3/6/2014, [*] Patrick Cockburn − The Independent, UK e ICH
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Para os EUA, receber de volta o único
prisioneiro norte-americano que ainda havia naquele país os afasta ainda mais
do Afeganistão. Para os afegãos, receber de volta os seus cinco comandantes
prisioneiros em Guantánamo é sinal de reconhecimento da força e da legitimidade
dos Talibã.
Sargento Bowe Bergdahl |
O exército dos EUA é a maior piada que há hoje para o mundo rir – escreveu o sargento Bergdahl num e-mail depois publicado pela revista Rolling Stone.
É dura condenação para qualquer exército em dificuldades. E foi escrita por um soldado norte-americano, Bowe Bergdahl, no último e-mail para o pai e a mãe, enviado pouco antes de ele abandonar sua base no leste do Afeganistão, dia 30/6/2009.
Em questão de horas Bergdahl foi capturado pelos Talibã, que o mantiveram prisioneiro por cinco anos, até ser trocado por cinco altos comandantes dos Talibã que estavam presos na prisão norte-americana na Baía de Guantánamo.
O exército dos EUA é a maior piada que há hoje para o mundo rir. É
exército de mentirosos, traidores, doidos e pervertidos. Os poucos
sargentos que prestam estão caindo fora o mais depressa que podem, e
recomendam que nós, os cabos, façamos o mesmo − escreveu o sargento Bergdahl num e-mail depois publicado pela revista Rolling Stone.
O Sargento Bergdahl alistou-se no exército quando faltavam soldados para mandar ao Afeganistão como parte de “avançada” [orig. surge]
no número de brigadas de combate naquele país. Com absoluta falta de
alistados, os EUA começaram a distribuir “credenciais” a recrutas
acusados de crimes ou que tinham problemas com drogas e que antes haviam
sido rejeitados pelo Exército. No caso do Sargento Bergdahl, campeão de
tiro, bem educado e com uma visão romântica do que seria servir
profissionalmente ao exército, a desilusão não demorou a implantar-se.
Sua
companhia estava em desarranjo e com o moral baixo. Ele reclama que
três bons sargentos foram obrigados a trocar de companhia e “não há
maior merda do que ser mandado comandar essa equipe”. O comandante de
seu batalhão era “velho, doido e arrogante” e os outros oficiais não
eram melhores:
No exército dos EUA, você é perseguido se for honesto (...), mas se for um merda arrogante rico você pode fazer o que quiser e sempre acabará promovido.
O
Sargento Bergdahl levou a sério a estratégia de contrainsurgência, que
ele supunha que visasse a ganhar “corações e mentes” dos afegãos. Mas em
vez disso, só viu que os soldados norte-americanos tratavam os afegãos
com menosprezo agressivo:
Tenho
vergonha de tudo que vejo aqui. Essas pessoas precisam de ajuda, mas o
que recebem é o país mais arrogante do mundo a dizer a eles que eles não
prestam, que são estúpidos, que não sabem viver.
Conta
que viu uma criança afegã ser esmagada por um tanque blindado dos EUA,
evento que seus pais estimam que tenha sido o que o levou a abandonar a
base. O pai do Sargento Bergahl respondeu à última mensagem do filho com
um e-mail no qual se lia, no campo “Assunto”: “Obedeça sua consciência”.
A seguir vídeo completo (tradução desnecessária) da libertação do Sargento Bergdahl:
As
histórias da vida dos seis homens – cinco afegãos e um americano – que
foram trocados nessa final de semana mostra o quão rapidamente o
espírito dos exércitos no Afeganistão pode mudar, de plena confiança na
vitória, para frustração e derrota. No verão de 2001, os Talibã
acreditavam, com razão, que estavam próximos de tomar todo o
Afeganistão, com seus inimigos cercados nas montanhas do nordeste.
Mas
o 11/9/2001 mudou tudo isso e, em novembro, os EUA estavam em avançada e
já haviam obtido sucesso fácil. Oito anos depois, as razões do sargento
Bergdahl para abandonar a própria base sem autorização ilustram o
quanto, até que ponto, o Afeganistão converteu-se, para os EUA, em
guerra desmoralizante e impossível de vencer.
Os
Talibã também viram azedar suas esperanças de vitória, e em período
ainda mais curto. Mullah Mohammed Fazl, também conhecido como Mullah
Fazel Mazloom, comandava 10 mil Talibã considerados responsáveis pelos
massacres dos hazara e tadjiques no norte do Afeganistão. Rendeu-se à
Aliança do Norte, da oposição, em 2001. Com ele, estava o governador da
província de Balkh, Mullah Norullah Noori. Foram embarcados no navio de
guerra USS Bataan e dali enviados para a prisão de Guantánamo.
Desde
o início das primeiras conversas exploratórias entre os EUA e os
Talibã, a primeira demanda dos Talibã sempre foi a libertação desses
dois comandantes. Outro nome, na mesma lista, era Khirullah Said Wali
Khairkhwa, fundador dos Talibã em 1994.
Naqueles
dias, EUA super-autoconfiantes não viam razão alguma para ceder a
qualquer demanda dos Talibã, nem davam qualquer importância a
ex-comandantes Talibã. Os dois detentos remanescentes, também trocados
afinal essa semana pelo sargento Bergdahl, são altos oficiais da
segurança dos Talibã.
QUEM
teria suposto, no final de 2001, que 13 anos depois, os EUA estariam
trocando prisioneiros com os Talibã? Para os EUA, receber de volta o
único prisioneiro norte-americano que ainda havia naquele país os afasta
ainda mais do Afeganistão. Para os afegãos, receber de volta os seus
cinco comandantes é sinal e reconhecimento da força e da legitimidade
dos Talibã.
[*] Patrick Cockburn (nasceu
05 de março de 1950) é um jornalista irlandês que tem sido correspondente no
Oriente Médio desde 1979 para o Financial Times e,
atualmente, The
Independent.
Está entre os
comentaristas mais experientes no Iraque; escreveu quatro livros sobre a
história recente do país. Recebeu o vários prêmios por seu trabalho incluindo o
Prêmio Gellhorn Martha em 2005, o Prêmio James Cameron em 2006 e o Prêmio Orwell
de Jornalismo em 2009.
Cockburn escreveu três
livros sobre o Iraque: One, Out of the Ashes: The Resurrection
of Saddam Hussein, escrito em parceria com seu irmão Andrew Cockburn, antes
da guerra no Iraque. O mesmo livro foi mais tarde re-publicado na Grã-Bretanha
com o título: Saddam Hussein: An American Obsession. Mais dois foram
escritos por Patrick sozinho após a invasão dos EUA e após a sua reportagem
premiada do Iraque. Escreve também para CounterPunch e London
Review of Books.
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