16/6/2014, [*] Chris Hedges, Thruthdig
Traduzido pelo pessoal da
Vila Vudu
Noam Chomsky |
CAMBRIDGE,
Mass. – Noam Chomsky, a quem entrevistei 5ª-feira passada (12/6/2014) em sua
sala no Massachusetts Institute of
Technology (MIT), influenciou intelectuais nos EUA e em todo o mundo, por
número incalculável de vias. A explicação que construiu para o Império, a
propaganda de massa, a hipocrisia e o servilismo dos liberais e os fracassos
dos acadêmicos, além do que ensinou sobre os modos pelos quais a linguagem é
usada como máscara pelo poder, para nos impedir de ver a realidade, fazem dele
o mais importante intelectual nos EUA. A força de seu pensamento, combinada a
uma independência feroz, aterroriza o estado-empresa – motivo pelo qual a
imprensa-empresa e grande parte da academia-empresa tratam-no como pária.
Chomsky é o Sócrates do nosso
tempo.
Ernst Mayr 1904 - 2005 |
Vivemos um momento
sombrio e desolado na história humana. E Chomsky começa por essa realidade.
Citou o falecido Ernst Mayr,
importante biólogo evolucionista do século 20, que disse que provavelmente nós
jamais encontraremos extraterrestres inteligentes, porque formas superiores de
vida se autoextinguem em tempo relativamente curto.
“Mayr dizia
que o valor adaptacional do que se chama inteligência
superior é muito baixo” – disse Chomsky. – “Baratas e bactérias são muito
mais adaptáveis que os humanos. É melhor ser inteligente que estúpido, mas
podemos ser um equívoco biológico, usando os 100 mil anos que Mayr nos dá como expectativa de vida como
espécie, para destruir-nos nós mesmos e destruir também muitas outras
formas de vida no planeta”.
A mudança
climática “pode acabar conosco, e em futuro não muito distante” – diz Chomsky.
– “É a primeira vez na história humana em que temos a capacidade para destruir
as condições mínimas para sobrevivência decente. Já está acontecendo. Há
espécies que estão sendo destruídas. Estima-se que vivemos destruição
equivalente à de há 65 milhões de anos, quando um asteroide colidiu com a
Terra, extinguiu os dinossauros e grande número de outras espécies. A
destruição, hoje, é de nível equivalente àquele. De diferente, que o asteroide somos
nós. Se alguém nos está vendo do espaço, deve estar atônito. Há setores da
população global tentando impedir a catástrofe global. Outros setores tentam
apressá-la.
Veja bem quem
são uns e outros: os que tentam impedir a catástrofe total são os que nós
chamamos de primitivos, atrasados, populações indígenas – as Nações Originais no Canadá,
os aborígenes australianos, pessoas que ainda vivem em tribos na Índia. E quem
acelera a destruição? Os mais privilegiados, os chamados “avançados”, os
letrados, as pessoas cultas e educadas do mundo”.
Tee Pee - Nação originária do Canadá (Colúmbia Britânica) |
Se Mayr
acertou, estamos no fim de uma tendência, acelerada pela Revolução Industrial,
que nos jogará para o outro lado de uma montanha, ambientalmente e
economicamente. Esse evento, aos olhos de Chomsky, nos oferece uma oportunidade
e, ao mesmo tempo, traz um perigo. Já várias vezes Chomsky repetiu, como
alerta, que, se temos de nos adaptar e sobreviver, é preciso derrubar o poder
da elite-empresa-corporação, mediante movimentos de massa; e devolver o poder a
coletivos autônomos que são focados em manter as comunidades, em vez de
explorar comunidades. Apelar às instituições e mecanismos estabelecidos de
poder não vai dar certo.
