quarta-feira, 25 de junho de 2014

Elijah J. Magnier entrevista um comandante do ISIS, Abu Baqr-al-Janabi

22/6/2014, [*] Elijah J. Magnier (Bagdá) – Blog de Elijah J. M.
Traduzido do inglês pelo pessoal da Vila Vudu

Observação importante: 
Caros amigos, decidimos correr o risco de publicar esta “entrevista” apesar de existirem 4 (quatro) razões contrárias:
(I) a natureza do jornal Alrai, intimamente ligado à família real do Kuwait,
(II) o perfil do autor da entrevista, que parece ser de um típico agente da CIA.
(III) a impossibilidade de se saber quem é “Abu Bakr-al-Janabi” e se realmente existe.
(IV) O tradutor árabe-inglês da Tlaxcala notou grandes diferenças entre o texto árabe e o texto em inglês.


“Essa é uma das principais razões pelas quais declaramos guerra aos xiitas e ao xiismo: porque apoiaram as forças dos EUA contra os iraquianos. Antes de 2003, não havia essa divisão entre sunitas e xiitas no Iraque. Os norte-americanos conseguiram nos dividir. Agora é tarde demais”


Posto fortificado do governo tomado pelo ISIS a 90 km de Bagdá (13/6/2014)
O Estado Islâmico no Iraque e Levante, ISIS ou ISIL, refere-se ao Levante. Os apoiadores do Dawla – do “Estado” – usam mais a sigla ISIS, que se converteu em terminologia mais usada. Mas o objetivo do ISIS não é Iraque e Síria: é o Levante e além do Levante, incluindo Jordânia, Líbano, Palestina, Israel. “Não há limites” – é o que ouço.

Abu Baqr-al-Janabi, um “soldado do Dawla”, conversa sobre o recente desenvolvimento no Iraque. É iraquiano, mas não de Bagdá. Passou grande parte da infância em Bagdá. Combinamos que diríamos apenas que, hoje, ele está em Bagdá.

Eis nossa conversa:

PERGUNTA: O certo é ISIS ou ISIL?

Abu Baqr-al-Janabi: As duas formas estão certas. Nosso alvo inicial é Bilad-al-Sham (Levante). Podem-se usar as duas siglas.

PERGUNTA: O ISIS está conseguindo impor-se entre outros grupos insurgentes iraquianos? Muitas matérias dizem que o ISIS só representa uma pequena parte do levante contra o governo iraquiano. E que o ex-vice-presidente do Iraque, Izzat Duri está liderando o “Exército Naqshabandi” e quem manda é ele. Você confirma?

Abu Baqr-al-Janabi: “Os Naqshabandis podem sem bem esquivos, mas não podem fazer o que bem entenderem no Iraque. Por exemplo: o ISIS absorveu lentamente o IAI. Alguns dias atrás, em Diyala, o IAI (Ansar Al-Islam) uniu-se ao ISIS, o que nos tornou o maior grupo. Izzat Duri não pode fazer nada quanto à expansão do ISIS. Um movimento errado, e a coisa fica feia. Até aqui, nenhum dos que eles reúnem atacou o ISIS ou nos apunhalou pelas costas. Principalmente, é importante ter em mente que Mosul é a cidade natal do Partido Baath do Iraque. Ninguém pode negar que muitos grupos estão envolvidos e lutam ao lado do ISIS, mas é o ISIS que dá as ordens. Por exemplo, é a bandeira do ISIS (do monoteísmo) que está hasteada aqui; também em Baiji, Tikrit e outras cidades. Mas, sim: o ISIS não está lutando sozinho, como o governo tem dito.

PERGUNTA: E como surgiu essa tolerância? Sabe-se bem o que os Baathistas pensam do Islã.

Abu Baqr-al-Janabi: O governo iraquiano tentou suprimir os sunitas, dizendo que essa seria guerra contra o ISIS; e eles pintam todos os sunitas religiosos como se fossem o ISIS, o que não é correto. Há enorme diferença entre um Baath iraquiano e um Baath sírio. De fato, eles discutem entre eles. O Baath sírio é ultra secular, anti-religião; e o Baath iraquiano tende mais para um pan-arabismo com o heroísmo islâmico. Em geral, os iraquianos são mais conservadores que os sírios.

PERGUNTA: Lembro que, em 2006, fui entrevistar o presidente do Partido Comunista em Bagdá, e não o encontrei, porque ele estava cumprindo o preceito religioso da peregrinação a Meca.

