27/6/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Situação atual da ação do ISIS no Oriente Médio |
Pois agora um
vasto Sunitastão linha-duríssima estende-se direto dos subúrbios de Aleppo a
Tikrit, e de Mosul à fronteira Jordânia/Iraque – o mesmo que se desmanchou em
2003, quando “Choque e Pavor” virou “Missão (não)Cumprida”.
Num
fantasmagórico eco das pegadas do exército de Dick Cheney reverberando pelas
areias da província de Anbar, o Estado Islâmico do Iraque e al-Sham (ISIS)
e a coalizão de vontades lá-deles (jihadistas, islamistas, ba’athistas e
xeiques tribais) posa agora de “libertadores” dos sunitas iraquianos, para
livrá-los das garras de um governo da maioria xiita (do “mal”) em Bagdá.
Além disso, o
ISIS também controla as guerras de Relações Públicas. Em “Elijah
J. Magnier entrevista Abu Baqr-al-Janabi, comandante do ISIS”, um
jihadista detalha como qualquer tipo de possível envolvimento “cinético” de
Washington será interpretado como aliança nada-santa entre o Império e o
primeiro-ministro Nouri al-Maliki, contra os azarões.
De um ponto
de vista sunita, basta de lei contraterrorismo no Iraque; basta de
des-Ba'athificação (com ascensão do neo-Ba’athista Jaysh Rijal al-Tariqa
al-Naqshbandia, JRTN, liderado pelo ex-chefete saddamista Izzat Ibrahim
al-Douri); basta de o Ministério do Interior em Bagdá perseguir políticos
sunitas; basta de violência contra manifestantes e protestos.
Ao mesmo
tempo, é o retorno dos Sahwa (Filhos do Iraque) – que combateram
furiosamente contra a al-Qaeda no Iraque em 2007. Sahwa é a mãe do ISIS
– e o retorno de sortimento variado de milícias xiitas (Muqtada al-Sadr não
apenas repeliu a nova onda de “conselheiros militares” dos EUA – foi assim que
tudo começou no Vietnã – mas também alertou que seus próprios
Homens-de-Preto-Perigosíssimos farão “a terra tremer” na luta contra o ISIS.)
Os meados dos anos 2000 são a nova normalidade: vai ser aquele inferno de
milícias, tudo outra vez.
Muqtada al-Sadr |
Mesopotâmia,
estamos com um problema. Os neo-Ba’athistas nada querem além de um Iraque
secular governado por sunitas, estilo Saddam (em vez de Ahmad Chalabi,
ex-queridinho dos neoconservadores). O ISIS quer um califato que
se estenda por todo o Levante, sob a lei da Xaria. Algo terá de ceder.
O que vai
ceder é a própria nação iraquiana – a consequência balcanizada, reduzida (como
era objetivo) da invasão e ocupação de 2003, finalmente reciclada como Central Jihad.
É a hora do
revide
A
“estratégia” do governo Obama (lembram-se da estratégia de “Não
façam nenhuma merda estúpida”, dos EUA para a Ucrânia?) é impor
mudação-de-regime a al-Maliki; afinal, ele cometeu a deselegância de recusar-se
a permitir que os EUA continuassem a ocupar o Iraque mesmo depois de esgotado o
prazo em 2012; e, para piorar, seu governo é próximo de Teerã.
Assim sendo,
aí está a resposta à já lendária pergunta sobre como a rede de satélites dos
EUA conseguiram não ver aquela longa coluna de Homens-de-Preto do ISIS em
seus flamantes Toyota “Land Cruisers” branquinhos novinhos em folha,
atravessando o deserto Síria-Iraque. Podem chamar de
Fracasso-mãe-de-todos-os-fracassos-de-Inteligência (lembram-se de Saddam, que
falava da batalha Mãe-de-Todas-as-Batalhas?).
Temos aqui a
“vingança” do Império do Caos contra Bagdá, Teerã e – por que não? – Moscou
(afinal, o presidente Vladimir Putin da Rússia já ofereceu total apoio a
al-Maliki, na luta contra os jihadistas.) O Iraque mistura-se devidamente com a
Ucrânia. E quanto ao revide-redux, está (quase) tudo explicado no Telegraph de 22/6/2014.
Quanto ao
super-repisado mito do Departamento de Estado dos EUA – outra vez?! – dos “bons
terroristas” e “maus terroristas”, essa semana a Frente al-Nusra na Síria jurou
fidelidade ao ISIS. Implica dizer que o ISIS agora controla
virtualmente os dois lados da fronteira, em Albu Kamal na Síria e Al-Qaim no
Iraque. Como bônus, o ISIS e xeiques tribais sunitas seus aliados também
cercaram o Camp Anaconda que os EUA controlam no Iraque e estão preparados para
jogo de morteiro de longo-longo prazo. Os “analistas” da Av. Beltway [1] nunca aprendem?!
Rei Abdullah II da Jordânia |
Aquela
pequena ficção conhecida como Jordânia – onde reina o Reizinho de PlayStation, codinome Abdullah – estará
prontinha para ser invadida, logo que os salafistas linha-duríssima de Zarqa
(cidade natal de Zarqawi) alinhem-se totalmente com o ISIS. Acrescentem
esse bom pedaço de propriedade ao Califato Levantino ainda em embrião, e o
negócio todo já engrossará consideravelmente – refinarias de petróleo e
coisa-e-tal incluídas.
