terça-feira, 24 de junho de 2014

Khamenei fala sobre o Iraque

22/6/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


O supremo líder do Irã, aiatolá Ali Khamenei, quebrou no domingo o seu silêncio sobre os desenvolvimentos no Iraque. A Agência Fars de Notícias (agência semioficial) noticiou que Khamenei formulou quatro pontos principais:

a) As potências ocidentais hegemônicas, especialmente os EUA, são responsáveis pela crise no Iraque.

b) Os EUA instigaram a crise para tentar inverter os resultados das recentes eleições parlamentares no Iraque, e “dominar o Iraque e impor no poder governantes que obedeçam aos EUA”.

c) Sobre o que dizem funcionários dos EUA que tentam apresentar o conflito no Iraque como guerra sectária, o Aiatolá disse: O que aconteceu no Iraque não é guerra entre xiitas e sunitas, e os principais elementos por trás das sedições no Iraque são hostis aos crentes sunitas e aos que creem na independência do Iraque, tanto quanto são hostis aos xiitas.  

d) Teerã opõe-se a intervenção estrangeira no Iraque [vide excerto da fala de Khamenei, traduzida, na nota, ao final (NTs)]. [1]

O timing dessa fala é importante.

Khamenei falou dois dias depois de o presidente Barack Obama dos EUA ter ordenado o envio de um contingente de 300 conselheiros militares para Bagdá. Evidentemente, Teerã fez análise de amplo espectro da situação do Iraque e entendeu que Washington está operando para tentar fazer “mudança de regime” em Bagdá, derrubando o primeiro-ministro Nouri Al-Maliki.

Teerã chegou à conclusão de que, sim, há mão norte-americana diretamente por trás do que está sendo apresentado ao mundo como levante de um grupo Estado Islâmico do Iraque e Levante [ISIL/ISIS], mas envolve elementos que pertencem ao velho “Despertar” [orig. “Awakening”], que os serviços de espionagem dos EUA criaram durante o período da ocupação.

Aiatolá Khomeini
Interessante, também, que o comandante dos Basij iranianos (força paramilitar criada pelo Imã Khomeini, ligada ao Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos e que se reporta diretamente ao Supremo Líder), general Mohammad Reza Naqdi (assessor muito próximo de Khamenei e experimentado oficial de inteligência) tenha divulgado hoje em Teerã a surpreendente descoberta de que a inteligência dos EUA “atraiu e traiu” alguns comandantes ex-Ba’athistas do exército iraquiano em Mosul, em movimento que os arrastou para posição em que foram derrotados.

A fala de Khamenei aparece hoje, como um choque de realidade. Implica reconhecer, definitivamente, que nenhum tipo de diálogo significativo entre Washington e Teerã é possível agora, porque o Irã absolutamente não confia nas intenções dos norte-americanos no Iraque.

Teerã está em total e efetiva oposição, contra o jogo dos EUA para derrubar Maliki, cujo grupo emergiu como o maior dentre os eleitos nas recentes eleições parlamentares, obtendo 98 das 328 cadeiras com direito a voto no Parlamento do Iraque.

Bem claramente, Khamenei jogou água fria na conversa dos “especialistas” e “jornalistas” norte-americanos, de que haveria ali, ao alcance da mão, virando a esquina, a possibilidade de uma aliança EUA-Irã, sobre o Iraque.

Teerã também entendeu que pode haver esforço conjunto por trás do levante aparente do ISIL no norte do Iraque, e esforço que pode estar envolvendo os EUA e seus aliados do Golfo. Não há dúvidas de que o Irã deu a devida consideração ao fato de que o secretário de estado dos EUA, John Kerry deu rápida passada pelo Cairo hoje, de repente, sem mais nem menos, imediatamente depois da extraordinária viagem também ao Cairo, que fez o rei Abdullah da Arábia Saudita, declaradamente para dar os parabéns a Abdel Fattah al-Sisi recém eleito. (O rei Abdullah, homem de saúde muito frágil, jamais viaja).