Abu Baqr-al-Janabi: Muitos Baathistas estão-se tornando mais pró-ISIS e abandonando as ideias Baathistas. Como já lhe disse antes, os membros do exército Naqshabandi rezam e jejuam como qualquer muçulmano; não são seculares como a imprensa-empresa os apresenta. Até agora, de fato, nunca atacaram o ISIS, e interessa ao ISIS cooperar temporariamente com eles, pelo menos por enquanto.

PERGUNTA: O que você pensa dos EUA dizerem que apoiarão o primeiro-ministro Nouri al Maliki contra o ISIS?

Abu Baqr-al-Janabi: É interessante para o ISIS, porque tudo pode ser visto como guerra contra os sunitas no Iraque. O governo dos EUA sabe que Maliki é sectário até os ossos. O Iraque precisa de mudança de fundo. A partilha de poder é baseada nas seitas e no sectarismo. Até a ex-secretária de Relações Exteriores dos EUA, Condoleezza Rice, falou disso no livro dela (maior honra não há).

Exército Naqshabandi, aliado presumível do ISIS
PERGUNTA: É possível que Naqshabandi aceite acordo, por exemplo, com os EUA?

Abu Baqr-al-Janabi: A resposta é não. Esses grupos não podem fazer acordo algum com os norte-americanos, enquanto o ISIS estiver por aí. Outros grupos partilham as mesmas ideias do ISIS, como IAI. Ansar Al-Islam já partilha muitas das ideias do ISIS. Muitos desses grupos uniram-se ao ISIS depois de 2007.

PERGUNTA: Há quem diga que o ISIS ficará sobrecarregado com dois fronts, Iraque e Síria; que poderia enfraquecer um (a Síria) para manter o outro (Iraque). É ideia que você aprova?

Abu Baqr-al-Janabi: Não. O ISIS na Síria é autossuficiente e não depende do ISIS no Iraque. Os restos da guerra são bônus. Muitos analistas disseram que o ISIS perderia a guerra contra outra facção rebelde em janeiro passado. E veja como a situação se modificou a nosso favor. O ISIS é cheio de surpresas, e até eu me surpreendi com a rapidez da ofensiva em Mosul. Eu sabia que alguma coisa estava preparada em Salahudin e Mosul já há algum tempo, mas não percebi que o ataque surpresa com outros grupos seria tão bem-sucedido, tão rapidamente. A ofensiva começou pelo leste e visou a atrair as forças de segurança. O ataque principal veio de células do ISIS dentro de Mosul, com cooperação de outros grupos que iniciaram o levante.

PERGUNTA: Também há quem diga que a morte de Assad-Allah Bilawi acelerou o processo. É verdade?

Abu Baqr-al-Janabi: Sim, de certo modo. Mas não teve efeito realmente determinante, porque o ISIS já estava dentro de Mosul durante a ofensiva e surpreenderam, numa emboscada, as forças de segurança.

PERGUNTA: Por que Bagdá está demorando tanto a cair em mãos do ISIS?

Abu Baqr-al-Janabi: Bagdá é cidade muito grande. Em Mosul há dois milhões de habitantes; em Bagdá são mais de seis milhões. O norte de Bagdá é fortaleza xiita, como Kazimiyeh, cidade de Al Sadr, Sha’la. Mas o ISIS está no coração da capital, no sul de Bagdá, norte de Babilônia e outros pontos, à espera. Estamos avançando nas províncias de Diyala e Kirkuk. Mas a base militar Taji e o aeroporto de Bagdá estão no nosso caminho. A refinaria Baiji também é um obstáculo, porque não podemos deixar uma posição do governo iraquiano às nossas costas, quando avançarmos para a capital, por todos os lados.

Famílias iraquianas fogem das regiões dominadas pelo ISIS para o Curdistão
PERGUNTA: Sim, mas como o ISIS entrará em Bagdá?

Abu Baqr-al-Janabi: Muitos dos comandantes do ISIS foram oficiais do exército, com ligações com muitos oficiais da ativa e também aposentados com muitas conexões. O principal é que muitos já desistiram da ideia de morrer por al-Maliki. Nossa mídia, o “Clanking of the Swords” também contribuiu, mostrando como matamos nossos inimigos. Assim, muitos oficiais e colaboradores sunitas desistiram da ideia de opor-se ao ISIS, particularmente os que têm família nas regiões onde nós operamos. Nós sabemos o que acontece em todo o Iraque.

PERGUNTA: Como foi decidido e planejado o timing do ataque contra Mosul?

