31/5/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama |
O governo de
Obama quer conseguir seu “pivô para a Ásia” – é o plano dele para reagir ao
crescimento da China – sem usar força militar. Não vai funcionar. Países locais,
que os EUA querem usar como “procuradores”, temem que, sem ameaça crível de que
os EUA darão cobertura militar aos respectivos rabos deles, com as bombas
atômicas norte-americanas, não haverá limite ao que a China pode fazer e fará
para proteger o próprio quarteirão. Estão cobertos de razão.
Chuck Hagel |
Por isso os
EUA viram-se metidos em confusão braba na recente conferência
de segurança em Cingapura:
Mas, uma vez que o secretário de Defesa Chuck
Hagel visitou aquela cidade-estado para uma conferência de segurança com todas
as partes interessada na 6ª-feira, a tão falada política para a Ásia pareceu
estar virando, isso sim, briga de rua, com os EUA tendo, ao mesmo tempo, de ter
lado e de fazer-se de juiz.
Mas por que,
afinal, o que acontece no Pacífico, para lá do Havaí, seria assunto dos EUA? O
que leva os EUA a intervir é nada além do tal “excepcionalismo” – a fissura por
dominação global e o desejo por governar o mundo.
O recente discurso
de Obama na Academia de West Point foi saudado por
Pat Lang como um chega-p’rá-lá contra neoconservadores e neoliberais, e
um passo de volta à racionalidade na política exterior:
Pat Lang |
A decisão sábia embora tardia do presidente, de
não atacar forças armadas sírias; sua firme procura por solução negociada com o
Irã, contra a pressão dos sionistas; sua relutância em meter o país nas
profundas da crise ucraniana; e sua insistência em perseverar na retirada do
Afeganistão, tudo isso aponta para uma volta ao tipo de política externa
racionalista que os EUA seguiram depois da 2ª Guerra Mundial, até que a
histeria da vida pós-11/9 varreu para longe qualquer consideração mais atenta
de riscos e benefícios que comandava a política dos EUA.
O discurso político do presidente Obama em West
Point anuncia o fim, em Washington, da política dominada pelo jacobinismo imperialista.
É passo nessa
direção, mas não vai suficientemente longe. Esperto, em termos retóricos, é
possível até que o discurso tenha dado um passo para afastar-se do uso
financeiramente ruinoso de forças militares em larga escala, mas, apesar de
restringir o uso de força militar, lá estava, no discurso, a velha conversa
estúpida sobre o “excepcionalismo” e o desejo de “comandar”:
Acredito no excepcionalismo dos EUA com cada
fibra do meu ser. Mas o que nos torna excepcionais não é nossa capacidade para
burlar as normas internacionais e o estado de direito; é nossa disposição para
afirmá-los mediante nossas ações. [Aplausos]
(E por quê,
diabos, alguém aplaudiria tais e tamanhamente óbvias mentiras?) Há uns cinco
anos, Obama
tinha visão bem diferente desses “temas”:
Acredito no excepcionalismo dos EUA, como
desconfio que os britânicos creiam no excepcionalismo britânico, e os gregos
creiam no excepcionalismo grego.
Proclamar
algum próprio extraordinário excepcionalismo, como Obama vive a fazer, sem o
ânimo para usar meios excepcionais para resolver os problemas, não vai
funcionar, por três razões. É pouco provável que corte o impulso para novas
guerras; o mais provável é que gere mais danos, sem gerar qualquer efeito
positivo; e levará os aliados a darem as costas ao autoproclamado excepcional. Muito
melhor seria não falar nem pensar, e esquecer totalmente as duas coisas: tanto
o excepcionalismo quanto o uso de força militar.
Não é bom
sinal que Obama esteja outra vez a falar do excepcionalismo dos EUA como algo
especialíssimo. Como observa Billmon:
Se alguém crê que os EUA sejam “excepcionais”,
seria natural crer que teriam o direito e o dever de comandar.
Se alguém assume que os EUA teriam o direito e
o dever de comandar o mundo, pode-se logicamente concluir que se opor à
liderança dos EUA seria moralmente errado...
... e que os “valores” norte-americanos
(definidos não importa como nem onde) seriam valores universais que o mundo
pode(ria) e deve(ria) abraçar.
Daí em diante, nem é preciso grande salto para
assumir que os valores norte-americanos podem e devem ser exportados – e, se
necessário, impostos à bala.
E isso, diz Billmon,
criará resistência natural e, portanto, novos inimigos e novas guerras. Se os
EUA afastam-se do uso da força, é preciso que também se afastem dessa
declaração irracional de um próprio “excepcionalismo”. O discurso de Obama é
pura contradição, porque não faz nada disso.
Como
Chinahand destaca, há outro problema com esse excepcionalismo
contraditório de Obama. Até quando rejeita o uso direto de força militar, nem
por isso passa a oferecer discurso de pacificação e continua a provocar danos
tremendos, sem garantir qualquer resultado razoável:
Peter Lee (Chinahand) |
Infelizmente, o lado B [orig. the flip side] da doutrina Obama [usar força militar só como último recurso] é que os
EUA permanecem comprometidos com uma postura de promover o contraterrorismo e
com uma “liderança” norte-americana, isto é,. declaram a capacidade para
modelar eventos do outro lado do mundo, mesmo sem usar poder militar.
