. Essas
guerras “controladas” tendem a salvaguardar as fortunas dos que lucram com
guerras e dos beneficiários dos gastos militares (principalmente os grandes
bancos e o complexo militar-industrial); elas não levam à paralisia dos
mercados financeiros internacionais.
O mesmo
processo também explica por que grandes potências mundiais como China, Rússia,
Índia e Brasil tendam a se afastar e a não apoiar mais robustamente as
políticas de abuso e provocação [orig. bullying] promovidas pelos EUA.
Os círculos oligárquicos ricos nesses países têm mais a ver com as elites nos
EUA e em outros países capitalistas centrais, que com o resto da população
local em seus países.
Independente
de se residam em New York ou Hong Kong, Moscou ou Mumbai, os
super-ricos, hoje e cada vez mais constituem uma nação, eles próprios – diz
Chrystia Freeland, editora-global da Reuters, que viaja com as elites para
vários lugares do mundo.
Independente de se residam em New York ou Hong Kong, Moscou ou Mumbai, Brasil, os super-ricos, hoje e cada vez mais constituem uma nação, eles próprios |
É portanto
lógico acreditar que, sim, há uma aliança de fato entre membros dessa “nação” global
dos super-ricos, a qual ajuda a facilitar a operação dos esquemas imperialistas
da mudança de regime. Por exemplo, quando/se a Rússia é ameaçada pelos EUA e
seus aliados, os oligarcas russos tendem a colaborar clandestinamente com os
oligarcas seus “companheiros” de classe, no ocidente; assim, esses oligarcas,
juntos, minam a resistência da Rússia contra a interferência das potências
ocidentais.
Rápido exame
dos esquemas para mudar regimes em países como Iraque e Líbia por um lado; e
Ucrânia e Irã, pelo outro lado, pode ajudar a compreender quanto ou onde as
potências imperialistas recorrem à ação militar direta para fazer a tal
“mudança de regime” (como no Iraque e na Líbia), e quando ou onde elas recorrem
a táticas de “soft-power” para obter o mesmo resultado – como na Ucrânia
e no Irã. Duas principais razões ou considerações podem ser identificadas aí,
quer dizer, em relação à escolha, pelos imperialistas, de meios ou táticas para
mudar regimes.
A primeira
dessas razões está relacionada ao nível de diferenciação de classes dentro dos
países tomados como alvo para mudança de regime. Dada a extensa (e muitas vezes
escandalosa) privatização de propriedade pública tanto na Ucrânia como no Irã,
emergiram nesses dois países círculos de oligarcas financeiros muito, muito ricos.
Esses
magnatas do dinheiro orientado pelo ocidente tendem a colaborar com as forças
intervencionistas imperialistas que visam à mudança de regime aliadas a
imperialistas internas. Assim se explica (pelo menos em parte) por que esquemas
de mudança de regime nesses países sempre começam com táticas de “soft-power” e revoluções coloridas, em
vez de intervenção militar direta.
Líbia por Latuff (2011) |
Diferente
disso, no Iraque de Saddam Hussein e na Líbia de Muammar Gaddafi não havia
essas classes ricas influentes e internacionalmente conectadas com as classes
ricas do mundo. Por menos que Saddam ou Gaddafi fossem parâmetros de virtude e
campeões de democracia, operaram como o que algumas vezes se chama “ditadores
ilustrados”: implementaram vastos programas de bem-estar social, mantiveram
economias fortes no setor público; resistiram contra a privatização de serviços
públicos como saúde e educação, e mantiveram como propriedade estatal e sob o
controle do estado as chamadas grandes indústrias, ou indústrias
“estratégicas”, como a indústria da energia e o sistema bancário/financeiro.
Combinadas,
essas políticas impediram o crescimento de elites financeiras poderosas, como
as que emergiram e desenvolveram-se no Irã ou na Ucrânia. Significa, dentre
outras coisas, que táticas de “mudança de regime”, que dependem fortemente de
elites nativas ou locais, a chamada burguesia comprador, não têm boa
chance de serem bem-sucedidas nesses países. Daí o uso do “hard-power”, vale dizer, da intervenção/ ocupação militar direta
dos países, no Iraque e na Líbia.
