Mas... Jornalistas não leem a
“imprensa livre”?
25-27/5/2012, Saul
Landau, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Alan Gross |
Há
menos de três anos, as autoridades cubanas prenderam Alan Gross, contratado por
quase US$600 mil pela empresa DIA.Inc. para um programa da Agência USAID em
Cuba.
Em
Havana, as autoridades cubanas leram seus relatórios de viagem, nos quais Gross
relatava o que fizera para entregar a um grupo pré-selecionado de, na maioria,
judeus cubanos, equipamentos de tecnologia sofisticados e ilegais.
Gross
contrabandeava equipamentos para Cuba, “peça por peça, em malas e sacos de
viagem que eram despachados e jamais o acompanhavam como bagagem de mão”.
Entre os itens contrabandeados
havia “laptops, smartphones, discos rígidos e equipamento para
conexão de internet”, escreveu Desmond Butler, em matéria sobre o affair
Gross, para a Associated Press, dia
12/2/2012 [1]. “O item mais sensível”, segundo os
relatos de viagem do próprio acusado, era… um chip para telefone celular
ultrassofisticado que, sempre nas palavras do próprio acusado, era “usado pelo
Pentágono e pela CIA para gerar sinais para satélites, virtualmente impossíveis
de rastrear”.
Com
seu sofisticado SIM card, o grupo podia também encobrir os sinais
emitidos e escapar a qualquer rastreamento. Todo esse equipamento não visava a
impedir que o governo de Cuba conseguisse descobrir receitas de acepipes
tradicionais que judeus cubanos trocariam por telefone, entre eles e com
cozinheiros do Pentágono e da CIA.
A
Agência USAID (US Agency for International Development/Agência dos EUA
para o Desenvolvimento Internacional) pagava pelos serviços de Gross, como parte
de seu plano para “promover a democracia” e levar “desenvolvimento econômico e
ajuda humanitária em todo o mundo, sempre a serviço das metas de política
externa dos EUA”. Mas Gross identificava-se como “membro de um grupo de judeus
que prestavam ajuda humanitária aos cubanos, nunca como agente do governo dos
EUA”. [1]
Victoria Nuland |
Dia
11/5/2012, cerca de três meses depois de publicado o artigo de Butler, a
principal porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Victoria Nuland,
participou do seguinte diálogo, em briefing do
Departamento de Estado para a imprensa, como transcrito por seu
gabinete e reproduzido em Daily Press
Briefing.
A seguir, excerto em que Nuland fala
do “caso Gross”:
PERGUNTA: Podemos falar de Cuba
MS. NULAND: Sim.
PERGUNTA: Ontem, uma funcionária do governo
de Cuba, deu uma entrevista à CNN. Seu nome é Josefina Vidal [2]
. Disse que Cuba
encaminhou uma espécie de oferecimento aos EUA, para libertarem Alan Gross. Há
possibilidade de alguma negociação nesse front?
Hillary Clinton (e) e Victoria Nuland (d) |
MS. NULAND: Bem... Acho que, se você voltar a
uma entrevista que a secretária Clinton concedeu à CNN no início da semana, de
New Delhi... A secretária Clinton foi
muito clara sobre essa questão. Não há qualquer semelhança entre as duas
situações. De um lado, temos espiões condenados nos EUA [3].
De outro lado, um homem que trabalhava em ajuda humanitária, que, para início de
conversa jamais poderia ter sido preso.
Evidentemente
não estamos considerando a libertação dos “Cinco Cubanos” nem cogitamos de
qualquer troca de prisioneiros. O encarceramento de Gross é deplorável, é errado
e afronta a decência humana. E o Governo de Cuba tem de fazer a coisa certa.
PERGUNTA: Nesse caso... OK. A senhora, então,
confirma que a proposta de Cuba está, mesmo, relacionada aos Cinco Cubanos. Não
havia informação, até agora, que confirmasse essa vinculação.
MS. NULAND: O governo cubano tenta regularmente
vincular as duas coisas. Nós rejeitamos regularmente qualquer vínculo.
PERGUNTA: Sim, mas... Por que, quero dizer:
vários funcionários do seu governo estão trabalhando numa troca de cinco
prisioneiros dos Talibã, e Bowe Bergdahl, como se sabe, sim, tudo indica que
esteja envolvido nessa troca. Por que o seu governo não vê problemas
em
devolver prisioneiros Talibã , mas recusa-se a entregar
prisioneiros cubanos, em
troca de Cuba devolver um cidadão norte-americano que é
prisioneiro em Cuba e, além do mais, está muito doente?
