18/6/2014, [*] Pepe Escobar, RT −Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Tony Blair (real) |
O Fantasma da
(trágica) Ópera Oriente Médio voltou. Matador que não deixa pegadas, não pode
ser acusado de algum dia ter deixado de ser o sempre mesmo assassino
insistente.
Sua mais
recente obra fala por ela mesma: como uma máscara Kabuki empapada de chá Earl
Grey, o Fantasma está sendo destripado com sua própria caneta, de fato, espada.
O fato de que
o Fantasma mais uma vez, como sempre, consegue safar-se com seu vasto deserto
de mentiras enroladas – em vez de ser mandado apodrecer em algum daqueles
buracos de ‘entrega extraordinária’ – é eloquente do muito que ainda nos falta
saber sobre as chamadas ‘elites’ ocidentais, das quais o Fantasma é lambe-botas
fiel e prodigamente recompensado.
Quer dizer
então que a “inação” ocidental na Síria... teria levado à mais nova tragédia no
Iraque?! Desculpe, Tony, mas... Foi a sua ação, sua e de “Dábliu”, em 2003,
aquela ação de “Choque e Pavor” de vocês; foi a ação de vocês que
pôs em andamento toda essa tragédia shakespeareana.
O Fantasma
sempre quis que o governo Obama bombardeasse a Síria, tanto quanto insistiu
para que “Dábliu” destruísse logo o Iraque. A lógica do Fantasma nunca
considerou que teria instalado em Damasco o mesmo Estado Islâmico do Iraque e
Levante (ISIL) que hoje avança rumo a Bagdá.
E há a tal
salvação que nunca para de desabar por lá – essa infindável, reciclada,
reembalada “Guerra Global ao Terror” [orig. Global War on Terror (GWOT)],
da qual o Fantasma foi o primeiro limpa-bosta. Assim sendo, o Fantasma tinha de
estar a bordo da mais recente loucura norte-americana – que se chama ISIL
como avatar de um novo 11/9.
Tony Blair (falso) |
Na Síria, o
Fantasma foi um dos primeiros instigadores da gangue infestada dos “rebeldes
sem causa” de ISIL e da Frente al-Nusra. Se a lógica de
bombardeio do Fantasma tivesse sido vitoriosa para a Síria – ele pregava uma
Damasco como replay de Bagdá 2003 –, Aleppo seria, já há algum tempo,
avatar de Mosul.
Quanto mais
se mexe, mais o Fantasma se parece e soa como herdeiro de comandantes
britânicos – que também não deixavam pistas – no Afeganistão do século 19.
Vejam, por exemplo, essa consequência não planejada das bombas dos EUA em 2001
contra o Afeganistão: agora temos hazaras – xiitas afegãos – combatendo lado a
lado com iranianos ao lado do exército sírio de Bashar al-Assad, contra os
“rebeldes” sírios que o Fantasma tanto apoia. Oh, Tony! Essa, nem seu velho
chapa Peter “Senhor das Trevas”
Mandelson explicaria.
Por falar
nisso, o Fantasma sempre foi crente fiel no “mal” do Irã, e vivia a “alertar”
que Teerã estaria a ponto de montar sua bomba atômica (velhos hábitos são duros
de matar... O Fantasma já era assim, sem tirar nem pôr, no tempo de
Saddam.) Assim sendo, imaginem seu estupor digno de um Dick Cheney,
agora, quando Washington e Teerã estão a ponto de discutir em Viena algum tipo
de ação conjunta para combater contra o ISIL no Iraque, e até
“mega-falcões” feito o senador Republicano Lindsey Graham andam a ejacular
palavras inimagináveis (“Provavelmente precisaremos da ajuda do Irã para
conservar Bagdá”).
O Fantasma
nunca conseguiria ligar os pontos geopolíticos do Afeganistão e Iraque até
Líbia e Síria; seria incapaz de perceber, em resumo, que não há projeto
estratégico anglo-norte-americano de política exterior de longo prazo – para o
que o Pentágono ainda chama de o “arco de instabilidade”. Se algum dia houve
palavra de ordem, foi aquela, de “Dábliu”: “ou você está conosco, ou está com
os terroristas”. Agora, é palavra de ordem de pés para cima, porque nesse preciso
instante o poder anglo-norte-americano está “com os terroristas”, da Líbia até
a Síria; uma perversão previsível da velha, consagrada “Dividir e Governar”.
O governo
Obama fará o diabo para arrancar um Acordo para o Estado das Tropas [ing. SOFA]
do Afeganistão – expressão em código para “Liberdade Duradoura” para sempre
(com forças especiais “discretas” como estrelas invisíveis.) Washington já
admitiu que está enviando “ajuda letal” aos rebeldes “moderados” na Síria (em
teoria, são os malucos da Frente Islâmica, não a Frente al-Nusra ou o ISIL).
Como se os agentes hollyúdeanoides da
CIA não soubessem que as tais armas com certeza serão ou compradas ou roubadas
pelos jihadistas mais linha duríssima.