A segunda
consideração imperialista na escolha entre táticas “soft” e “hard” no
processo de “mudança de regime” está relacionada a se a guerra a ser provocada
para “mudar o regime” pode ser controlada e gerenciada no nível local ou
nacional; ou se a guerra pode escapar ao controle local e tornar-se guerra
regional e/ou global.
No caso da
Ucrânia, por exemplo, uma agressão militar direta com certeza envolveria a
Rússia, e muito provavelmente se tornaria global, com consequências econômico/ financeiras
desastrosas que as potências imperialistas não conseguiriam controlar. Daí a
escolha de golpe de estado de tipo “soft”,
dito “democrático”, na Ucrânia.
Problema
semelhante – o temor de que se origine ali uma guerra total, que escape ao
controle –, bloqueia sempre a possibilidade de ataque militar contra o Irã; e
explica também por que o golpe de mudança de regime naquele país tem-se focado
(pelo menos até agora) em sanções econômicas e outras táticas de “soft-power”
– inclusive a tentativa de “revolução verde”, de 2009.
Por outro
lado, o “poder duro”, a força militar mais brutal, foi usada para o golpe de “mudança
de regime” no Iraque e na Líbia, por causa da certeza praticamente total de que
guerras que se originassem do golpe para mudança de regime naqueles países
poderiam ser controladas com sucesso satisfatório, vale dizer: seria possível
impedir que se convertessem em guerras regionais ou globais.
O caso da
Ucrânia
A recente
crise na Ucrânia, que continua, serve como exemplo claro de o quanto as elites
financeiras transnacionais tendem a evitar guerras internacionais cataclísmicas
da escala da Iª ou da IIª Guerras Mundiais, em favor de guerras controláveis e
quase sempre entre classes, mediante sanções econômicas e outras táticas de
“soft-power”.
Imediatamente
depois do putsch de 22 de fevereiro em Kiev, que derrubou o presidente legalmente
eleito Viktor Yanukovich e pôs no poder um governo de golpistas neofascistas apoiados
pelos EUA, as tensões entre a Rússia e as potências ocidentais subiram tanto,
que houve quem falasse de uma “iminente IIIª Guerra Mundial”.
Embora
aquelas tensões persistam e ainda haja risco de grande confronto militar entre
aqueles dois lados, tudo isso diminuiu muito depois do início de maio, depois
que o presidente Putin da Rússia anunciou, dia 7 de maio/2014, que a Rússia
respeitaria o resultado da eleição presidencial na Ucrânia e trabalharia com
qualquer dos candidatos que fosse eleito (e Petro Proshenko foi eleito).
Apesar de que
os autonomistas pró federalização do sul e leste da Ucrânia continuem sob
ataque violentíssimo, prosseguem manobras diplomáticas, e é bem evidente que
representantes das elites financeiras de EUA, Europa, Ucrânia e Rússia
conseguiram impedir um confronto militar entre EUA e Rússia.
Assim sendo,
o que mudou, das primeiras ameaças de sanções paralisantes e/ou ataque militar
contra a Rússia, para o que temos hoje, com tensões diminuídas e busca de
“soluções diplomáticas”?
A resposta,
em resumo apertado, é que os poderosos interesses econômicos investidos na
finança, no comércio e nos investimentos internacionais (vale dizer: os
interesses da elites financeiras na Rússia, na Ucrânia e nos países
capitalistas centrais) simplesmente não podem correr o risco de uma guerra
mundial incontrolável. Sim, é verdade que grandes bancos e influentes complexos
militar-industrial-de-segurança tendem a florescer onde haja guerra perpétua e
tensões internacionais. Mas eles também tendem a preferir guerras
“gerenciáveis” “controláveis” em nível local ou nacional (como as guerras que
fizeram contra o Iraque ou a Líbia, por exemplo), a guerras cataclísmicas em
grande escala, em níveis regional ou global.
Não é segredo
que a economia da Rússia vai-se tornando cada dia mais mesclada às economias
ocidentais (em larga medida por causa do poder e do modo de atuar dos oligarcas
russos), e que também se tornou sempre mais vulnerável a flutuações do mercado
global e a ameaças de sanções econômicas. Isso explica, em boa medida, os
gestos conciliatórios e as políticas de acomodação do presidente Putin, para
diluir diplomaticamente as hostilidades em torno da crise na Ucrânia.
Menos
discutido, contudo, é o fato de que as economias ocidentais também são
vulneráveis às sanções que a Rússia venha a impor, caso decida retaliar.
