quarta-feira, 4 de junho de 2014

Revelações de Bowe Bergdahl: E-mails mostram extensão do fracasso dos EUA no Afeganistão

3/6/2014, [*]  Patrick CockburnThe Independent, UK e ICH
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Para os EUA, receber de volta o único prisioneiro norte-americano que ainda havia naquele país os afasta ainda mais do Afeganistão. Para os afegãos, receber de volta os seus cinco comandantes prisioneiros em Guantánamo é sinal de reconhecimento da força e da legitimidade dos Talibã.

Sargento Bowe Bergdahl
O exército dos EUA é a maior piada que há hoje para o mundo rir – escreveu o sargento Bergdahl num e-mail depois publicado pela revista Rolling Stone.

É dura condenação para qualquer exército em dificuldades. E foi escrita por um soldado norte-americano, Bowe Bergdahl, no último e-mail para o pai e a mãe, enviado pouco antes de ele abandonar sua base no leste do Afeganistão, dia 30/6/2009.

Em questão de horas Bergdahl foi capturado pelos Talibã, que o mantiveram prisioneiro por cinco anos, até ser trocado por cinco altos comandantes dos Talibã que estavam presos na prisão norte-americana na Baía de Guantánamo.

O exército dos EUA é a maior piada que há hoje para o mundo rirÉ exército de mentirosos, traidores, doidos e pervertidos. Os poucos sargentos que prestam estão caindo fora o mais depressa que podem, e recomendam que nós, os cabos, façamos o mesmo − escreveu o sargento Bergdahl num e-mail depois publicado pela revista Rolling Stone.

O Sargento Bergdahl alistou-se no exército quando faltavam soldados para mandar ao Afeganistão como parte de “avançada” [orig. surge] no número de brigadas de combate naquele país. Com absoluta falta de alistados, os EUA começaram a distribuir “credenciais” a recrutas acusados de crimes ou que tinham problemas com drogas e que antes haviam sido rejeitados pelo Exército. No caso do Sargento Bergdahl, campeão de tiro, bem educado e com uma visão romântica do que seria servir profissionalmente ao exército, a desilusão não demorou a implantar-se.

Sua companhia estava em desarranjo e com o moral baixo. Ele reclama que três bons sargentos foram obrigados a trocar de companhia e “não há maior merda do que ser mandado comandar essa equipe”. O comandante de seu batalhão era “velho, doido e arrogante” e os outros oficiais não eram melhores:

No exército dos EUA, você é perseguido se for honesto (...), mas se for um merda arrogante rico você pode fazer o que quiser e sempre acabará promovido.

O Sargento Bergdahl levou a sério a estratégia de contrainsurgência, que ele supunha que visasse a ganhar “corações e mentes” dos afegãos. Mas em vez disso, só viu que os soldados norte-americanos tratavam os afegãos com menosprezo agressivo:

Tenho vergonha de tudo que vejo aqui. Essas pessoas precisam de ajuda, mas o que recebem é o país mais arrogante do mundo a dizer a eles que eles não prestam, que são estúpidos, que não sabem viver.

Conta que viu uma criança afegã ser esmagada por um tanque blindado dos EUA, evento que seus pais estimam que tenha sido o que o levou a abandonar a base. O pai do Sargento Bergahl respondeu à última mensagem do filho com um e-mail no qual se lia, no campo “Assunto”: “Obedeça sua consciência”.

A seguir vídeo completo (tradução desnecessária) da libertação do Sargento Bergdahl:


As histórias da vida dos seis homens – cinco afegãos e um americano – que foram trocados nessa final de semana mostra o quão rapidamente o espírito dos exércitos no Afeganistão pode mudar, de plena confiança na vitória, para frustração e derrota. No verão de 2001, os Talibã acreditavam, com razão, que estavam próximos de tomar todo o Afeganistão, com seus inimigos cercados nas montanhas do nordeste.

Mas o 11/9/2001 mudou tudo isso e, em novembro, os EUA estavam em avançada e já haviam obtido sucesso fácil. Oito anos depois, as razões do sargento Bergdahl para abandonar a própria base sem autorização ilustram o quanto, até que ponto, o Afeganistão converteu-se, para os EUA, em guerra desmoralizante e impossível de vencer.

Os Talibã também viram azedar suas esperanças de vitória, e em período ainda mais curto. Mullah Mohammed Fazl, também conhecido como Mullah Fazel Mazloom, comandava 10 mil Talibã considerados responsáveis pelos massacres dos hazara e tadjiques no norte do Afeganistão. Rendeu-se à Aliança do Norte, da oposição, em 2001. Com ele, estava o governador da província de Balkh, Mullah Norullah Noori. Foram embarcados no navio de guerra USS Bataan e dali enviados para a prisão de Guantánamo.

Desde o início das primeiras conversas exploratórias entre os EUA e os Talibã, a primeira demanda dos Talibã sempre foi a libertação desses dois comandantes. Outro nome, na mesma lista, era Khirullah Said Wali Khairkhwa, fundador dos Talibã em 1994.

Naqueles dias, EUA super-autoconfiantes não viam razão alguma para ceder a qualquer demanda dos Talibã, nem davam qualquer importância a ex-comandantes Talibã. Os dois detentos remanescentes, também trocados afinal essa semana pelo sargento Bergdahl, são altos oficiais da segurança dos Talibã.

QUEM teria suposto, no final de 2001, que 13 anos depois, os EUA estariam trocando prisioneiros com os Talibã? Para os EUA, receber de volta o único prisioneiro norte-americano que ainda havia naquele país os afasta ainda mais do Afeganistão. Para os afegãos, receber de volta os seus cinco comandantes é sinal e reconhecimento da força e da legitimidade dos Talibã.


[*] Patrick Cockburn (nasceu 05 de março de 1950) é um jornalista irlandês que tem sido correspondente no Oriente Médio desde 1979 para o Financial Times e, atualmente, The Independent.
Está entre os comentaristas mais experientes no Iraque; escreveu quatro livros sobre a história recente do país. Recebeu o vários prêmios por seu trabalho incluindo o Prêmio Gellhorn Martha em 2005, o Prêmio James Cameron em 2006 e o Prêmio Orwell de Jornalismo em 2009. 
Cockburn escreveu três livros sobre o Iraque: One, Out of the Ashes: The Resurrection of Saddam Hussein, escrito em parceria com seu irmão Andrew Cockburn, antes da guerra no Iraque. O mesmo livro foi mais tarde re-publicado na Grã-Bretanha com o título: Saddam Hussein: An American Obsession. Mais dois foram escritos por Patrick sozinho após a invasão dos EUA e após a sua reportagem premiada do Iraque. Escreve também para CounterPunch e London Review of Books.

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