19/6/2014, [*] Moon
of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama e Nouri al-Maliki |
Há três dias,
escrevemos:
Os EUA condicionaram qualquer envolvimento ao
lado do governo iraquiano, a uma mudança na estrutura daquele governo na
direção de algum tipo de “governo de unidade” que inclua representantes das
tendências sunitas rebeldes. O primeiro-ministro Maliki, que obteve bons
resultados em recentes eleições, não verá motivo algum para aceitar essa
condição.
Como
previsto, Maliki
rejeitou a ideia de obedecer às ordens de Washington DC, o que tem
pleno direito de fazer. O Iraque é estado soberano.
Mas
Washington acha que não: quem
escolherá novo primeiro-ministro do Iraque somos nós:
Ao longo dos últimos dois dias, o embaixador
dos EUA, Robert S. Beecroft, e Brett McGurk, alto funcionário do Departamento
de Estado para Iraque e Irã, reuniram-se com Usama Nujaifi, líder do maior
contingente sunita, “Unidos para Reformar”, e com Ahmad Chalabi, um
dos vários sunitas potenciais candidatos a primeiro-ministro, segundo gente
próxima dessas facções, e com outras figuras políticas.
“Brett e o embaixador encontraram-se com
Nujaifi ontem e foram francos quanto à ideia de que não querem que Maliki
fique” – disse Nabil al-Khashab, principal conselheiro político de Nujaifi, na
3ª-feira (17/6/2014).
Os takfiri do ISIL/ISIS trafegam livremente pelo deserto do Iraque |
Esse
movimento fez crescer as suspeitas de que a recente insurgência contra o estado
iraquiano, com takfiris do ISIS na linha de frente, não aconteceu
agora por acaso, imediatamente depois de o partido de Maliki, a Coalizão Estado
de Direito, ter vencido as eleições parlamentares, há poucas semanas. Já estava
decidido que Maliki teria de sair. Quando as eleições o confirmaram no poder,
foi preciso introduzir outras “táticas”. E começou a insurgência que agora está
sendo usada como pretexto para “mudar o regime”.
Rematado
absurdo, é claro, mas a imprensa-empresa e os políticos norte-americanos caíram
outra vez no conto do “malvadão”, pintando Nouri al-Maliki (transcrição, em
árabe, de Ngo Dinh Diem) como o único obstáculo que impediria o Iraque de ser
uma “democracia liberal”. Maliki não é
o problema, no Iraque:
O fator mais significativo por trás dos
problemas do Iraque sempre foi a incapacidade dos árabes sunitas e de seus
vizinhos sunitas para conviver civilizadamente com um governo no qual os xiitas
– que são considerável maioria na população iraquiana – têm o papel
protagonista. Essa incapacidade já apareceu bem clara, quando os sunitas do
Iraque recusaram-se a tomar parte nas primeiras eleições parlamentares do
Iraque, e recorreram à insurgência quase imediatamente depois da invasão
norte-americana e a derrubada de Saddam Hussein. Em todos os casos, o objetivo
dos sunitas iraquianos sempre foi provar que os xiitas não são capazes de
governar o Iraque. De fato, foi exatamente o que disse recentemente o
vice-primeiro-ministro sunita do Iraque, Osama al Najafi. Para os sunitas, a
liderança política e o direito de governar é direito de nascença dos sunitas, e
eles ressentem qualquer ‘intromissão’ dos xiitas.
Países membros do CCG - Conselho de Cooperação do Golfo |
Os EUA, com
forte apoio de seus aliados do Conselho de Cooperação do Golfo que financiam a
insurgência, outra vez se põem ao lado da minoria sunita no Iraque e querem
subverter o governo da maioria xiita e seu candidato eleito. Maliki não obedece
ordens de Washington, mantém relações cordiais com o Irã e vence eleições: é
sujeito perigoso, que não pode ser deixado no poder.
Assim sendo,
o programa dos EUA volta a ser “mudar o regime” no Iraque, dessa vez com a
ajuda de jihadistas degoladores e apesar dos recentes “sucessos” catastróficos
de empreitadas assemelhadas na Líbia, no Egito e na Ucrânia, e de retumbante
fracasso na Síria.
Phil Greaves
parece portanto bem certo, quando caracteriza a insurgência e o ISIS como
expressões
do imperialismo de Washington:
A insurgência liderada pelo ISIS que atualmente atormenta as
regiões oeste e norte do Iraque não passa de continuação da insurgência
patrocinada pelos imperialistas na vizinha Síria. Os atores estatais
responsáveis por armar a sustentar essa dita insurgência têm os mesmos
objetivos principais no Iraque que perseguem há três anos na Síria, a saber:
destruir a soberania do estado; enfraquecer os aliados de um Irã independente;
dividir para sempre Iraque e Síria por linhas de divisão sectária que criem “miniestados”
antagonistas incapazes de se reunir em frente única contra a dominação imperial
de EUA-Israel.
A melhor
coisa que Maliki pode fazer agora é fechar a embaixada dos EUA no Iraque e pedir
ajuda de Rússia, China e Irã. O sul do Iraque produz muito, muito petróleo, e
nem o dinheiro, nem o número de recrutas necessários para manter luta
prolongada são problemas para Maliki. Problema para Maliki são os bandidos
insurgentes e estados, entre os quais EUA, lutando escondidos por trás das
linhas dos bandidos insurgentes.
A luta pode
ser longa, e o Iraque provavelmente acabará por ser dividido, mas, pelo menos,
se garantirá que a vontade da maioria dos iraquianos não seja atropelada e
deixada abandonada na estrada por atores externos.
[*] “Moon of Alabama” é título popular
de “Alabama Song” (também conhecida como “Whisky Bar” ou “Moon
over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille
(1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada
pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de
Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas
colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão,
essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes
artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). A seguir
podemos ouvir versão em performance de Tim van Broekhuizen.
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