7/6/2014, [*] Natalia MEDEN, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
George Friedman, diretor do think-tank
norte-americano Stratfor, entende que alguns países da OTAN devem aumentar os
gastos militares. No caso da Polônia, cujo gasto militar é próximo de 2% do
PIB, deve ser aumentado para 5%. [1] A “ameaça russa” em torno da qual Freedman e tantos deliram está
sendo usada para impor aumento no gasto militar dos países que compõem a
OTAN.
“Os gastos de
defesa russos cresceram mais de 10% em termos reais anualmente ao longo dos
últimos cinco anos” – disse o secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen,
numa conferência de segurança em Bratislava, Eslováquia (15/5/2014). Comparou
os investimentos crescentes de Moscou, com os números declinantes em vários
países europeus membros da OTAN – vários dos quais cortaram gastos em 20% (até
mesmo, 40% – imaginem só!), no mesmo período.
[2]
Será que
alguém, no ocidente, está realmente com medo da Rússia? Parece que não. A Casa
Branca e Stratfor, por exemplo, não parecem intimidadas pela “ameaça” russa.
George Friedman vê a Rússia como potência regional, não global; e Barack Obama
não faz outra coisa além de meter-se a “ensinar” à Rússia o que ela deve(ria) e
não deve(ria) fazer. Por exemplo, uma das lições de Obama à Rússia é que deve
normalizar imediatamente as relações com Petro Poroshenko. Isso, só para
começar. Porque a lista de instruções é longa:
1) Todas as tropas russas devem ser
retiradas da fronteira da Ucrânia. O presidente dos EUA mete-se a dizer à
Rússia onde deve(ria) pôr ou não pôr tropas, em território russo. É
i-na-cre-di-tá-vel. É cômico. É além de ridículo.
2) É hora de pôr fim ao apoio dos russos às
formações de resistência e autodefesa. Pronto. Não há o que abale a fantasia de
BO, segundo a qual as unidades de autodefesa na Ucrânia são fantoches do
Kremlin, assim como não há o que faça os EUA suspenderem o apoio que dão à
operação de punição coletiva que soldados ucranianos fazem contra a população
local, o que faz aumentar o ódio contra o governo de Kiev apoiado pelos EUA.
Pela ‘lógica’ norte-americana, milhares de refugiados que cruzam a fronteira
russa só saíram para visitar uns parentes por ali perto, na região vizinha de
Rostov.
O número dos
que querem deixar a Ucrânia está aumentando. As pessoas têm de enfrentar longas
filas para comprar bilhetes para os trens que passam por Slavyansk, Kramatorsk
e Volnovakha. Os fatos são óbvios, mas os números que a Rússia apresentou não
convenceram os membros do Conselho de Segurança da ONU. Só a China acompanhou o
voto dos russos. E o projeto de resolução que criaria corredores humanitários
no leste da Ucrânia – região que está sob ataque do governo da junta de Kiev –
foi rejeitado.
3) Que a Rússia não se atreva a suspender o
fornecimento de gás. Por que os EUA assim o “exigem”, isso, é perfeito
mistério. Talvez os EUA entendam que a Rússia deva doar gás à Ucrânia... E caso
a Rússia discorde, que peça instruções a Barack Obama, que já tem um Prêmio
Nobel e talvez receba também inspirações divinas, e Obama lhe dirá o que fazer.
Um dos antecessores de Obama no trono da Casa Branca entendia que o
excepcionalismo dos EUA o poria em contato direto com o Altíssimo... que teria
sido apontado por Deus para agir em Seu nome sobre a terra.
Bases militares - forças terrestres - dos EUA na Alemanha |
Ora! Se os
norte-americanos veem a Rússia como simples potência regional, não há por que temer
que os russos movam seus exércitos para lá ou para cá. E por que alarmar tanto
aliados, em torno de uma “ameaça” que ninguém leva a sério? É fácil – a crise
ucraniana é bom motivo para fortalecer a unidade no “Atlântico Norte”.
E quanto à
Alemanha? Para George Friedman, a posição da Alemanha é obscura e instável; e
ele tem lá seus motivos para pensar assim.
Já há muito
tempo, a Alemanha balança entre a solidariedade transatlântica e a realidade
que reflete interesses nacionais e europeus reais. É verdade: a Alemanha
aumentou o número de Eurofighters para ampliar a patrulha aérea no
Báltico, e tomou a decisão de enviar mais 50 oficiais graduados para o Corpo
Multinacional do Nordeste (Szczecin/Poland).