Verdade é que a Rússia controla algumas armas econômicas muito poderosas, com
as quais poderá retaliar, se decidir fazê-lo. Os ferimentos econômicos
produzidos por sanções recíprocas podem ser muito, muito dolorosos para vários
países europeus. Dada a interconexão da maioria das economias e mercados
financeiros, sanções recíprocas podem exacerbar muito gravemente a já
fragilizada Europa e, daí, também a economia mundial. (...)
Os números podem ser vistos em [1]
Alexei Miller |
A Rússia
também pode retaliar contra políticas das potências ocidentais e suas ameaças
de congelar ativos de indivíduos e empresas, congelando, também os russos,
patrimônio de empresas e investidores ocidentais:
No caso de sanções econômicas ocidentais,
deputados russos já anunciaram que aprovarão autorização para congelar ativos
de empresas europeias e norte-americanas que operam na Rússia. Por sua vez,
mais de 100 empresários e políticos russos podem ter bens congelados na União
Europeia.
Além de Alexey Miller, presidente da Gazprom,
também o presidente da Rosneft, Igor Sechin, parece estar na lista dos “sancionados”.
Rosneft é a maior empresa privada de petróleo do mundo e, nessa condição, tem
acionistas e sócios espalhados por todo o planeta, inclusive no ocidente. Por
exemplo, a Exxon-Mobil, empresa que tem sede nos EUA, é parceira da Rosneft num
projeto conjunto de exploração de petróleo, de US$ 500 milhões, na Sibéria; e a
Exxon-Mobil também é sócia da gigante do petróleo russo na exploração das
reservas de petróleo do Mar Negro. [2]
Igor Sechin |
A Rússia tem
à sua disposição armas econômicas suficientes para infligir considerável dano
às economias dos EUA e de países europeus. Por exemplo, em reação a ameaças de
ter bens congelados por EUA e aliados europeus, a Rússia liquidou (no final de
fevereiro e início de março de 2014) mais de $100 bilhões em papeis do Tesouro
dos EUA.
A escalada
dessas ameaças temerárias de congelar bens de governos “não amistosos” pode vir
a envolver também a China, com consequências desastrosas para o dólar
norte-americano, uma vez que “a China possui estimados $1,3 trilhão em bônus do
Tesouro dos EUA, e é o investidor número 1, dentre governos estrangeiros”. [3]
Esse alto
grau de interconexão econômica/financeira explica por que – com o apoio de
Washington e acenos favoráveis de Moscou – diplomatas de Berlim e Bruxelas
acorreram a Kiev, construíram uma chamada “Mesa Redonda de Discussões” e
abriram caminho para a eleição-presidencial farsesca realizada dia 25/5/2014, o
que deu legitimidade ao golpe de Estado e permitiu evitar uma possível escalada
destrutiva de sanções econômicas e/ou ações militares.
Comparação
com Iraque e Líbia
A “mudança de
regime” na Líbia (2011) e no Iraque (2003) mediante intervenções de “poder
violento” (em oposição aos esquemas de “poder-suave” para mudança de regime)
tende a dar suporte ao argumento base que se desenvolve nesse ensaio, segundo o
qual, na busca da mudança de regime, as potências imperialistas recorrem a ação
militar nos casos em que (a) o
envolvimento militar possa ser controlado e restrito exclusivamente ao
país-alvo; e (b) não se veem aliados
locais significativos ou poderosos no país-alvo, vale dizer, forças locais de
oligarcas ricos com laços nos mercados globais e, assim, com laços que as unam
a forças externas às que promovem a mudança de regime.
Embora ambos,
Gaddafi e Saddam governassem seus países com mão-de-ferro, ambos mantiveram
economias de setor-público forte e indústrias e serviços amplamente
nacionalizados. É verdade, especialmente no caso de indústrias estratégicas,
como energia, bancos, transportes e comunicações, e em serviços vitais como
saúde e educação.
Fizeram o que
fizeram, menos por convicções socialistas (embora ocasionalmente se
apresentassem como líderes do “socialismo árabe”), mas porque, em suas lutas
contra regimes rivais anteriores de aristocracias tribais ou de proprietários
de terras, ambos aprenderam que controlar as economias nacionais mediante
administração burocrática de estado, com estado de bem-estar eficaz,
contribuíam muito mais para a causa da estabilidade e da continuidade de seus
respectivos governos; muito mais, com certeza, do que deixar que as forças do
mercado reinassem sem freio, com emergência de industriais e financistas no
setor privado, sempre muito poderosos.
