22/6/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O supremo líder do Irã, aiatolá Ali
Khamenei, quebrou no domingo o seu silêncio sobre os desenvolvimentos no
Iraque. A Agência Fars de Notícias (agência semioficial) noticiou que Khamenei
formulou quatro pontos principais:
a) As potências ocidentais hegemônicas,
especialmente os EUA, são responsáveis pela crise no Iraque.
b) Os EUA instigaram a crise para tentar
inverter os resultados das recentes eleições parlamentares no Iraque, e
“dominar o Iraque e impor no poder governantes que obedeçam aos EUA”.
c) Sobre o que
dizem funcionários dos EUA que tentam apresentar o conflito no Iraque como guerra
sectária, o Aiatolá disse: O que
aconteceu no Iraque não é guerra entre xiitas e sunitas, e os principais
elementos por trás das sedições no Iraque são hostis aos crentes sunitas e aos
que creem na independência do Iraque, tanto quanto são hostis aos xiitas.
d) Teerã opõe-se a intervenção
estrangeira no Iraque [vide excerto da fala de Khamenei, traduzida, na
nota, ao final (NTs)]. [1]
O timing dessa fala é importante.
Khamenei falou dois dias depois de o
presidente Barack Obama dos EUA ter ordenado o envio de um contingente de 300
conselheiros militares para Bagdá. Evidentemente, Teerã fez análise de amplo
espectro da situação do Iraque e entendeu que Washington está operando para
tentar fazer “mudança de regime” em Bagdá, derrubando o primeiro-ministro Nouri
Al-Maliki.
Teerã chegou à conclusão de que, sim, há
mão norte-americana diretamente por trás do que está sendo apresentado ao mundo
como levante de um grupo Estado Islâmico do Iraque e Levante [ISIL/ISIS],
mas envolve elementos que pertencem ao velho “Despertar” [orig. “Awakening”],
que os serviços de espionagem dos EUA criaram durante o período da ocupação.
Aiatolá Khomeini |
Interessante, também, que o comandante
dos Basij iranianos (força paramilitar criada pelo Imã Khomeini, ligada
ao Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos e que se reporta diretamente ao
Supremo Líder), general Mohammad Reza Naqdi (assessor muito próximo de Khamenei
e experimentado oficial de inteligência) tenha divulgado hoje em Teerã a
surpreendente descoberta de que a inteligência dos EUA “atraiu e traiu” alguns
comandantes ex-Ba’athistas do exército iraquiano em Mosul, em movimento que os
arrastou para posição em que foram derrotados.
A fala de Khamenei aparece hoje, como um
choque de realidade. Implica reconhecer, definitivamente, que nenhum tipo de
diálogo significativo entre Washington e Teerã é possível agora, porque o Irã
absolutamente não confia nas intenções dos norte-americanos no Iraque.
Teerã está em total e efetiva oposição,
contra o jogo dos EUA para derrubar Maliki, cujo grupo emergiu como o maior
dentre os eleitos nas recentes eleições parlamentares, obtendo 98 das 328
cadeiras com direito a voto no Parlamento do Iraque.
Bem claramente, Khamenei jogou água fria
na conversa dos “especialistas” e “jornalistas” norte-americanos, de que
haveria ali, ao alcance da mão, virando a esquina, a possibilidade de uma
aliança EUA-Irã, sobre o Iraque.
Teerã também entendeu que pode haver
esforço conjunto por trás do levante aparente do ISIL no norte
do Iraque, e esforço que pode estar envolvendo os EUA e seus aliados do Golfo.
Não há dúvidas de que o Irã deu a devida consideração ao fato de que o
secretário de estado dos EUA, John Kerry
deu rápida passada pelo Cairo hoje,
de repente, sem mais nem menos, imediatamente depois da extraordinária
viagem também ao Cairo, que fez o rei Abdullah da
Arábia Saudita, declaradamente
para dar os parabéns a Abdel Fattah al-Sisi recém eleito. (O rei Abdullah,
homem de saúde muito frágil, jamais viaja).
