sexta-feira, 20 de junho de 2014

Pepe Escobar: “Tony Blair, Fantasma da Ópera”

18/6/2014, [*] Pepe Escobar, RT −Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Tony Blair (real)
O Fantasma da (trágica) Ópera Oriente Médio voltou. Matador que não deixa pegadas, não pode ser acusado de algum dia ter deixado de ser o sempre mesmo assassino insistente.

Sua mais recente obra fala por ela mesma: como uma máscara Kabuki empapada de chá Earl Grey, o Fantasma está sendo destripado com sua própria caneta, de fato, espada.

O fato de que o Fantasma mais uma vez, como sempre, consegue safar-se com seu vasto deserto de mentiras enroladas – em vez de ser mandado apodrecer em algum daqueles buracos de ‘entrega extraordinária’ – é eloquente do muito que ainda nos falta saber sobre as chamadas ‘elites’ ocidentais, das quais o Fantasma é lambe-botas fiel e prodigamente recompensado.

Quer dizer então que a “inação” ocidental na Síria... teria levado à mais nova tragédia no Iraque?! Desculpe, Tony, mas... Foi a sua ação, sua e de “Dábliu”, em 2003, aquela ação de “Choque e Pavor” de vocês; foi a ação de vocês que pôs em andamento toda essa tragédia shakespeareana.

O Fantasma sempre quis que o governo Obama bombardeasse a Síria, tanto quanto insistiu para que “Dábliu” destruísse logo o Iraque. A lógica do Fantasma nunca considerou que teria instalado em Damasco o mesmo Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIL) que hoje avança rumo a Bagdá.

E há a tal salvação que nunca para de desabar por lá – essa infindável, reciclada, reembalada “Guerra Global ao Terror” [orig. Global War on Terror (GWOT)], da qual o Fantasma foi o primeiro limpa-bosta. Assim sendo, o Fantasma tinha de estar a bordo da mais recente loucura norte-americana – que se chama ISIL como avatar de um novo 11/9.

Tony Blair (falso)
Na Síria, o Fantasma foi um dos primeiros instigadores da gangue infestada dos “rebeldes sem causa” de ISIL e da Frente al-Nusra. Se a lógica de bombardeio do Fantasma tivesse sido vitoriosa para a Síria – ele pregava uma Damasco como replay de Bagdá 2003 –, Aleppo seria, já há algum tempo, avatar de Mosul.

Quanto mais se mexe, mais o Fantasma se parece e soa como herdeiro de comandantes britânicos – que também não deixavam pistas – no Afeganistão do século 19. Vejam, por exemplo, essa consequência não planejada das bombas dos EUA em 2001 contra o Afeganistão: agora temos hazaras – xiitas afegãos – combatendo lado a lado com iranianos ao lado do exército sírio de Bashar al-Assad, contra os “rebeldes” sírios que o Fantasma tanto apoia. Oh, Tony! Essa, nem seu velho chapa Peter “Senhor das Trevas” Mandelson explicaria.

Por falar nisso, o Fantasma sempre foi crente fiel no “mal” do Irã, e vivia a “alertar” que Teerã estaria a ponto de montar sua bomba atômica (velhos hábitos são duros de matar... O Fantasma já era assim, sem tirar nem pôr, no tempo de Saddam.)  Assim sendo, imaginem seu estupor digno de um Dick Cheney, agora, quando Washington e Teerã estão a ponto de discutir em Viena algum tipo de ação conjunta para combater contra o ISIL no Iraque, e até “mega-falcões” feito o senador Republicano Lindsey Graham andam a ejacular palavras inimagináveis (“Provavelmente precisaremos da ajuda do Irã para conservar Bagdá”).

O Fantasma nunca conseguiria ligar os pontos geopolíticos do Afeganistão e Iraque até Líbia e Síria; seria incapaz de perceber, em resumo, que não há projeto estratégico anglo-norte-americano de política exterior de longo prazo – para o que o Pentágono ainda chama de o “arco de instabilidade”. Se algum dia houve palavra de ordem, foi aquela, de “Dábliu”: “ou você está conosco, ou está com os terroristas”. Agora, é palavra de ordem de pés para cima, porque nesse preciso instante o poder anglo-norte-americano está “com os terroristas”, da Líbia até a Síria; uma perversão previsível da velha, consagrada “Dividir e Governar”.

O governo Obama fará o diabo para arrancar um Acordo para o Estado das Tropas [ing. SOFA] do Afeganistão – expressão em código para “Liberdade Duradoura” para sempre (com forças especiais “discretas” como estrelas invisíveis.) Washington já admitiu que está enviando “ajuda letal” aos rebeldes “moderados” na Síria (em teoria, são os malucos da Frente Islâmica, não a Frente al-Nusra ou o ISIL). Como se os agentes hollyúdeanoides da CIA não soubessem que as tais armas com certeza serão ou compradas ou roubadas pelos jihadistas mais linha duríssima.