Saddam e Gaddafi assassinados |
Fosse qual
fosse o motivo, fato é que nem Saddam nem Gaddafi conseguiram impedir que
crescessem poderosas elites financeiras, com laços significativos com mercados
globais ou potências ocidentais. Não surpreendentemente, as figuras da oposição
e forças que colaboraram para os esquemas imperialistas de mudança de regime
naqueles dois países foram, em larga medida, remanescentes dos dias da realeza
e das tribos, ou intelectuais menores expatriados e perseguidores militares
incansáveis de Saddam e Gaddafi, forçados a viver no exílio.
Diferentes
das elites financeiras na Ucrânia, por exemplo, as forças da oposição no Iraque
e na Líbia não tinham fossem meios financeiros para financiar a guerra de
mudança de regime, nem base de apoio social suficiente em seus países nativos.
Tampouco tinham laços financeiros e políticos fortes ou, pelo menos,
confiáveis, com mercados e os establishments políticos ocidentais.
Isso explica
por que as sanções econômicas e outras táticas de “soft-power” (como
mobilizar, treinar, financiar e armar forças de oposição interna) se
comprovaram insuficientes para derrubar (“mudar”) os regimes de Saddam e
Gaddafi; explica também por que o imperialismo dos EUA e suas elites tiveram de
usar “poder-violento” de ação/ocupação militar no Iraque e na Líbia, para
alcançar aquele seu objetivo nefando. Além do mais, como já disse, as potências
intervencionistas imperiais tinham certeza de que (ao contrário, por exemplo,
dos casos da Ucrânia ou Irã) aquelas invasões militares poderiam ser controladas,
e seria possível impedir que extravasassem para fora das fronteiras de Líbia ou
Iraque.
O caso do Irã
A política
dos EUA para derrubar o governo (‘mudar o regime’) do Irã parece mais próxima
do padrão seguido na Ucrânia que do padrão que se viu no Iraque ou na Líbia.
Isso, em larga medida, porque (a)
temem que uma intervenção militar direta no Irã não possa ser “contida” e
controlada de modo a que a guerra fique restrita só ao Irã; e porque (b) o Irã tem uma oligarquia financeira
bem desenvolvida, orientada pelo/para o ocidente, na qual EUA e aliados podem
confiar para fazer reformas e/ou derrubar o governo (‘mudar o regime’) de
dentro para fora.
Claro que não
é política de “ou-ou”: ou força militar ou “soft power”. Trata-se, isso sim, de
confiar mais numa ou noutra política, dependendo de circunstâncias específicas.
Na verdade, a agenda imperialista para derrubar o governo (“mudar o regime”) no
Irã, desde a revolução de 1979 naquele país, sempre incluiu cesta sortida de
táticas (muitas delas às vezes discrepantes entre elas). Vão desde estimular e
apoiar Saddam Hussein para que invadisse o Irã (em 1980), até treinar e pagar
organizações terroristas anti-Irã; repetir constantes ameaças militares e de
guerra; esforços para sabotar a eleição presidencial de 2009, com a chamada “revolução
verde”; a escalada sistemática de sanções econômicas.
Hassan Rouhani e Javad Zarif representam a oligarquia financeira do Irã |
Tendo sempre
falhado (até agora) nos seus amaldiçoados esforços para derrubar o governo do
Irã (“mudar o regime”) de dentro para fora, os EUA parecem, recentemente, ter
mudado de planos. Em vez de derrubar o governo do Irã de fora para dentro,
ultimamente os EUA parecem mais interessados em reformar o governo do Irã de
dentro para fora, vale dizer, mediante colaboração política e econômica com
correntes “ocidentalizantes” dentro dos círculos de poder do Irã.
O que parece
ter tornado essa opção mais atraente para os EUA e aliados é a ascensão de uma
ambiciosa classe capitalista no Irã, cujas prioridades parecem ser a capacidade
para negociar com seus contrapartes ocidentais. São sobretudo ricos oligarcas iranianos,
cujo interesse são sempre negócios e mais negócios; gente para quem questões
como tecnologia nuclear ou soberania nacional são temas de segunda importância.