“Não façam
nenhuma merda estúpida”, aplicada à Síria e ao Iraque, significa que o governo
Obama já não tem limite que o contenha ou modere, na política de “Assad tem de
sair” (e, por falar dele, é governo Ba'athista; implica dizer que Washington é
aliada do ISIS na Síria, ao mesmo tempo em que é inimiga do ISIS
no Iraque. O “pecado” de Assad é que ele é, ao mesmo tempo, aliado de Teerã
(como al-Maliki) e, principalmente (de um ponto de vista dos EUA), do
Hezbollah. É onde entra a mais recente “Merda Estúpida” do governo Obama: estão
armando rebeldes “devidamente avaliados”, na Síria.
Pairando
sobre esse cenário em que nada faz sentido que preste, toda a Av. Beltway, Casa
Branca incluída, vende a ilusão de que estaria deliberando cuidadosa e
atentamente para identificar se os Homens-de-Preto realmente perigosos são os
do ISIS – e o que fazer sobre eles.
Simultaneamente,
com algum tipo de cooperação Washington-Teerã contra o ISIS já se
tornando autoevidente, surge aí um grande problema para a turma do perene
“Bombardeie-o-Irã” na Av. Beltway, tanto quanto para os linha-dura em Teerã;
afinal, o ISIS ergueu massiva barreira geoestratégica entre o Irã e a
Síria, ao ameaçar a conexão Teerã-Hezbollah.
Em Israel, os
Likudniks farão de tudo para impedir qualquer cooperação. Mas nunca seriam mais
que um detalhe. Bagdá pode obter toda a ajuda de que precisa, de forças
especiais iranianas e de milícias como a de Muqtada. O ISIS não tem
capacidade humana ou expertise para
sitiar Bagdá; só o povo de Sadr City
bastaria para fazê-lo em pedaços. Para nem falar de atacar Najaf e Karbala,
cidades santas dos xiitas, já protegidas por brigadas populares pesadamente
armadas.
Será que a
OTAN cruzará com o Jihadistão?
Kirkuk já
está sob virtual controle dos curdos. A “devolução” da cidade a Bagdá será
muitíssimo problemática – e “problema” é eufemismo. Kirkuk produz cerca de 670
mil barris de petróleo por dia. Cerca de 300 mil são exportados pelo oleoduto
para Ceyhan, na Turquia. Mas nas últimas semanas só passaram pelo oleoduto,
saídos dali, quando muito, uns 120 mil barris/dia.
Instalações petrolíferas no Iraque (13/6/2014) (clique na imagem para aumentar) |
A produção
total do Iraque é de 3,3 milhões de barris/dia – a maior quantidade saída do
sul, dos arredores de Basra. Não há nenhum sinal realista de que o ISIS consiga,
algum dia, capturar Basra.
Assim sendo,
o problema continua a ser algumas refinarias no norte, como Baiji. E, com isso,
as forças iraquianas de elite dos batalhões contraterroristas podem lidar. Se o
ISIS por qualquer razão conseguir pôr a mão em algum petróleo e gás – e
trata-se de um grande “se” – será festival garantido para, sobretudo, os
especuladores de mercados. E num instante aparecerão milhares de forças
especiais dos EUA para “proteger” campos de petróleo iraquianos e a Zona Verde
em Bagdá.
O Exército
Árabe Sírio de Assad pode – e é o que já está fazendo – contribuir na luta
contra o ISIS. No final, em termos bem realistas, pode-se dizer que o ISIS
pode ser repelido pelo Exército Sírio, forças de elite do Irã, brigadas xiitas
e, sim – uma revoada já
iminente daqueles jatos de combate da Rússia e Bielorrússia, de segunda
mão.
O ISIS
não tomará Bagdá. Mas, feito um mutante doido, num Sunitastão LD [Linha
Duríssima] à moda Hollywood, eles podem pirar ainda mais pirados e tentar tomar
Amã, Doha e, até, Riad.
O Império do
Caos continuará apostando em – e o que poderia ser?! – mais caos. E está
bracejando nessa direção – da real possibilidade de um empurrão final rumo a um
Grande Curdistão (na Síria, Iraque, Turquia e até Irã) a um inferno de milícias
sectárias por todo o Iraque, Síria, Líbano, Turquia e Iêmen. Para nem falar das
possíveis ramificações no Norte da África, Ásia Central e Norte do Cáucaso.
O que fará Hillary Clinton, a Hillarygator?!
Nesse
caso, será preciso esperar pelo começo de 2017. Ela sempre poderá dar uma de
“Viemos, vimos, ele morreu” e encenar triunfantemente a Segunda Vinda no
Levante, feito uma Atena dronada cantando “Acenda o meu fogaréu” [orig. Light My Fire] [2].
No fim, a
OTAN não cruzará com o Jihadistão. Nenhuma “responsabilidade de proteger” (R2P)
árabes que estejam sendo mortos por árabes. A OTAN deixar-se-á ficar –
alegremente – de lado, só “observando”. Porque do Norte da África e por todo o
Oriente Médio ao Cáucaso e até também o oeste da China, o nome do jogo (em
brasa) é manter os “Bálcãs Eurasianos” do Dr. Zbig Brzezinski sempre fervendo
numa pira funeral.
Nota dos tradutores
[1] As expressões “Av. Beltway”
e “Beltway” [literalmente “cinturão”] fazem referência à avenida perimetral
(estrada interestadual 495] que circunda Washington, D.C., desde 1964. A expressão “a [av.]
Beltway” refere-se, por metonímia, ao governo dos EUA.
[2] Assista/ouça a seguir gravação original de Light My Fire com The Doors:
_________________________
[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e
outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog
redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books,
2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
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