Os alemães
fizeram como se não tivessem percebido que não foram consultados na decisão dos
EUA para modernizar a munição nuclear norte-americana em solo alemão. Mas não,
não... A Alemanha não pode aumentar o orçamento militar, a chanceler e o
ministro das Finanças entendem que deve ficar nos 32 bilhões de euros. Eles não
creem que os Estados do Báltico estariam realmente “ameaçados” e, assim, não
veem necessidade de a OTAN manter presença militar permanente na Europa Central
e do Leste. O exemplo alemão é contagioso: não importa que pretexto o ocidente
use, a República Tcheca e a Eslováquia absolutamente não querem receber
militares norte-americanos.
Nem os
contribuintes alemães nem as elites alemãs querem uma Guerra Fria com a Rússia.
Até os mais altos líderes militares, que apoiam a ideia de ampliar gastos
militares, opõem-se à ideia de fazer da Ucrânia estado membro da OTAN. [3] Os mais conhecidos e qualificados think-tanks
alemães entendem que a finlandização será a melhor solução para a Ucrânia e
para a Europa. [4]
Bases aéreas dos EUA na Alemanha (clique na imagem para aumentar) |
Rols
Muetzenich, representante dos social-democratas alemães, relembrou o “Relatório
Harmel” [Harmel Report, 1967]. Quando era ministro de Relações
Exteriores, Harmel apresentou aos ministros da OTAN um documento intitulado
“Tarefas Futuras da Aliança”. O documento, aprovado pelo conselho em dezembro
de 1967, expunha a chamada “Doutrina Harmel”: advogava defesa forte, combinada
com boas relações diplomáticas com os países do Pacto de Varsóvia. Essa
“Doutrina Harmel” ajudou a pavimentar o caminho para a détente entre
leste e oeste do início dos anos 1970s, que levou à Cúpula de Helsinki de 1975,
e à criação da Organização de Segurança e Cooperação da Europa (OSCE). O
próprio Harmel visitou vários países do Pacto de Varsóvia.
Quanto mais
se disseminam na Europa esse tipo de sentimentos e de pensamentos, mais
difícil, para Washington, disfarçar a própria aflição. Já faz quase um ano que
se divulgaram notícias de que os EUA espionavam as comunicações alemãs; agora,
há poucos dias, o Procurador-Geral da Justiça Alemã, Harald Range, anunciou que
iniciou investigação criminal oficial sobre as denúncias de que o celular da
chanceler Angela Merkel teria sido grampeado.
Harald Range |
A decisão do
Procurador-Geral alemão e a firmeza com que declarou que há crime se o celular
da chanceler é invadido sem autorização judicial, mostra bem o quão
profundamente os alemães se ressentiram ao saber que os EUA espionavam, há
anos, a sua chanceler.
Há alguns
dias, Range informou que já havia feito contato com Edward Snowden, através do
advogado alemão da equipe de defesa de Snowden, para convocar Snowden a
testemunhar. Snowden – que está vivendo em Moscou desde que divulgou centenas
de milhares de documentos secretos ano passado, que expuseram a extensão
planetária da espionagem/vigilância eletrônica feita pela Agência de Segurança
Nacional dos EUA – ainda não respondeu à convocação da autoridade alemã. Os EUA
não estão nada satisfeitos com a atitude do Procurador-Geral alemão, que lhes
parece fora de lugar e tomada em momento bem pouco oportuno.
Segundo
George Friedman, a Alemanha estaria virando problema para a Europa. [5]
George Friedman erra. A Alemanha não é problema para a Europa: a Alemanha só é
problema para os EUA, nessa sua ânsia démodée e pervertida de sempre
querer dominar o mundo.
Notas da autora
[1] 29/5/2014,
George Friedman, Germany – a
Problem for Europe, Polski
Radio (em polonês,
mas a tradução do GOOGLE, embora fraca é legível)
[2] Entrevista
de Rasmussen, publicada (al.) por Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung (Rasmussen: Nato muss sich ruesten, Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung,
4/5/2014, p. 1), “Rasmussen’s remarks at OTAN defense ministers session”,
3/6/2014.
[3] 14/4/2014, Keine Aufnahme Ukraine in die
OTAN/Stuttgarter Zeitung.
[4] Kaim M.
Partnerschaft Plus: Zur Zukunft der OTAN_Ukraine Beziehungen. SWP-Aktuell 38,
Mai 2014.
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