“Podem-se
extrair muitas boas lições, do período inicial da Revolução Industrial” – disse
ele. – “A Revolução Industrial decolou aqui perto, no leste de Massachusetts,
em meados do século XIX. Foi o período quando fazendeiros independentes estavam
sendo conduzidos para dentro do sistema industrial. Homens e mulheres – as
mulheres deixaram as fazendas para ser “operárias de fábrica” – lastimaram
amargamente a mudança. Foi também período de imprensa muito livre, a mais livre
que os EUA jamais conheceram, em toda sua história. Havia quantidade enorme de
jornais e lê-los hoje é experiência fascinante. O povo que foi arrastado para o
sistema industrial via aquilo tudo como um ataque à sua dignidade pessoal, aos
seus direitos de seres humanos. Eram seres humanos livres, forçados para dentro
do que chamavam “trabalho assalariado”, e que, aos olhos deles, não era muito
diferente da escravidão. De fato, essa era a impressão dominante entre o povo,
a tal ponto, que havia um slogan do
Partido Republicano: “A única diferença entre trabalhar por salário e ser escravo
é que o salário acaba”.
Chomsky diz
que essa deriva, que forçou os trabalhadores agrários para longe da terra e
para dentro das fábricas nos centros urbanos, foi acompanhada por uma
destruição cultural. Os trabalhadores, diz ele, haviam sido parte da “mais alta
cultura da época”.
“Lembro-me
disso, lá nos anos 1930s, com minha própria família” – diz ele. – “Aquilo nos
foi tirado. Estávamos sendo forçados a nos tornar, de certo modo, escravos.
Diziam que você trabalhava como artesão e vendia um produto que você produzia,
então, como assalariado, o que você passou a fazer foi vender você mesmo. E
isso soava como ofensa profunda. Eles condenavam o que chamavam de “novo
espírito da época”, ganhar dinheiro e esquecer-se completamente de si mesmo. É
velho e, ao mesmo tempo, soa hoje muito familiar aos nossos ouvidos”.
Knights of Labor (Cavaleiros do Trabalho) |
É essa
consciência radical, que deitou raízes em meados do século XIX entre
fazendeiros e muitos operários de fábrica, que Chomsky diz que temos de
recuperar para conseguirmos avançar como sociedade e como civilização. No final
do século XIX, fazendeiros, sobretudo no meio-oeste, livraram-se dos banqueiros
e dos mercados de capitais, e constituíram seus próprios bancos e cooperativas.
Entenderam o perigo de virar vítimas de um processo vicioso de endividamento,
comandado pela classe capitalista. Os fazendeiros radicais fizeram alianças com
os “Knights of Labor”
[Cavaleiros do Trabalho], que entendiam que os que trabalhavam nos moinhos
deviam ser também proprietários dos moinhos.
“À altura dos
anos 1890s, operários estavam tomando cidades e governando-as, no leste e no
oeste da Pennsylvania. É o caso de Homestead” – Chomsky lembrou. – “Mas foram
esmagados à força. Demorou um pouco. O golpe final foi o “Medo Vermelho” de
Woodrow Wilson [orig. Woodrow
Wilson’s Red Scare].
“A ideia,
hoje, ainda deve ser a dos Knights of Labor”, ele disse. “Os que
trabalham nos moinhos devem ser também donos dos moinhos. Há muito trabalho em
andamento. Haverá mais. Os preços da energia estão caindo nos EUA, por causa da
massiva exploração de combustíveis fósseis, que destruirá nossos netos. Mas, sob
a moralidade capitalista, o cálculo é: os lucros de amanhã são mais importantes
que a existência ou não dos seus netos. Estamos conseguindo preços mais baixos
de energia. Eles [os empresários] estão entusiasmadíssimos, porque podem
oferecer preços inferiores aos que a Europa oferece, porque nossa energia é
mais barata. E assim, os EUA conseguimos fazer fracassar os esforços que a
Europa tem procurado fazer, para desenvolver energia sustentável...”