MS. NULAND: Não há qualquer equivalência entre
os dois casos, e o governo de Cuba sabe disso. Temos o caso de um governo
autoritário que prendeu um homem que fazia caridade e oferecia ajuda humanitária
a cidadãos cubanos; e que foi preso sem provas. Só podemos negociar com governos
estabelecidos. Até hoje nada disso existe em Cuba e não há condições para
qualquer tipo de negociação.
PERGUNTA: A senhora está dizendo que [Alan
Gross, preso em Cuba] não infringiu leis cubanas?
MS. NULAND: Não vou discutir isso. Se infringiu
ou não.
PERGUNTA: Mas, pensei que...
MS. NULAND: É o seguinte: nossa posição é que
ele nada fez de errado.
PERGUNTA: Nesse caso... Por que... Quero
dizer...
MS. NULAND: Nada fez de errado. Nós
entendemos... Nós achamos que suas...
PERGUNTA: ... as atividades dele, entendi. Os
Cubanos dizem que as atividades dele violaram leis cubanas. Quer dizer: a
senhora concorde ou discorde, com o que a lei cubana determina... A lei cubana é
a lei cubana. Mas esse é outro problema.
MS. NULAND: Nós...
PERGUNTA: Seja como for... O que ele estava
fazendo, dizem os cubanos, é ilegal. Quer dizer...
MS. NULAND: Bem, nós rejeitamos
categoricamente...
PERGUNTA: Mas... Vocês rejeitam
categoricamente que ele tenha infringido a lei cubana?
MS. NULAND: Rejeitamos categoricamente as
acusações feitas contra ele e o fato de ter sido preso.
PERGUNTA: Mas a senhora disse que é “afronta
à decência humana”.
MS. NULAND: Hã-hã.
PERGUNTA: Por quê? Por que é “afronta à
decência humana”?
MS. NULAND: Porque está encarcerado sem motivo
algum. Estão-lhe negando qualquer consideração humanitária. Dou-lhe um caso para
comparar, que consideramos relevante.
Mesmo
no caso dos Cinco Cubanos ok, temos um deles, Rene Gonzalez, preso há 15 anos
por espionagem. Estava em liberdade condicional nos EUA. Pediu para voltar a
Cuba, para visitar um parente doente. Permitimos. E ele foi e não voltou aos
EUA. O nosso gesto foi gesto humanitário. Mas, repito, é uma situação
completamente diferente. Mas o governo cubano não lhe assegura esse tipo do
humanidade numa situação totalmente (inaudível), para início de conversa. A
linguagem também é diferente.
PERGUNTA: Quanto a isso...
MS. NULAND: Sim.
PERGUNTA: ... ontem, os funcionários cubanos
disseram que Gross não pode viajar aos EUA para visitar a mãe, porque ainda não
cumpriu o mínimo da sentença, que lhe daria esse direito. O que a senhora diz a
isso?
MS. NULAND: Olhe, nós rejeitamos todo o
negócio, qualquer tipo de equivalência e qualquer tipo de posição que o governo
cubano tome, tudo, é completamente injusto. Ok? Assunto encerrado. Outro
assunto?
__________________________________
Mas...
O que significa tudo isso?
A
porta-voz não leu o artigo de Butler? E, se leu, que sentido há em repetir que Gross
“distribuía laptops e computadores-padrão para ajudar a comunidade de
judeus cubanos no acesso à Internet”?
A verdade – como La
Alborada noticiou – é que Gross estava construindo a infraestrutura para um
sistema clandestino de comunicações por satélite, para fazer propaganda contra o
governo cubano, em Cuba; e para promover agitações e criar pretexto para forçar
a entrada, em Cuba, de supervisores de “direitos humanos”, para construir “a
democracia”. “Gross é técnico experiente na instalação desses equipamentos. Mas
lá estava, de fato, como testa de ferro, considerado “indestrutível”, porque é
judeu, ativo apoiador da organização B’nai B’rith; e porque se apresentou como
uma espécie de Papai Noel, para distribuir computadores e equipamentos
sofisticados, a judeus cubanos impedidos de praticar seus cultos e sem meios
para acessar a Internet”. [1]
Cuba não prendeu Gross por “tentar
ajudar outros judeus a partilhar cultos e informações religiosas e culturais.