Abu Baqr-al-Janabi: Já sabíamos que uma grande operação estava sendo preparada em Salahoddine e Mosul. Estávamos preparados e já havia Mujahidin do ISIS dentro de Mosul antes do dia do ataque.

PERGUNTA: E quanto ao avanço da Pershmerga (guerrilha curda) em Kirkuk e Qhaniqin?

Abu Baqr-al-Janabi: Há embates entre o ISIS e a Peshmerga nessas áreas disputadas. Registramos alguns avanços significativos e capturamos muitos espiões que foram imediatamente executados. Os curdos não estão em posição ideal. Aproveitam-se da situação, para morder mais extensões de terra. O premiê iraquiano atacou os curdos e o líder de Asaeb Ahl al-Haq, Qais al-Ghaz’ali ameaçou expulsar de Bagdá todos os curdos.

PERGUNTA: Você acha que o ISIS cederá Kirkuk aos curdos? P. Masood Barazani conclamou a uma mobilização geral para proteger, não só o Curdistão, mas também Kirkuk.

Abu Baqr-al-Janabi: Muitos no ISIS têm velhas diferenças com os curdos, e muitas amarguras, porque os curdos apoiaram as forças dos EUA. Concordo que a situação é um pouco caótica, com sunitas contra xiitas e curdos contra sunitas e xiitas contra curdos, por causa da expansão deles e vice-versa. Mas o ISIS não desistirá de Kirkuk.

Presença presumível do ISIS no Iraque e na Síria
(clique na imagem para aumentar)
PERGUNTA: ISIS é muito cruel na Síria, mas no Iraque vê-se mais tolerância em relação a alguns grupos. Por quê?

Abu Baqr-al-Janabi: É verdade. Começamos com muita força em 2006 no Iraque. Mas aprendemos nossa lição. E, também, o povo no Iraque é diferente do povo na Síria. Fossem o mesmo povo, teríamos agido de modo similar.

PERGUNTA: Pode explicar melhor?

Abu Baqr-al-Janabi: Dawla (o Estado, no ISIS) não é um grupo de pessoas, mas uma ideia e uma ideologia. Um Manhaj [“caminho”, “programa”]. Mujaidins e emires podem ser mortos no campo de batalha, mas a ideia não morre. Com nossas ideias, atraímos gente de todo o mundo. Você acha que Sahwa [“O Despertar”, programa dos EUA] está combatendo contra nós? Por democracia? Não! Sahwa luta para seu próprio benefício político, enquanto nós lutamos e morremos por Khilafa [“califato”, palavra derivada de “sucessão”] e Manhaj [“o caminho”, a “justa via”]. É o mesmo que dizer que lutamos para implantar a Lei Islâmica – e isso é que desperta o fogo dentro de nós. Não reconhecemos fronteiras e todos somos irmãos. Essa atitude une todos, dentro do ISIS.

PERGUNTA: Há planos para o Líbano?

Abu Baqr-al-Janabi:  em comentários. Mas logo se verá algum desenvolvimento importante.

[Abu Baqr comentou a Fatwa Kifa’yi do Grande Aiatolá Ali Sistani:] “Por que o Grande Aiatolá Sistani não lançou uma Fatwa em 2003 quando os norte-americanos ocuparam o país? Essa é uma das principais razões pelas quais declaramos guerra aos xiitas e ao xiismo: porque apoiaram as forças dos EUA contra os iraquianos. Antes de 2003, não havia essa divisão entre sunitas e xiitas no Iraque. Os norte-americanos conseguiram nos dividir. Agora é tarde demais” – disse ele

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[*] Elijah J. Magnier é Analista de Risco Político com 32 anos de experiência na cobertura de países da Europa e Oriente Médio. Nesse período adquiriu extensa prática e robustos contatos alem de conhecimento político no Irã, Iraque, Líbano, Líbia, Sudão e Síria. Especializado em assessoramento político e planejamento estratégico através da percepção de situações políticas. Criou e coordenou grupos de trabalho e decisão para assuntos do Oriente Médio. Experimentado em comercio especialmente difícil num amplo espectro de situações típicas da região abordada (OM) interagindo com líderes de movimentos fundamentalistas em zonas de guerra e áreas de instabilidade política. Atualmente é Correspondente Internacional-Chefe para assuntos do Oriente Médio e Europa do jornal AlRai (Kuwait).
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Nota dos tradutores
[1] Sugestão de Moon of Alabama, em: 23/6/2014, Where Will ISIS Go Next?


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