Mesmo quando evitam usar o poder militar, há
muitos meios pelos quais os EUA podem paralisar um adversário que lhes
interesse paralisar. Há sanções econômicas; há guerra financeira, econômica e
comercial que se faz pelo sistema da banqueiragem internacional; há a
subversão, mediante a Internet, apoio a partidos dissidentes e grupos
insurrecionais; e há guerras por procuração. Há o Comando Conjunto das
Operações Especiais [orig. Joint
Special Operations Command, JSOC]. E, claro, há os drones.
...
Em outras palavras, os EUA reservam-se o
direito de cruelmente e contraproducentemente F*DER qualquer país, servindo-se
para isso de qualquer meio exceto o envolvimento físico direto das forças
armadas norte-americanas.
E isso significa muitas, muitas Sírias a mais.
...
Pergunta: De um ponto de vista ético, será
política melhor, mais humana, destripar lentamente um país, usando procuradores
que simplesmente mandam seus soldados para brutalizar os locais com rapidez e
eficiência e o façam com boa chance de contar com supervisão internacional?
Se se considera a Síria, acho que a resposta é
não. Nada disso é ou jamais será eticamente recomendável.
Em termos práticos, temo que a Doutrina Obama
não decolará como questão de geopolítica realista.
Ao retirar da mesa a possibilidade de ação
militar dos EUA no caso de objetivos de baixa prioridade, afasta-se também todo
o caráter de contenção da máquina militar dos EUA.
É verdade,
afasta-se sim. E é bom, mesmo, que se afaste. Não há qualquer necessidade de os
EUA conterem a China nos negócios chineses locais, a menos que algum doido “invoque”
o tal ridículo papel “excepcional” dos EUA. Os EUA não só devem não usar em
larga em escala o poder militar: devem também parar de declarar que teriam
algum papel especial no mundo.
Há um
terceiro problema com essa conversa de ser “excepcional”, se o autoproclamado
excepcional deixa de usar força militar excepcional. Outros países em coalizão,
ainda que inclinados a trabalhar em harmonia com os EUA, não gostam de ser mandados
para lá e para cá, como se fossem criancinhas. Se os EUA não querem usar sua
força militar excepcional, que interesse esperam que algum dos aliados dos EUA
venha a ter por deixar-se liderar pelos EUA?!
É bem pouco
provável que o desejo de mandar em tudo e todos, sem o desejo de usar os meios
para mandar, venha a gerar mais desejo de obedecer e trabalhar como
subordinados, entre os aliados de qualquer coalizão com os EUA.
Se os EUA não
querem expor-se aos riscos físicos de mandar e fazer-se obedecer, como reagirão
os japoneses, os sul-coreanos e os vietnamitas, agora que já apareceram chamados
de “crianças”, DUAS VEZES, em
matéria de primeira página do New York Times?
Funcionários do governo Obama alertaram
privadamente seus contrapartes japoneses a pensar muito cuidadosamente antes de
agir, e a evitar qualquer ação que encurrale a China.
“Como crianças correndo no pátio da
escola, estão correndo com tesouras na mão” – disse Vikram J. Singh, que até
fevereiro foi vice-secretário assistente da Defesa para o Sul e Sudeste
Asiático e, hoje, é vice-presidente para segurança nacional do Center for
American Progress.
...
Andrew L. Oros |
Hagel e o maior contingente militar à mão [...]
passaram horas falando de delegação em delegação, para assegurar que em nenhuma
circunstância aqueles contingentes seriam enviados a agir.
“Bons professores sabem que o melhor é
conseguir que as crianças comportem-se bem desde o começo, em vez
de ter de viver a apartar brigas” – disse Andrew L. Oros, professor associado
de ciência política do Washington College em Chestertown, Md., e especialista
em Leste da Ásia.
As “crianças”
já entenderam que os EUA não têm interesse algum em provocar a China. Todas
aceitaram ser lideradas pelos EUA, desde que a “liderança” viesse acompanhada
de suprema força. Sem a suprema força, esses países não mais aceitarão fazer o
papel de “as crianças” nos jogos de poder dos EUA. Pequenos e desunidos demais
para, sozinhos, conterem a China, todos terão naturalmente de acomodar-se ao
crescimento da China e ao nascimento
do século eurasiano.
Seria bom
para o mundo se os EUA finalmente encontrassem meio para voltar a alguma
política externa realista, que se abstivesse de ameaças militaristas e de usar
a força. Mas enquanto o excepcionalismo é cultuado como doutrina, as
contradições inerentes entre a declaração de excepcionalismo e a nenhuma
disposição para usar a força (financeiramente ruinosa), a alardeada
‘excepcionalidade’ continuará a rasgar ao meio a política de que Obama fala.
Para dar passo efetivo de volta ao realismo, é preciso esquecer as duas coisas:
a força militar e a fantasia de
excepcionalidade.
[*] “Moon of Alabama”
é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como “Whisky
Bar” ou “Moon over Alabama”)
dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille (1927) de Bertolt Brecht, com música de
Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de
Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas
colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão,
essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes
artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). A seguir
podemos ouvir versão em
performance de Tim van Broekhuizen.
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