domingo, 29 de junho de 2014

EUA querem incendiar a “mudança de regime” na Síria

28/6/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Vladimir Putin
Comentário na rede Xinhua chinesa, em meados de abril, que previa que as diferenças entre EUA e Rússia em torno da Ucrânia não se resolveriam “em pouco tempo” está-se revelando muito acertado e presciente. A declaração do presidente Vladimir Putin na 2ª-feira (23/6/2014), em que acolhe com simpatia o cessar-fogo anunciado por Kiev, pode e deve ser visto como inteligente tentativa para “desescalar” a crise, mas Washington absolutamente se recusa a ver as coisas por esse prisma.

De fato, Washington ridicularizou o movimento de Putin. A representante permanente dos EUA na ONU, Samantha Power, falou em tom de pouco caso sobre a declaração de Putin durante discussão sobre a Ucrânia no Conselho de Segurança na 3ª-feira (24/6/2014); chamou-a de pequena retórica de reconciliação desmentida pela ação em campo.

John Kerry
Dois dias depois, de Paris, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, praticamente deu um ultimato a Moscou. Disse que “é crítico para a Rússia mostrar nas próximas horas, literalmente, que estão se mexendo para ajudar a desarmar os separatistas, encorajá-los a desarmar-se, exigir que deponham armas e comecem a ser parte de um processo político legítimo”. Kerry “avisou” que outra rodada de sanções está à espera, a menos que Moscou “seja rápida” [Negritos MK Bhadrakumar].

Explicação plausível para esse surto de linha-duríssima poderia ser que os EUA estariam fazendo o “policial durão” (enquanto a Alemanha faria o “policial bonzinho”). Mas a Ucrânia é tema grave demais, para ser reduzido a esse tipo de tolice.

Cada dia mais claramente o que se está vendo é que os EUA não têm interesse algum em solução que surja “em pouco tempo”, como a rede Xinhua previu. E por que não? Um fator é que sem a plena e empenhada cooperação da Rússia é impossível estabilizar a Ucrânia; mas por que a Rússia cooperaria numa empreitada que pode levar a Ucrânia a ser admitida nas fileiras da União Europeia e da OTAN?

Petro Poroshenko
Dito de outro modo, o governo Obama está “exigindo” que o Kremlin rasteje ajoelhado, sabendo perfeitamente que isso jamais acontecerá. O mais provável, portanto, é que os EUA estejam antevendo que a situação da Ucrânia só pode piorar. O cenário pode ser que o presidente Petro Poroshenko ordene ataque total contra o leste da Ucrânia, imediatamente depois de esgotado o prazo do cessar-fogo, nesse final de semana; é ação que provavelmente fracassará, e todas as posições em campo só endurecerão ainda mais.

Mas... pode haver método na loucura de Obama. Considere-se o seguinte. Interessa a Washington que Moscou se envolva, pelo maior tempo possível, na Ucrânia. O pantanal eurasiano impedirá que a Rússia tenha presença ativa em outras regiões – como, por exemplo, na Síria.

Afinal, parece que não errei muito quando escrevi, no início da semana, em meu blog, que Obama tem esperanças de “resolver” o Iraque e também a Síria. Há notícias de que Obama apresentou ao Congresso proposta para armar rebeldes sírios. A lógica de Obama, como escrevi, é que Síria e Iraque seriam um mesmo poço, onde nadam os mesmos peixes.

É verdade que, sim, Síria e Iraque são questões interconectadas (e esse era também provavelmente o objetivo geopolítico dos países que apoiaram o Estado Islâmico do Iraque e Levante, ISIS/ISIL). Mas a parte realmente chocante é a argumentação de Kerry, como noticiada, segundo a qual os EUA nada teriam contra rebeldes sírios combaterem contra o ISIS/ISIL no Iraque, além da ardilosa “afirmativa” de que a tribo do líder do ISIS/ISIL, Ahmad al-Jarba também se estende até o Iraque. Jarba, como se sabe, é protegido dos sauditas.

Ahmad al-Jarba, do ISIS/ISIL com John Kerry (14/1/2014)
Em resumo, os EUA estão conseguindo envolver no conflito do Iraque, rebeldes sírios apoiados pelo sauditas. Dito de outro modo, os EUA e seus aliados do Golfo ampliarão o conflito sírio, para incluir nele também o Iraque. É a atual crise iraquiana, sendo “acrescentada” à grande estratégia.

A viagem de Kerry, hoje (28/6/2014), à Arábia Saudita trará mais informes sobre o que está acontecendo. Antes de ir a Jeddah, Kerry esteve com o ministro saudita de Relações Exteriores, príncipe Faisal al-Saud em Paris, depois de confirmar que os franceses estão “na jogada” da próxima saga Síria-Iraque. Faisal é linha-dura contra Síria (e Irã). Há notícias também de que o príncipe Bandar voltou repentinamente à liça. Viajou recentemente com o rei Abdullah, ao Cairo.

John Kerry e Saud al-Faisal em 27/6/2014
O que está fartamente claro é que a agenda de EUA-sauditas, de “mudança de regime” na Síria, voltou ao centro do palco. Claramente Putin terá de disputar palmo a palmo a Síria. Mas como poderá abandonar a Ucrânia, tão vital para os interesses russos de longo prazo, para se dedicar outra vez à Síria? Obama sentiu que teria chegado a hora de levar a agenda de “mudança de regime” na Síria até a conclusão. A “audácia da esperança de Obama é de tal ordem, que ele espera conseguir vencer o jogo de xadrez na Síria e na Ucrânia.



[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.



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