De fato, em comentário à parte, no
domingo, o presidente do Conselho de Providências do Irã e ex-presidente Akbar
Hashemi Rafsanjani repetiu que o “golpe” [orig. “plot”] no Iraque foi
“urdido pelo ocidente, especialmente pelos EUA” e que “mãos ocultas” de “certos
países regionais e de fora” apoiam o ISIL/ISIS [2] [vide excerto da fala de Rafsanjani, traduzida,
na nota, ao final
(NTs)].
NOTAS E TEXTOS CITADOS TRADUZIDOS
[1] Supremo Líder Culpa o Ocidente por Crise no Iraque e
opõe-se a intervenção estrangeira
22/6/2014, Agência
Fars, Teerã
(Excerto do discurso do
Aiatolá Seyed Ali Khamenei e Mohammad
Reza Naqdi)
Aiatolá Sayed Ali Khamenei |
Teerã (FNA) – O supremo líder da
Revolução Islâmica aiatolá Seyed Ali Khamenei responsabilizou os EUA e outras
potências ocidentais pela crise pela qual está passando o Iraque, e manifestou
sua oposição a qualquer intervenção externa naquele país muçulmano.
Sadeq Amoli Larijani |
“Na questão do Iraque, as potências
ocidentais hegemônicas, especialmente os EUA, buscam aproveitar-se da
ignorância e do viés nas posições de vários elementos sem poder para decidir” –
disse o aiatolá Khamenei em encontro com o chefe do Judiciário, Sadeq Amoli
Larijani, e outros altos funcionários do Judiciário iraniano, em Teerã, nesse
domingo.
O Supremo Líder destacou que os inimigos
visam a privar a nação iraquiana de tudo que conseguiu realizar depois que as
forças dos EUA retiraram-se do país; a mais importante dessas realizações foi
construir um sistema democrático.
“Os EUA não gostaram do resultado das
eleições, com alto comparecimento de eleitores e o povo escolhendo os próprios
governantes, porque os EUA querem dominar o Iraque e pôr no poder gente que
obedeça aos EUA”.
O Aiatolá Khamenei referiu-se ao que disseram
funcionários dos EUA que tentam apresentar o conflito no Iraque como guerra
sectária, e disse: “O que aconteceu no Iraque não é guerra entre xiitas e
sunitas, e os principais elementos por trás das sedições no Iraque são hostis
aos crentes sunitas e aos que creem na independência do Iraque, tanto quanto
são hostis aos xiitas”.
Disse que o Irã opõe-se a intervenção
estrangeira no Iraque: “Acreditamos que o governo e a nação iraquiana e a
liderança religiosa do país são capazes de pôr fim à sedição e, se Deus quiser,
conseguirão fazê-lo”.
Depois dos recentes ataques terroristas
levados a efeito pelo Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIL) muitos
oficiais iranianos culparam as potências ocidentais, especificamente os EUA,
pela crise no Iraque.
Mohammad Reza Naqdi |
Em comentários importantes no sábado, o
comandante da Força Basij [voluntários] do Irã, general-brigadeiro
Mohammad Reza Naqdi destacou que a recente crise no Iraque foi resultado da
colaboração de grupos terroristas com membros do Partido Ba’ath e operações de
espionagem dos EUA.
“Os norte-americanos revelaram seus
golpes depois do fracasso dos grupos seus preferidos nas eleições parlamentares
no Iraque, e entraram em cena para “maquiar” o fracasso deles próprios,
naquelas eleições” – disse Naqdi em Teerã.
Disse que o norte do Iraque foi rendido
por grupos terroristas, depois que vários comandantes do exército do Iraque
foram traídos pelos EUA e enviaram unidades para que se unissem ao ISIL/ISIS.
Naqdi disse que enganar os comandantes
iraquianos, alguns dos quais foram forças do antigo Partido Ba’ath, teria sido
impossível sem a atividade e a coordenação das agências de espionagem.
“As ações recentes dos norte-americanos
no Iraque não são campanha de guerrilha; eles lá só conduziram operações de
espionagem”.