Chomsky
espera que os que trabalham na indústria de serviços e na manufatura possam
começar a organizar-se para começar a tomar o controle de seus próprios locais
de trabalho. Observa que no ‘Cinturão da Ferrugem’ [orig. Rust
Belt]. inclusive em estados como Ohio, há crescimento no número de
empresas que pertencem aos trabalhadores.
A transferência do campo para as cidades criou o Rust Belt |
O crescimento
de poderosos movimentos populares no início do século XX mostrou que a classe
empresarial já não conseguia manter os trabalhadores subjugados por ação
exclusiva da violência. Os interesses empresariais tiveram de construir
sistemas de propaganda de massa, para controlar opiniões e atitudes.
O crescimento
da indústria de “relações públicas”, iniciada pelo presidente Wilson, que criou
o Comitê de
Informação Pública [“Creel
Committee”], para instilar sentimentos pró-guerra na população,
inaugurou uma era não só de guerra permanente, mas também de propaganda
permanente. O consumo foi instilado também, com compulsão incontrolável. O
culto do indivíduo e do individualismo tornou-se regra. E opiniões e atitudes,
passaram a ser talhadas e modeladas pelos centros de poder, como o são hoje.
“Uma nação
pacífica foi transformada em nação de odiadores, fanáticos por guerras” – diz
Chomsky. – “Essa experiência levou a elite no poder a descobrir que, mediante
propaganda efetiva, aquelas elites poderiam, como Walter
Lippmann escreveu, usar “uma nova arte na democracia, e fabricar o
consentimento”.
A democracia
foi destripada. Os cidadãos tornaram-se “público”, “audiência”,
telespectadores, não participantes no poder. Os poucos intelectuais, entre os
quais Randolph Bourne, que mantiveram a independência e recusaram-se a servir à
elite no poder foram expulsos para fora do sistema, como Chomsky.
“Muitos dos
intelectuais dos dois lados estavam apaixonadamente dedicados à causa nacional”
– disse Chomsky, falando a Iª Guerra Mundial. “Houve só uns raros dissidentes.
Bertrand Russell foi preso. Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg foram mortos. Randolph
Bourne foi marginalizado. Eugene Debs, preso. Todos esses se atreveram
a questionar a magnificência da guerra”.
Aquela
histeria pró-guerra jamais cessou, movida sem alteração, do medo de um bárbaro
germânico, para o medo de comunistas e, daí, para o medos de jihadistas e
terroristas islamistas.
“As pessoas
vivem aterrorizadas demais, porque foram convencidas de que nós temos de nos
defender nós mesmos” – diz Chomsky. – “Não é inteiramente falso. O sistema
militar gera forças perigosas para nós, que nos ameaçam. Veja, por exemplo, a
campanha terrorista dos drones de Obama – a maior campanha terrorista de
toda a história. Esse programa dos drones de Obama gera novos
terroristas e terroristas potenciais muito mais depressa, do que destrói
suspeitos. É o que se vê agora no Iraque. Volte lá, aos julgamentos
de Nuremberg. A agressão entre estados foi definida como o supremo
crime internacional. Foi considerado diferente de outros crimes de guerra,
porque a agressão entre estados reúne, como crime, todos os demais danos que
outros crimes subsequentes causarão.
Julgamentos de Nuremberg |
A invasão que
EUA e Grã-Bretanha cometeram contra o Iraque é como um manual de crime de
agressão entre estados. Pelos padrões de Nuremberg, os governantes dos EUA e da
GB teriam, todos, de ser condenados à morte e enforcados. E um dos crimes que
cometeram foi incendiar o conflito sunitas versus xiitas”.
Esse
conflito, que agora novamente inflama
a região, é “um crime cometido pelos EUA, se acreditamos que sejam
válidas as sentenças que Nuremberg proclamou contra os nazistas. Robert
Jackson, promotor-chefe no tribunal de Nuremberg, em sua fala aos jurados,
disse que aqueles acusados haviam bebido de um cálice envenenado. E que se
algum de nós algum dia bebêssemos daquele mesmo cálice teríamos de ser tratados
do mesmo modo, ou tudo não passaria de grande farsa”.
