28/6/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Vladimir Putin |
Comentário na rede Xinhua chinesa,
em meados de abril, que previa que as diferenças entre EUA e Rússia em torno da
Ucrânia não se resolveriam “em pouco tempo” está-se revelando muito
acertado e presciente. A
declaração do presidente Vladimir Putin na 2ª-feira (23/6/2014), em que acolhe
com simpatia o cessar-fogo anunciado por Kiev, pode e deve ser visto como
inteligente tentativa
para “desescalar” a crise, mas
Washington absolutamente se recusa a ver as coisas por esse prisma.
De fato, Washington ridicularizou o
movimento de Putin. A representante permanente dos EUA na ONU, Samantha Power,
falou em tom de pouco caso sobre a declaração de Putin durante discussão sobre
a Ucrânia no Conselho de Segurança na 3ª-feira (24/6/2014); chamou-a de “pequena retórica de
reconciliação” desmentida pela
ação em campo.
John Kerry |
Dois dias depois, de Paris, o secretário
de Estado dos EUA, John Kerry,
praticamente deu um ultimato a Moscou. Disse que “é crítico para a
Rússia mostrar nas próximas horas, literalmente, que estão se mexendo
para ajudar a desarmar os separatistas, encorajá-los a desarmar-se, exigir que
deponham armas e comecem a ser parte de um processo político legítimo”. Kerry “avisou” que outra rodada de
sanções está à espera, a menos que Moscou “seja rápida” [Negritos MK
Bhadrakumar].
Explicação plausível para esse surto de
linha-duríssima poderia ser que os EUA estariam fazendo o “policial durão”
(enquanto a Alemanha faria o “policial bonzinho”). Mas a Ucrânia é tema grave
demais, para ser reduzido a esse tipo de tolice.
Cada dia mais claramente o que se está
vendo é que os EUA não têm interesse algum em solução que surja “em pouco
tempo”, como a rede Xinhua previu. E por que não? Um fator é que sem a
plena e empenhada cooperação da Rússia é impossível estabilizar a Ucrânia; mas
por que a Rússia cooperaria numa empreitada que pode levar a Ucrânia a ser
admitida nas fileiras
da União Europeia e da OTAN?
Petro Poroshenko |
Dito de outro modo, o governo Obama está
“exigindo” que o Kremlin rasteje ajoelhado, sabendo perfeitamente que isso
jamais acontecerá. O mais provável, portanto, é que os EUA estejam antevendo
que a situação da Ucrânia só pode piorar. O cenário pode ser que o presidente
Petro Poroshenko ordene ataque total contra o leste da Ucrânia, imediatamente
depois de esgotado o prazo do cessar-fogo, nesse final de semana; é ação que
provavelmente fracassará, e todas as posições em campo só endurecerão ainda
mais.
Mas... pode haver método na loucura de
Obama. Considere-se o seguinte. Interessa a Washington que Moscou se envolva,
pelo maior tempo possível, na Ucrânia. O pantanal eurasiano impedirá que a
Rússia tenha presença ativa em outras regiões – como, por exemplo, na Síria.
Afinal, parece que não errei muito
quando escrevi, no início da semana, em meu blog, que Obama
tem esperanças de “resolver” o Iraque e também a Síria. Há notícias de que Obama apresentou ao Congresso proposta
para armar
rebeldes sírios. A lógica de Obama, como escrevi, é que Síria e Iraque
seriam um mesmo poço, onde nadam os mesmos peixes.
É verdade que, sim, Síria e Iraque são
questões interconectadas (e esse era também provavelmente o objetivo
geopolítico dos países que apoiaram o Estado Islâmico do Iraque e Levante, ISIS/ISIL). Mas a parte realmente
chocante é a argumentação
de Kerry, como noticiada, segundo a qual os EUA
nada teriam contra rebeldes sírios combaterem contra o ISIS/ISIL no Iraque, além da ardilosa “afirmativa” de que a
tribo do líder do ISIS/ISIL, Ahmad al-Jarba também se
estende até o Iraque. Jarba, como se sabe, é protegido dos sauditas.
Ahmad al-Jarba, do ISIS/ISIL com John Kerry (14/1/2014) |
Em resumo, os EUA estão conseguindo
envolver no conflito do Iraque, rebeldes sírios apoiados pelo sauditas. Dito de
outro modo, os EUA e seus aliados do Golfo ampliarão o conflito sírio, para
incluir nele também o Iraque. É a atual crise iraquiana, sendo “acrescentada” à
grande estratégia.
A viagem de Kerry, hoje (28/6/2014), à
Arábia Saudita trará mais informes sobre o que está acontecendo. Antes de ir a
Jeddah, Kerry esteve com o ministro saudita de Relações Exteriores, príncipe
Faisal al-Saud em Paris, depois de confirmar que os franceses estão “na jogada”
da próxima saga Síria-Iraque. Faisal é linha-dura contra Síria (e Irã). Há
notícias também de que o príncipe Bandar voltou repentinamente à liça. Viajou
recentemente com o rei Abdullah, ao Cairo.
John Kerry e Saud al-Faisal em 27/6/2014 |
O que está fartamente claro é que a
agenda de EUA-sauditas, de “mudança de regime” na Síria, voltou ao centro do
palco. Claramente Putin terá de disputar palmo a palmo a Síria. Mas como poderá
abandonar a Ucrânia, tão vital para os interesses russos de longo prazo, para
se dedicar outra vez à Síria? Obama sentiu que teria chegado a hora de levar a
agenda de “mudança de regime” na Síria até a conclusão. A “audácia
da esperança” de Obama é de tal ordem,
que ele espera conseguir vencer o jogo de xadrez na Síria e na Ucrânia.
[*]
MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços
na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão
e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança
para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al
Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É
o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala, Índia.
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