De fato, em comentário à parte, no domingo, o presidente do Conselho de Providências do Irã e ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani repetiu que o “golpe” [orig. “plot”] no Iraque foi “urdido pelo ocidente, especialmente pelos EUA” e que “mãos ocultas” de “certos países regionais e de fora” apoiam o ISIL/ISIS [2] [vide excerto da fala de Rafsanjani, traduzida, na nota, ao final (NTs)].


NOTAS E TEXTOS CITADOS TRADUZIDOS

[1] Supremo Líder Culpa o Ocidente por Crise no Iraque e opõe-se a intervenção estrangeira

22/6/2014, Agência Fars, Teerã
(Excerto do discurso do Aiatolá Seyed Ali Khamenei e Mohammad Reza Naqdi)

Aiatolá Sayed Ali Khamenei

Teerã (FNA) – O supremo líder da Revolução Islâmica aiatolá Seyed Ali Khamenei responsabilizou os EUA e outras potências ocidentais pela crise pela qual está passando o Iraque, e manifestou sua oposição a qualquer intervenção externa naquele país muçulmano.

Sadeq Amoli Larijani
“Na questão do Iraque, as potências ocidentais hegemônicas, especialmente os EUA, buscam aproveitar-se da ignorância e do viés nas posições de vários elementos sem poder para decidir” – disse o aiatolá Khamenei em encontro com o chefe do Judiciário, Sadeq Amoli Larijani, e outros altos funcionários do Judiciário iraniano, em Teerã, nesse domingo.

O Supremo Líder destacou que os inimigos visam a privar a nação iraquiana de tudo que conseguiu realizar depois que as forças dos EUA retiraram-se do país; a mais importante dessas realizações foi construir um sistema democrático.

“Os EUA não gostaram do resultado das eleições, com alto comparecimento de eleitores e o povo escolhendo os próprios governantes, porque os EUA querem dominar o Iraque e pôr no poder gente que obedeça aos EUA”.

O Aiatolá Khamenei referiu-se ao que disseram funcionários dos EUA que tentam apresentar o conflito no Iraque como guerra sectária, e disse: “O que aconteceu no Iraque não é guerra entre xiitas e sunitas, e os principais elementos por trás das sedições no Iraque são hostis aos crentes sunitas e aos que creem na independência do Iraque, tanto quanto são hostis aos xiitas”.

Disse que o Irã opõe-se a intervenção estrangeira no Iraque: “Acreditamos que o governo e a nação iraquiana e a liderança religiosa do país são capazes de pôr fim à sedição e, se Deus quiser, conseguirão fazê-lo”.

Depois dos recentes ataques terroristas levados a efeito pelo Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIL) muitos oficiais iranianos culparam as potências ocidentais, especificamente os EUA, pela crise no Iraque.

Mohammad Reza Naqdi
Em comentários importantes no sábado, o comandante da Força Basij [voluntários] do Irã, general-brigadeiro Mohammad Reza Naqdi destacou que a recente crise no Iraque foi resultado da colaboração de grupos terroristas com membros do Partido Ba’ath e operações de espionagem dos EUA.

“Os norte-americanos revelaram seus golpes depois do fracasso dos grupos seus preferidos nas eleições parlamentares no Iraque, e entraram em cena para “maquiar” o fracasso deles próprios, naquelas eleições” – disse Naqdi em Teerã.

Disse que o norte do Iraque foi rendido por grupos terroristas, depois que vários comandantes do exército do Iraque foram traídos pelos EUA e enviaram unidades para que se unissem ao ISIL/ISIS.

Naqdi disse que enganar os comandantes iraquianos, alguns dos quais foram forças do antigo Partido Ba’ath, teria sido impossível sem a atividade e a coordenação das agências de espionagem.