Tendo
enriquecido metodicamente (não raras vezes também escandalosamente) nas sombras
do setor público da economia iraniana, ou por força de posições que ocupassem
(ou continuam a ocupar) na burocracia governante em vários pontos do aparelho
governamental, essa gente hoje já perdeu o apetite que um dia teve por medidas
necessárias para que o país sobrevivesse à violência das brutais sanções
econômicas. Em vez disso, hoje querem saber de negócios e mais negócios e
investimentos e mais investimentos; portanto, precisam manter contato amplo com
seus aliados de classe transnacionais, em todo o mundo.
Mais que
qualquer outro estrato social, o presidente Hassan Rouhani e seu governo
representam os interesses e aspirações dessa classe capitalista-rentista
iraniana. Representantes dessa classe de oligarquia financeira manobram o poder
econômico e político mediante, principalmente, a super influente Câmara de
Comércio, Indústrias, Minas e Agricultura do Irã [orig. Iran Chamber of
Commerce, Industries, Mines, and Agriculture (ICCIMA)].
As afinidades
ideológicas e/ou filosóficas entre o presidente Rouhani e os corretores “de
poder” que operam dentro da ICCIMA aparecem refletidas no fato de que,
imediatamente depois de eleito, o presidente nomeou para o cargo de seu chefe
de gabinete, o ex-presidente da ICCIMA,
Mohammad Nahavandian – economista neoliberal formado nos EUA e conselheiro
econômico do ex-presidente Hashemi Rafsanjani.
Foi através
da Câmara de Comércio do Irã que, em setembro de 2013, uma delegação de
economistas acompanhou o presidente Rouhani à ONU, em New York, para negociar negócios e investimentos possíveis com
contrapartes norte-americanos. A mesma Câmara de Comércio do Irã também
organizou várias delegações econômicas que acompanharam o ministro de Relações
Exteriores do Irã, Javad Zarif, à Europa, também em busca de negócios e
investimentos.
Muitos
observadores das relações entre EUA e Irã tendem a pensar que o diálogo
diplomático recentemente iniciado entre os dois países, incluindo contatos
regulares no quando das negociações nucleares do Irã, teriam começado com a
eleição de Rouhani à presidência. Mas há evidências de que, por trás das
cortinas, contatos entre representantes das elites financeiras dentro e em
torno dos governos dos EUA e do Irã já vinham acontecendo desde bem antes de
Rouhani ser eleito. Por exemplo, matéria publicada pelo Wall Street Journal
com pesquisa relativamente bem feita e aproveitável, revelou que:
Jay Solomon |
Altos funcionários do Conselho Nacional de
Segurança dos EUA começaram a plantar as sementes dessa troca vários meses
antes – em uma série de encontros e telefonemas secretos e em reuniões com
vários monarcas árabes, exilados iranianos e ex-diplomatas norte-americanos,
que levavam mensagens clandestinamente entre Washington e Teerã, segundo atuais
e ex-funcionários dos governo dos EUA, de países do Oriente Médio e da Europa,
informados sobre o esforço. [4]
A matéria,
mostrando como a “a complexa rede de comunicações ajudou a fazer avançar a
recente aproximação EUA-Irã”, indicava que as reuniões quase sempre secretas
“acontecera na Europa, principalmente na capital da Suécia, Estocolmo”. Usando
canais diplomáticos internacionais, como a Asia
Society, a United Nations Association
e o Council on Foreign Relations, “os
lados norte-americano e iraniano reuniram-se em hotéis e salas de conferência,
procurando fórmulas para diluir a crise sobre o programa nuclear iraniano e
evitar uma guerra”, como se lê adiante, na mesma matéria. E Jay Solomon e Carol
E Lee, autores da matéria, também escreveram:
Carol E Lee |
A Asia Society e o Council on Foreign Relations (Organizações Não Governamentais) hospedaram mesas redondas para os
senhores Rouhani e Zarif, à margem da Assembleia Geral da ONU ano passado, em
setembro. Os dois homens usaram aquelas reuniões para explicar os planos de
Teerã a empresários norte-americanos, ex-funcionários do governo, acadêmicos e
jornalistas.
O próprio Obama falou pessoalmente com Rouhani
no verão passado, pouco depois da eleição de Rouhani. O presidente dos EUA
escreveu ao novo presidente do Irã, falando do desejo de Washington de pôr fim
pacificamente à disputa nuclear. Rouhani respondeu com sentimentos semelhantes.