Disse que o objetivo da crise criada
pelo ISIL/ISIS, por ex-Ba’athistas e pela agência de espiões dos EUA no
Iraque é semear a discórdia entre muçulmanos xiitas e sunitas iraquianos.
Mais cedo, Naqdi havia dito que os
recentes ataques pelos terroristas do ISIL/ISIS no Iraque são novo golpe
pelos EUA, para criar discórdia entre o povo iraquiano.
“A cena que eles criaram no Iraque é o
resultado das tentativas dos EUA, por trás das cortinas, para semear discórdia,
e com certeza os norte-americanos são o principal agente por trás daqueles
eventos” – disse na cidade de Ramsar, no norte do Iraque, na 4ª-feira (18/6/2014).
Disse também que os EUA e seus aliados
dão tal importância ao petróleo do Iraque que fariam qualquer coisa que possam
para proteger seus interesses nesse campo.
Ali Shamkhani |
No início do mês, o secretário do
Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã [ing. SNSC], Ali
Shamkhani, em encontro com o primeiro-ministro do Governo Regional do Curdistão
Iraquiano (KRG), Nechirvan Barzani, também responsabilizara estados
ocidentais e regionais pela atual crise no Iraque.
“A atual crise no Iraque é resultado da
intromissão e da colaboração de inimigos da nação iraquiana, que tentam impedir
que o desejo e a determinação do povo iraquiano ganhem expressão política e
convertam-se em ações” – disse Shamkhani, em reunião em Teerã.
Conclamou os curdos, xiitas e sunitas
iraquianos a unirem-se e defender o país, de modo a que seja possível restaurar
a paz, a tranquilidade e a segurança, afastando o perigo do terrorismo que se
espalha pela região.
[2] “Rafsanjani diz que
Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL) é golpe urdido pelo
ocidente, especialmente pelos EUA”
22/6/2014, Agência Fars,
(Excerto das falas de
Rafsanjani e Kazzem Jalali)
Akbar Hashemi Rafsanjani |
Teerã (FNA) – O presidente do
Conselho de Providências do Irã, Akbar Hashemi Rafsanjani, disse que Estado
Islâmico do Iraque e Levante (ISIL/ISIS) é golpe urdido pelo ocidente,
especialmente pelos EUA.
“Os atos de terrorismo do ISIL/ISIS
agridem toda a região” – disse Hashemi Rafsanjani.
Repetiu que “mãos ocultas – países
regionais e outros – criaram e estão apoiando os terroristas do ISIL/ISIS,
e que geraram situação muito complicada na região”.
Disse, de recentes desenvolvimentos no
Iraque, que “Os movimentos e atos do grupo terrorista no Iraque são muito
graves e exigem estudo profundo e detalhado, e vigilância”.
Em importantes comentários distribuídos
no sábado, um alto funcionário do Legislativo iraniano criticou pesadamente o
presidente Barack Obama dos EUA, por imiscuir-se nos assuntos internos do
Iraque e “ordenar” ao primeiro-ministro Nouri al-Maliki que desistisse de retomar
o cargo, no futuro governo.
Kazem Jalali |
“O Iraque é país democrático, houve
eleições recentemente para o Parlamento, e o futuro governo será formado
conforme a escolha popular. Assim sendo, nenhum país e nenhuma pessoa tem
direito de imiscuir-se em assuntos internos do Iraque” – disse à Agência de
Notícias Fars o deputado e presidente da Comissão de Segurança Nacional e
Assuntos Externos do Parlamento, Kazem Jalali.
Disse também que os EUA, que estão
financiando e apoiando os grupos terroristas, criaram a atual situação no
Iraque, tentam fugir da própria responsabilidade e, agora, tentam jogar a culpa
sobre outros.
Jalali manifestou profunda lástima,
agora que a política de “duas caras” dos EUA em matéria de terrorismo já gerou
os crimes e cenas criminosas a que o mundo está assistindo na Síria e no
Iraque.
________________
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços
na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão
e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança
para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information
Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian
Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran
(1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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