“As ações recentes dos norte-americanos no Iraque não são campanha de guerrilha; eles lá só conduziram operações de espionagem”.

Disse que o objetivo da crise criada pelo ISIL/ISIS, por ex-Ba’athistas e pela agência de espiões dos EUA no Iraque é semear a discórdia entre muçulmanos xiitas e sunitas iraquianos.

Mais cedo, Naqdi havia dito que os recentes ataques pelos terroristas do ISIL/ISIS no Iraque são novo golpe pelos EUA, para criar discórdia entre o povo iraquiano.

“A cena que eles criaram no Iraque é o resultado das tentativas dos EUA, por trás das cortinas, para semear discórdia, e com certeza os norte-americanos são o principal agente por trás daqueles eventos” – disse na cidade de Ramsar, no norte do Iraque, na 4ª-feira (18/6/2014).

Disse também que os EUA e seus aliados dão tal importância ao petróleo do Iraque que fariam qualquer coisa que possam para proteger seus interesses nesse campo.

Ali Shamkhani
No início do mês, o secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã [ing. SNSC], Ali Shamkhani, em encontro com o primeiro-ministro do Governo Regional do Curdistão Iraquiano (KRG), Nechirvan Barzani, também responsabilizara estados ocidentais e regionais pela atual crise no Iraque.

“A atual crise no Iraque é resultado da intromissão e da colaboração de inimigos da nação iraquiana, que tentam impedir que o desejo e a determinação do povo iraquiano ganhem expressão política e convertam-se em ações” – disse Shamkhani, em reunião em Teerã.

Conclamou os curdos, xiitas e sunitas iraquianos a unirem-se e defender o país, de modo a que seja possível restaurar a paz, a tranquilidade e a segurança, afastando o perigo do terrorismo que se espalha pela região.

[2] “Rafsanjani diz que Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL) é golpe urdido pelo ocidente, especialmente pelos EUA”

22/6/2014, Agência Fars,
(Excerto das falas de Rafsanjani e Kazzem Jalali)

Akbar Hashemi Rafsanjani

Teerã (FNA) – O presidente do Conselho de Providências do Irã, Akbar Hashemi Rafsanjani, disse que Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIL/ISIS) é golpe urdido pelo ocidente, especialmente pelos EUA.

“Os atos de terrorismo do ISIL/ISIS agridem toda a região” – disse Hashemi Rafsanjani.

Repetiu que “mãos ocultas – países regionais e outros – criaram e estão apoiando os terroristas do ISIL/ISIS, e que geraram situação muito complicada na região”.

Disse, de recentes desenvolvimentos no Iraque, que “Os movimentos e atos do grupo terrorista no Iraque são muito graves e exigem estudo profundo e detalhado, e vigilância”.

Em importantes comentários distribuídos no sábado, um alto funcionário do Legislativo iraniano criticou pesadamente o presidente Barack Obama dos EUA, por imiscuir-se nos assuntos internos do Iraque e “ordenar” ao primeiro-ministro Nouri al-Maliki que desistisse de retomar o cargo, no futuro governo.

Kazem Jalali
“O Iraque é país democrático, houve eleições recentemente para o Parlamento, e o futuro governo será formado conforme a escolha popular. Assim sendo, nenhum país e nenhuma pessoa tem direito de imiscuir-se em assuntos internos do Iraque” – disse à Agência de Notícias Fars o deputado e presidente da Comissão de Segurança Nacional e Assuntos Externos do Parlamento, Kazem Jalali.

Disse também que os EUA, que estão financiando e apoiando os grupos terroristas, criaram a atual situação no Iraque, tentam fugir da própria responsabilidade e, agora, tentam jogar a culpa sobre outros.

Jalali manifestou profunda lástima, agora que a política de “duas caras” dos EUA em matéria de terrorismo já gerou os crimes e cenas criminosas a que o mundo está assistindo na Síria e no Iraque.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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