Zarif, entrementes, fez contato com altos
funcionários da política exterior dos EUA com os quais já trabalhara quando
servira como embaixador do Irã à ONU nos anos 2000s.
[Suzanne] DiMaggio, da Asia Society diz que esteve entre os que contataram
Zarif pouco depois de ele ser nomeado para o governo de Rouhani. Veterana
facilitadora de contatos informais entre funcionários iranianos e
norte-americanos, ela organizara várias reuniões ao longo da década passada com
o diplomata iraniano, educado nos EUA, sobre meios para pôr fim ao impasse
nuclear. [5]
Isso explica
por que o presidente Rouhani (e seu círculo de conselheiros pró-ocidente)
escolheram Zarif como ministro de Relações Exteriores, e por que, talvez pouco
inteligentemente, depositaram todas as suas esperanças de uma recuperação
econômica do Irã na aproximação política e econômica com o ocidente, vale
dizer: no livre comércio e em investimentos ilimitados dos EUA e de outros
grandes países capitalistas.
(Vale
registrar também que isso também explica por que a equipe de negociadores
nucleares do presidente Rouhani, foi, muito contra sua vontade, condenada a uma
posição muito fraca na barganha dentro do grupo dos países P5+1; e também
explica por que os negociadores iranianos cederam tanto, em troca de tão pouco).
Conclusão e
implicações
Apesar de
poderosos beneficiários da guerra e de altos gastos militares – grandes bancos
(como principais emprestadores de dinheiro aos governos) e o complexo
militar-industrial-de-segurança – sempre ansiarem por mais e mais guerras e por
novas tensões internacionais, eles sempre preferem guerras locais, nacionais,
limitadas ou “administráveis”, em vez de grandes guerras em escala regional ou
mundial, cataclismos que podem paralisar completamente os mercados globais.
Essa ideia
ajuda a compreender por que, ao obrar para derrubar os governos (“mudar regimes”)
do Iraque e da Líbia, por exemplo, os EUA e seus aliados partiram imediatamente
para ação/ocupação militar direta; mas, nos casos da Ucrânia e do Irã, os
mesmos EUA e aliados têm evitado (até agora) a intervenção militar direta, e
têm preferido táticas de “soft-power”
e de “revoluções” com nomes de cores.
Revoluções "coloridas" |
Como já
dissemos, essa preferência se explica, em grande parte, porque, por um lado,
teme-se que guerra e intervenção militar na Ucrânia ou no Irã podem não ser
“controláveis”; e, por outro lado, porque há elites financeiras ricas, fortes e
suficientemente pró-ocidente no Irã e na Ucrânia, nas quais EUA e aliados
acreditam poder confiar para promover ou “reformas” ou, não sendo elas
possíveis, para derrubar o governo (“mudar o regime”) lá mesmo, de dentro para
fora, de um modo que não cria o risco de gerar outra guerra catastrófica, que
ameaça destruir as fortunas da classe transnacional dos capitalistas, além de
gerar devastação geral.
Potências
intervencionistas sempre acreditaram muito na velha tática do “dividir para
governar”. Novidade, pelo menos relativa, nesse contexto, é que, além dos
velhos padrões de aplicação dessa tática (que sempre se apoiaram em questões que
geram divisionismo, como nacionalidade, etnia, raça, religião e outras questões
semelhantes), casos recentes do uso da mesma tática começam a apoiar-se em
divisões de classe.
O cálculo
parece ser que, quando/se país como o Irã ou a Ucrânia pode ser dividido por
linhas de classe, e é possível construir alianças entre os oligarcas dos países
atacantes e os oligarcas do país-alvo do ataque (“mudança de regime”)... não é
preciso embarcar em ataque militar amplo, que pode sempre, de um ou de outro
modo, ferir também o atacante e seus aliados, tanto quanto, quando não até
mais, que o regime a ser derrubado (“mudado”).
Quando
sanções econômicas e alianças e colaboração com os oligarcas nativos podem ser
construídas e usadas para levar a cabo “golpes democráticos” ou “revoluções com
nomes de cores” (quase sempre acompanhadas de eleições-farsa), por que arriscar
ataque militar indiscriminado, com consequências incertas e potencialmente
catastróficas?!
