sexta-feira, 20 de junho de 2014

EUA tentam mais uma vez “mudar regime” à bala no Iraque

19/6/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Barack Obama e Nouri al-Maliki
Há três dias, escrevemos:

Os EUA condicionaram qualquer envolvimento ao lado do governo iraquiano, a uma mudança na estrutura daquele governo na direção de algum tipo de “governo de unidade” que inclua representantes das tendências sunitas rebeldes. O primeiro-ministro Maliki, que obteve bons resultados em recentes eleições, não verá motivo algum para aceitar essa condição.

Como previsto, Maliki rejeitou a ideia de obedecer às ordens de Washington DC, o que tem pleno direito de fazer. O Iraque é estado soberano.

Mas Washington acha que não: quem escolherá novo primeiro-ministro do Iraque somos nós:

Ao longo dos últimos dois dias, o embaixador dos EUA, Robert S. Beecroft, e Brett McGurk, alto funcionário do Departamento de Estado para Iraque e Irã, reuniram-se com Usama Nujaifi, líder do maior contingente sunita, “Unidos para Reformar”, e com  Ahmad Chalabi, um dos vários sunitas potenciais candidatos a primeiro-ministro, segundo gente próxima dessas facções, e com outras figuras políticas.

“Brett e o embaixador encontraram-se com Nujaifi ontem e foram francos quanto à ideia de que não querem que Maliki fique” – disse Nabil al-Khashab, principal conselheiro político de Nujaifi, na 3ª-feira (17/6/2014).

Os takfiri do ISIL/ISIS trafegam livremente pelo deserto do Iraque
Esse movimento fez crescer as suspeitas de que a recente insurgência contra o estado iraquiano, com takfiris do ISIS na linha de frente, não aconteceu agora por acaso, imediatamente depois de o partido de Maliki, a Coalizão Estado de Direito, ter vencido as eleições parlamentares, há poucas semanas. Já estava decidido que Maliki teria de sair. Quando as eleições o confirmaram no poder, foi preciso introduzir outras “táticas”. E começou a insurgência que agora está sendo usada como pretexto para “mudar o regime”.

Rematado absurdo, é claro, mas a imprensa-empresa e os políticos norte-americanos caíram outra vez no conto do “malvadão”, pintando Nouri al-Maliki (transcrição, em árabe, de Ngo Dinh Diem) como o único obstáculo que impediria o Iraque de ser uma “democracia liberal”. Maliki não é o problema, no Iraque:

O fator mais significativo por trás dos problemas do Iraque sempre foi a incapacidade dos árabes sunitas e de seus vizinhos sunitas para conviver civilizadamente com um governo no qual os xiitas – que são considerável maioria na população iraquiana – têm o papel protagonista. Essa incapacidade já apareceu bem clara, quando os sunitas do Iraque recusaram-se a tomar parte nas primeiras eleições parlamentares do Iraque, e recorreram à insurgência quase imediatamente depois da invasão norte-americana e a derrubada de Saddam Hussein. Em todos os casos, o objetivo dos sunitas iraquianos sempre foi provar que os xiitas não são capazes de governar o Iraque. De fato, foi exatamente o que disse recentemente o vice-primeiro-ministro sunita do Iraque, Osama al Najafi. Para os sunitas, a liderança política e o direito de governar é direito de nascença dos sunitas, e eles ressentem qualquer ‘intromissão’ dos xiitas.

Países membros do CCG - Conselho de Cooperação do Golfo
Os EUA, com forte apoio de seus aliados do Conselho de Cooperação do Golfo que financiam a insurgência, outra vez se põem ao lado da minoria sunita no Iraque e querem subverter o governo da maioria xiita e seu candidato eleito. Maliki não obedece ordens de Washington, mantém relações cordiais com o Irã e vence eleições: é sujeito perigoso, que não pode ser deixado no poder.

Assim sendo, o programa dos EUA volta a ser “mudar o regime” no Iraque, dessa vez com a ajuda de jihadistas degoladores e apesar dos recentes “sucessos” catastróficos de empreitadas assemelhadas na Líbia, no Egito e na Ucrânia, e de retumbante fracasso na Síria.

Phil Greaves parece portanto bem certo, quando caracteriza a insurgência e o ISIS como expressões do imperialismo de Washington:

A insurgência liderada pelo ISIS que atualmente atormenta as regiões oeste e norte do Iraque não passa de continuação da insurgência patrocinada pelos imperialistas na vizinha Síria. Os atores estatais responsáveis por armar a sustentar essa dita insurgência têm os mesmos objetivos principais no Iraque que perseguem há três anos na Síria, a saber: destruir a soberania do estado; enfraquecer os aliados de um Irã independente; dividir para sempre Iraque e Síria por linhas de divisão sectária que criem “miniestados” antagonistas incapazes de se reunir em frente única contra a dominação imperial de EUA-Israel.

A melhor coisa que Maliki pode fazer agora é fechar a embaixada dos EUA no Iraque e pedir ajuda de Rússia, China e Irã. O sul do Iraque produz muito, muito petróleo, e nem o dinheiro, nem o número de recrutas necessários para manter luta prolongada são problemas para Maliki. Problema para Maliki são os bandidos insurgentes e estados, entre os quais EUA, lutando escondidos por trás das linhas dos bandidos insurgentes.

A luta pode ser longa, e o Iraque provavelmente acabará por ser dividido, mas, pelo menos, se garantirá que a vontade da maioria dos iraquianos não seja atropelada e deixada abandonada na estrada por atores externos.




[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como “Whisky Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). A seguir podemos ouvir versão em performance de Tim van Broekhuizen.


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