Tropas inglesas em Basra, sul do Iraque em 2/7/2004 |
O ISIL
no deserto sem fronteiras entre Síria e Iraque já é um proto-califato. E o
revide desse processo de armar esses ditos “moderados” – não há moderados; não
há Talibã “moderado” – será nunca menos que horrendo, apavorante. Entre as
vítimas haverá curdos na Síria, no Iraque, na Turquia e no Irã; turcomenos no
Iraque (já está acontecendo essa semana); e, claro, cristãos por toda a parte
(como já aconteceu na Síria).
Bombardear
para democratizar (segunda tentativa)
Agora, o
Fantasma prega uma “intervenção” dos EUA no Iraque; primeiro, você os mata de
fome; depois, bombardeia e bombardeia até pôr em ruínas o país deles; depois,
você bombardeia outra vez as mesmas ruínas e chama a coisa de “democracia”;
depois você ocupa a coisa; depois, você infesta a coisa com jihadistas; depois,
eles chutam o traseiro de vocês e põem vocês a correr de lá; depois, os jihadis
fazem o inferno, por lá (agora com o novo alento de US$ 425 milhões roubados de
um cofre do governo em Mosul, e sem contar as cargas de dinheiro que chegam dos
wahhabistas no Golfo, para comprar todos aqueles Toyotas branquinhos); depois,
você reocupa suavemente aquele inferno inteiro. Essa é a salvação que nunca
para de desabar por lá.
Quanto à
ideia – repetida igualmente pelo Fantasma e pelos neoconservadores
norte-americanos – de que o ISIL seria ameaça à segurança ocidental
(“tentando fazer mal à Europa, à América e outros povos”, nas palavras de
Kerry), é perfeita imbecilidade; é piada tão monumental quanto a vastíssima
rede alada de satélites norte-americanos que NÃO CONSEGUEM ver uma longa fila
de Toyotas branquinhos avançando pelo deserto ocidental do Iraque – rumo à
total desintegração de quatro divisões do exército do Iraque.
Eles disseram
que viram, que perceberam, que acompanharam; e que guardaram sigilo. Essa saiu
diretamente do manual do Império do Caos. Por que não estimular mais mortes
entre sunitas e xiitas? É Dividir para Governar! Eles que comam cadáveres – e
se matem uns os outros para sempre, como nos oito anos de guerra Irã-Iraque.
A avançada do
ISIL é remix da guerra civil sunitas-xiitas de 2006-2007, cujos efeitos
(a pré-avançada norte-americana) documentei em meu livro-reportagem Red Zone
Blues. Naquele época, eu tinha base em Bagdá; quando a al-Qaeda-no-Iraque
tomou Dora, nos arredores de Bagdá, lá ficaram por pouco tempo. Os próprios
sunitas rebelaram-se contra aquela “visão de mundo” medieval jihadista.
Seja como
for, o Fantasma conseguiu o que queria: para todas as finalidades práticas, o
Iraque está quebrado, irrecuperavelmente fragmentado e não pode ser
“consertado” (terminologia de Colin Powell). Os curdos já resolveram um dos
problemas mais difíceis de resolver do pós-Choque e Pavor: já reacomodaram a
[divisão] Sykes-Picot, tomando a região de Kirkuk, rica em petróleo (para nem
falar do planalto de Nineveh).
E como prova
adicional de que o ISIL nada tem a ver com ameaça à segurança ocidental,
os tanques e artilharia pesada que capturaram no Iraque foram redirecionados
para a Síria, em seu impulso para agredir Damasco.
Tudo isso é
demais para o Fantasma digerir. Talvez ele deva começar por ler esta “Declaração
sobre Eventos Recentes em Mosul e Outras Cidades no Iraque”, em que os
sindicatos de trabalhadores do Iraque rejeitam tudo que aconteceu desde antes
de 2003, antes até de o Fantasma viver seu momento luzes-da-ribalta.
Quanto ao
argumento chave do Fantasma, de que o que está acontecendo agora no Iraque
seria resultado de pouca – não de muita – produção/promoção de guerras, pelo
ocidente, é húbris do Fantasma.
O dito
“Oriente Médio” – de fato, o Sudoeste Asiático – é uma ficção ocidental imposta
pelas potências coloniais às populações locais. O que o Pentágono descreveu
desde o início dos anos 2000 como o “arco de instabilidade” é uma profecia de
anarquia que se autocumpre, com pinceladas de (falsa) “paz” representadas por
aquelas repugnantes petromonarquias do Conselho de Cooperação do Golfo (tipo
precisamos do “nosso” petróleo).
E além do
mais, há o lento mas inexorável processo de integração da Eurásia –ao longo das
muitas, muitas, miríades de novas rotas da seda comandadas pela China. Tudo
isso é anátema para o império do caos e para o seu assecla com o qual mantém a
tal “relação especial”. Assim, o Sudoeste Asiático sempre em caos perpétuo é
mais que bem-vindo. Podem esperar: o Fantasma, intoxicado de húbris, demandará
ainda mais gasolina para jogar sobre sua ópera urdida no ocidente, e que já
está em chamas.
[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e
outros; é correspondente/ articulista
das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
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