As escolas e
universidades da elite inculcam hoje em seus alunos a visão de mundo endossada
pela elite no poder. Treinam alunos para serem reverentes ante a autoridade.
Para Chomsky, a educação, na maior parte das grandes escolas, inclusive em
Harvard, a poucos quarteirões de distância do MIT, não passa de “um
sistema de profunda doutrinação”.
“Há um
entendimento de que há certas coisas que não se dizem nem se pensam” – diz
Chomsky. – “É assim, entre as classes educadas. E é por isso que eles todos
apoiam fortemente o poder do estado e a violência do estado, apenas com uma ou
outra pequena “restrição”. Obama é visto como crítico contra a invasão do
Iraque. Por quê? Só porque disse que seria erro estratégico. É argumento que o
põe no mesmo nível moral de um general nazista que entendesse que o segundo front era erro estratégico. Isso,
para os norte-americanos, é ser crítico”.
E Chomsky não
subestima o ressurgimento de movimentos populares.
“Nos anos
1920s, o movimento trabalhista estava praticamente destruído” – disse. – “Havia
sido movimento trabalhista forte, muito militante. Nos anos 1930s ele mudou, e
mudou por causa do ativismo popular. Houve circunstâncias [a Grande Depressão]
que levou à oportunidade de fazer alguma coisa. Vivemos constantemente com
isso. Considere os últimos 30 anos. Para a maioria da população, foram tempos
de estagnação, ou pior que isso. Não é a Depressão profunda, mas é uma
depressão semipermanente para a maior parte da população. Há muita lenha lá fora,
esperando para ser queimada”.
Chomsky
entende que a propaganda empregada para fabricar consentimentos, mesmo na era
das mídias digitais, está perdendo efetividade, com a realidade cada vez menos
parecida com o “retrato” dela inventado pelos órgãos da imprensa-empresa de
massas. Embora a propaganda feita pelo estado norte-americano ainda consiga
“empurrar a população para o terror e o medo e para a histeria de guerra, como
se viu nos EUA antes da invasão do Iraque”, ela já começa a fracassar na tarefa
de manter fé não questionada nos sistemas de poder. Chomsky credita ao
movimento Occupy, que ele descreve
como uma tática, ter “disparado uma fagulha iluminadora” a qual, mais
importante, atravessou toda a sociedade, apesar da atomização”.
“Há todos os
tipos de esforços e projetos para separar as pessoas umas das outras” – diz
ele. – “A unidade social ideal [no mundo dos propagandistas do estado-empresa]
é você e sua tela de televisão. As ações de Occupy
puseram isso abaixo, para grande parte da população. As pessoas reconheceram
que poder nos juntar e fazer coisas por nós mesmos. Podemos ter uma cozinha
comum. Podemos ter um palanque para discussões públicas. Podemos formar nossas
próprias ideias. Podemos fazer alguma coisa. E esse é ataque importante contra
o núcleo dos meios pelos quais o público é controlado”.
“Você não é
só um indivíduo tentando maximizar o consumo. Você descobre que há outros
interesses na vida, outras coisas com as quais se preocupar. Se essas atitudes
e associações puderem ser sustentadas e mover-se em novas direções, será muito
importante”.
____________________
[*] Chris Hedges, repórter laureado com Prêmio
Pulitzer, mantém coluna regular em Truthdig às 2as-feiras. Formou-se
na Harvard
Divinity School e foi
durante quase duas décadas correspondente no exterior do The New York Times. Hedges é autor de 12 livros, entre
os quais War
Is A Force That Gives Us Meaning, What
Every Person Should Know About War, e American Fascists: The Christian
Right and the War on America o
best-seller (New York Times), Days
of Destruction, Days of Revolt (2012), do qual é coautor, com o cartunista
Joe Sacco. Seu livro mais recente é
Empire of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of
Spectacle.
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