Assim se vê
(dentre outras coisas) como as políticas imperiais de agressão evoluíram ao
longo do tempo – desde os estágios inicias de ocupação militar “nua-e-crua” dos
dias coloniais, até as táticas que se veem hoje, sutis, de vários ramos, com
vias invisíveis de intervenção.
Em termos ou
no contexto das recentes aventuras da política exterior dos EUA, pode-se dizer
que, enquanto o velho padrão de agressões imperialistas declaradas e
descaradas, foram preferidas nas políticas externas de acintosas ações militaristas
do presidente George W Bush, o novo padrão encaixa-se bem nas políticas ditas
mais “sofisticadas”, de intervencionismo invisível, do presidente Barack Obama.
Enquanto
setores da elite que governa os EUA defendem ação acintosamente militarista e
criticam Obama como presidente “fraco”, fato é que a política de Obama, de
metodicamente e sem alarde construir coalizões – tanto com aliados tradicionais
dos EUA quanto com as forças oligárquicas ou “comprador” nos países-alvo para
golpes de estado (“mudar o regime”) – vem-se comprovando mais efetiva (em
termos de golpes bem-sucedidos) que a política de Bush-Cheney, de ação militar
unilateral.
Não se trata
aqui, nem de pura teoria, nem de especulação: o secretário de estado John Kerry
disse exatamente isso, recentemente, em termos muito claros, no contexto da
política do governo Obama para Ucrânia e Irã. Perguntado, dia 30/5/2014, por
Gwen Ifill da rádio PBS (Public Broadcasting System),
Gwen Ifill |
Na sua opinião, o presidente jogou mal,
mostrou-se fraco, ao não optar pelas fortes tacadas de longa distância (ing. “home
runs”) e ficar só no jogo curto de disputar base a base?, Kerry respondeu:
Não acho que o presidente, francamente, tem
sido avaliado com justiça pelos muitos sucessos que obteve (...) Quero dizer:
se se olha o que temos na Ucrânia, o presidente liderou um esforço para manter
a Europa unida aos EUA; para pôr sobre a mesa sanções difíceis. A Europa não
estava adorando a ideia, mas nos acompanhou. Isso é liderança! E o presidente
conseguiu obter forte impacto, recentemente, liderando os europeus, quanto às
escolhas que impôs ao presidente Putin.
Além disso, o presidente atraiu e engajou o
Irã. Estávamos em rota de colisão total, com eles construindo armas atômicas e
o mundo em posição de oposição a eles... Mas o presidente impôs várias sanções,
que obrigaram o Irã a sentar para negociar. Agora estamos em plenas
negociações. Todos concordarão que o regime de sanções funciona muito bem. A
bomba – o programa nuclear foi congelado e recolhido. E agora já aumentamos a
quantidade de tempo que o Irã deve obedecer, antes de poder enriquecer
[urânio]. Isso é sucesso!
Quer dizer: acho que estamos engajados, mais
engajados que em qualquer outro momento da história dos EUA. Acho que é o que
está aí, bem provado e comprovado.
E essa é a
essência do imperialismo metido a golpista-espertalhão característico do
governo Obama, versus o imperialismo de delinquente juvenil do governo
Bush (filho).
[*] Ismael
Hossein-zadeh é curdo, nascido no Irã; vive nos EUA
desde 1979. É Professor Emérito de Economia (Drake University). É autor de Beyond Mainstream Explanations of
the Financial Crisis [Além das Explicações Dominantes da Crise Financeira]
(Routledge 2014), The Political Economy of US Militarism [A Economia
Política do Militarismo dos EUA] (Palgrave - Macmillan 2007) e Soviet
Non-capitalist Development: The Case of Nasser's Egypt [O desenvolvimento
não capitalista: o caso do Egito de Nasser] (Praeger Publishers 1989). É autor
de um dos ensaios reunidos em Hopeless: Barack Obama and the Politics of
Illusion [Sem esperanças: Barack Obama e a Política da Ilusão] (AK Press
2012).
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Notas de rodapé
[1] 28-30/3/2014, Gilbert Mercier, Counterpunch em: “Ucrânia’s Crisis: Economic Sanctions Could Trigger a Global Depression”.
[2] Ibid.
[3] Ibid.
[4] 7/11/2013, Jay Solomon e Arol E. Lee, Wall
Street Journal, em: “US-Irã
Thaw Grew From Years Of Behind-the-Scenes Talks”
[5] Ibid.
[5] Ibid.
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