Tropas inglesas em Basra, sul do Iraque em 2/7/2004
O ISIL no deserto sem fronteiras entre Síria e Iraque já é um proto-califato. E o revide desse processo de armar esses ditos “moderados” – não há moderados; não há Talibã “moderado” – será nunca menos que horrendo, apavorante. Entre as vítimas haverá curdos na Síria, no Iraque, na Turquia e no Irã; turcomenos no Iraque (já está acontecendo essa semana); e, claro, cristãos por toda a parte (como já aconteceu na Síria).

Bombardear para democratizar (segunda tentativa)

Agora, o Fantasma prega uma “intervenção” dos EUA no Iraque; primeiro, você os mata de fome; depois, bombardeia e bombardeia até pôr em ruínas o país deles; depois, você bombardeia outra vez as mesmas ruínas e chama a coisa de “democracia”; depois você ocupa a coisa; depois, você infesta a coisa com jihadistas; depois, eles chutam o traseiro de vocês e põem vocês a correr de lá; depois, os jihadis fazem o inferno, por lá (agora com o novo alento de US$ 425 milhões roubados de um cofre do governo em Mosul, e sem contar as cargas de dinheiro que chegam dos wahhabistas no Golfo, para comprar todos aqueles Toyotas branquinhos); depois, você reocupa suavemente aquele inferno inteiro. Essa é a salvação que nunca para de desabar por lá.

Quanto à ideia – repetida igualmente pelo Fantasma e pelos neoconservadores norte-americanos – de que o ISIL seria ameaça à segurança ocidental (“tentando fazer mal à Europa, à América e outros povos”, nas palavras de Kerry), é perfeita imbecilidade; é piada tão monumental quanto a vastíssima rede alada de satélites norte-americanos que NÃO CONSEGUEM ver uma longa fila de Toyotas branquinhos avançando pelo deserto ocidental do Iraque – rumo à total desintegração de quatro divisões do exército do Iraque.

Eles disseram que viram, que perceberam, que acompanharam; e que guardaram sigilo. Essa saiu diretamente do manual do Império do Caos. Por que não estimular mais mortes entre sunitas e xiitas? É Dividir para Governar! Eles que comam cadáveres – e se matem uns os outros para sempre, como nos oito anos de guerra Irã-Iraque.

A avançada do ISIL é remix da guerra civil sunitas-xiitas de 2006-2007, cujos efeitos (a pré-avançada norte-americana) documentei em meu livro-reportagem Red Zone Blues. Naquele época, eu tinha base em Bagdá; quando a al-Qaeda-no-Iraque tomou Dora, nos arredores de Bagdá, lá ficaram por pouco tempo. Os próprios sunitas rebelaram-se contra aquela “visão de mundo” medieval jihadista.

Seja como for, o Fantasma conseguiu o que queria: para todas as finalidades práticas, o Iraque está quebrado, irrecuperavelmente fragmentado e não pode ser “consertado” (terminologia de Colin Powell). Os curdos já resolveram um dos problemas mais difíceis de resolver do pós-Choque e Pavor: já reacomodaram a [divisão] Sykes-Picot, tomando a região de Kirkuk, rica em petróleo (para nem falar do planalto de Nineveh).

Forças curdas Peshmerga correm para se esconder depois que um helicóptero do exército iraquiano os confundiu com militantes do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL) em Jalawla na província de Diyala, 14/6/2014.  
E como prova adicional de que o ISIL nada tem a ver com ameaça à segurança ocidental, os tanques e artilharia pesada que capturaram no Iraque foram redirecionados para a Síria, em seu impulso para agredir Damasco.

Tudo isso é demais para o Fantasma digerir. Talvez ele deva começar por ler esta Declaração sobre Eventos Recentes em Mosul e Outras Cidades no Iraque, em que os sindicatos de trabalhadores do Iraque rejeitam tudo que aconteceu desde antes de 2003, antes até de o Fantasma viver seu momento luzes-da-ribalta.

Quanto ao argumento chave do Fantasma, de que o que está acontecendo agora no Iraque seria resultado de pouca – não de muita – produção/promoção de guerras, pelo ocidente, é húbris do Fantasma.

O dito “Oriente Médio” – de fato, o Sudoeste Asiático – é uma ficção ocidental imposta pelas potências coloniais às populações locais. O que o Pentágono descreveu desde o início dos anos 2000 como o “arco de instabilidade” é uma profecia de anarquia que se autocumpre, com pinceladas de (falsa) “paz” representadas por aquelas repugnantes petromonarquias do Conselho de Cooperação do Golfo (tipo precisamos do “nosso” petróleo).

E além do mais, há o lento mas inexorável processo de integração da Eurásia –ao longo das muitas, muitas, miríades de novas rotas da seda comandadas pela China. Tudo isso é anátema para o império do caos e para o seu assecla com o qual mantém a tal “relação especial”. Assim, o Sudoeste Asiático sempre em caos perpétuo é mais que bem-vindo. Podem esperar: o Fantasma, intoxicado de húbris, demandará ainda mais gasolina para jogar sobre sua ópera urdida no ocidente, e que já está em chamas.


[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/  articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.