Gross está na cadeia porque atuava como agente de país inimigo de Cuba, em
programa que visava a desestabilizar o governo cubano”. [1]
Para
que serviria a imprensa livre, se os funcionários da Casa Branca, do Pentágono e
do Departamento de Estado dos EUA não lhe dão qualquer atenção, ou não leem a
imprensa livre ou fingem que não conhecem os fatos?
Mas
também os jornalistas ignoram... a imprensa livre!
Wolf Blitzer, jornalista e âncora
da rede CNN, ou fingiu ignorância, ou estava desinformado dos fatos, quando
entrevistou Hillary Clinton e Alan Gross. [4]
Desmond Butler fez apenas...
jornalismo, quando se dedicou a ler atentamente os relatos de viagem do próprio
Gross, com a mesma atenção que lhes dedicaram “agentes da USAID [que] recebiam
relatórios periódicos dos avanços da missão de Gross, nas palavras do porta-voz
da empresa DAI, contratada pela USAID, Steven O’Connor”. [1]
Butler leu, nos relatórios do
próprio Gross, que, “para passar pela revista no aeroporto, [Gross] subcontratou
a ajuda de outros judeus norte-americanos, para contrabandear equipamento
eletrônico, peça a peça, para território cubano. Deu instruções aos seus
colaboradores [judeus em viagens de peregrinação religiosa a Cuba] para
despachar dentro das malas o equipamento contrabandeado; e nada levar na bagagem
de mão”.
[1]
No
briefing para a imprensa dia 11 de maio, Nuland “rejeita categoricamente
as acusações feitas contra [Gross] e o fato de ter sido preso”.
Mas
Nuland não leu, tampouco, o que Judy Gross – esposa do agente da USAID – disse
em entrevista a uma repórter de televisão: “Nós sabemos que ele [Alan Gross]
infringiu a lei cubana”. Ficaram sabendo, pelo menos, quando Gross chegou a Cuba
e foi preso.
Judy Gross |
Por
isso, decidi escrever a Mrs. Gross,
Cara
Judy,
Por
favor, envie cópia de sua entrevista diretamente à secretária de Estado dos EUA,
Hillary Clinton; ao presidente Obama; e aos jornalistas que trabalham nas
respectivas assessorias de imprensa de Clinton e Obama. Em seguida, à frente da
Casa Branca e do Departamento de Estado, instale um cartaz: “Alan, meu marido,
infringiu leis cubanas”. Quem sabe, com sorte, o pessoal por lá entenderá que
muita gente já sabe do que a imprensa livre já sabe e já noticiou.”.
Desejo-lhe sorte. Saul.
Notas dos tradutores
[1] 12/2/2012, Associated Press - Desmond Butler, “AP
IMPACT: USAID contractor work in Cuba
detained”.
[2]10/5/2012, CNN [vídeo, em inglês], em:
“CNN's Wolf
Blitzer follows the story of jailed U.S. citizen Alan
Gross”; ou íntegra na
Nota [4]
[3] A história desses cinco agentes
cubanos [“espiões”, para a secretária Clinton, e “Los Cinco Heroes” para o resto
do mundo, é tema do livro-reportagem Últimos
soldados da Guerra Fria, de Fernando Morais (SP: Companhia
das Letras, 2010), em cuja apresentação lê-se:
“No início da
década de 1990, Cuba criou a Rede Vespa, um grupo de doze homens e duas mulheres
que se infiltrou nos Estados Unidos e cujo objetivo era espionar alguns dos 47
grupos anticastristas sediados na Flórida. O motivo dessa operação temerária era
colher informações com o intuito de evitar ataques terroristas ao território
cubano. De fato, algumas dessas organizações ditas “humanitárias” se dedicavam a
atividades como jogar pragas nas lavouras cubanas, interferir nas transmissões
da torre de controle do aeroporto de Havana e, quando Cuba se voltou para o
turismo, depois do colapso da União Soviética, sequestrar aviões que
transportavam turistas, executar atentados a bomba em seus melhores hotéis e até
disparar rajadas de metralhadoras contra navios de passageiros em suas águas
territoriais e contra turistas estrangeiros em suas
praias.”
[4] Assista a seguir: “Cuban
Officials talks about
Alan Gross”
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