terça-feira, 8 de maio de 2012

Eleições na Europa: Se a esquerda não organizar a revolta contra a “austeridade”...


8/5/2012, Seumas Milne, The Guardian, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Seumas Milne
A Europa está sendo sacudida pela revolta popular contra a “austeridade”. A eleição de François Hollande não abriu a possibilidade de mudança de direção só na França, mas também nas cidadelas da ortodoxia fiscal em Bruxelas, Frankfurt e Berlim. Na Grécia, o terremoto eleitoral do domingo detonou o establishment político que dominou o país por 40 anos.

Dos Países Baixos à Romênia, os governos caem sob o peso dos cortes nos orçamentos e aumentos de impostos exigidos pelo novo tratado permanente pró-deflação na Eurozona. Na Irlanda, a maré antiausteridade atrai apoios para que o “Não” saia vencedor no referendo sobre aquele tratado, previsto para esse mês.

Ao rejeitar qualquer negociação seja nos termos do tratado seja nos termos do “resgate” impossível imposto à Grécia, Angela Merkel converteu a luta pela economia europeia numa batalha pela democracia. 

Alexis Tsipras do Partido SYRIZA em Atenas, em 8 de maio após as conversações sobre a perspectiva mal sucedida de formar um governo sem novas eleições. Foto: Simela Pantzartzi/EPA
Os gregos e franceses rejeitaram clara, inequivocamente, o programa que a chanceler alemã insiste em meter-lhes goela abaixo.

E não é difícil ver por que o rejeitaram. A “austeridade” não funciona, sequer nos termos dela própria. Cortar empregos e salários e aumentar impostos não estão diminuindo o endividamento, muito menos está levando na direção da recuperação econômica. Só tem conseguido aprofundar a recessão, aumentar as dívidas e destruir empregos, arrochando os padrões de vida em toda a eurozona – na Espanha e na Grécia, já gerou situação de calamidade – e também na Grã-Bretanha.

David Cameron e Nick Clegg aproveitam hoje a ocasião da própria derrota nas eleições locais da semana passada, e insistem que não haverá “facilidades” nem no programa de “austeridade” dos dois. Isso, menos de uma quinzena depois de o país mergulhar oficialmente em recessão, com os cortes chegando já ao setor da construção.

Claro: continuam insistindo que “buscam o crescimento”. Mas como os eleitores em toda a Europa estão descobrindo, se há coisa que não falta são políticas de crescimento: da desregulação, ao investimento público; e os planos de inclusão, para facilitar a demissão de trabalhadores, no discurso de amanhã, da Rainha, não deixam dúvidas quanto ao que anda na cabeça de Cameron e Clegg.

Mas a vitória de Hollande, com plataforma de empregos, investimentos, maiores impostos para os mais ricos e renegociação do pacto fiscal da Eurozona, já mudou a dinâmica política em todo o continente europeu e enfraqueceu o eixo alemão pró-austeridade. Até os mandarins da finança internacional já estão virando casaca: Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu anda falando agora sobre um “compacto de crescimento”, enquanto Christine Lagarde do FMI acaba de descobrir que “a austeridade fiscal atrasa o crescimento, com efeitos piores que os esperados”.

Mas a reviravolta política na Grécia pode ter consequências ainda mais profundas. O colapso econômico da Grécia, disparado pela quebradeira de 2008 e agravado pela austeridade imposta pela União Europeia e pelo FMI, é desastre social de proporções equivalentes à depressão dos anos 1930s nos EUA. Os salários reais caíram 25% em dois anos, segundo a OECD.

Não surpreende que o apoio aos partidos que levaram a Grécia a essa situação tenha caído de 80% para 30%, enquanto os partidos de esquerda, que rejeitaram os cortes impostos por EU-FMI, as privatizações e o impossível pagamento das dívidas tenham surgido à frente dos partidos do establishment desprestigiado e da direita nacionalista.

Por mais que a imprensa internacional só tenha olhos para os 7% de votos dos fascistas do partido Golden Dawn, não há qualquer dúvida de que a grande vencedora das eleições do domingo foi a coalizão da esquerda radical, Syriza, que recebeu 17% dos votos. O líder do bloco Syriza, Alexis Tsipras, já está em negociações, sob a perspectiva de que será impossível constituir qualquer governo na Grécia, sem novas eleições.

Nos últimos quatro anos, a crise degolou presidentes, sem discriminar, do Republicano George Bush e do conservador Nicolas Sarkozy, a Gordon Brown, trabalhista, e a José Luis Zapatero, socialista. E a extrema direita cresceu, em toda a Europa, montada em discurso contra os imigrantes e contra “o sistema”.

Agora, aquela direita está sendo desafiada por partidos de esquerda que rejeitam um fracassado sistema neoliberal e retornam aos territórios sociais – que nunca deveriam ter abandonado. A Frente Nacional de Marine Le Pen ainda apareceu à frente da Frente de Esquerda de Jean-Luc Mélenchon, nas eleições presidenciais francesas. Mas não foi o Partido da Liberdade, islamófobo, do fascista Geert Wilder, quem mais ganhou com o colapso do governo holandês pró “austeridade”. Na Holanda, o partido socialista radical aparece agora em 1º e 2º lugares, nas pesquisas de opinião, já com mais de 20% de apoio dos eleitores.

À medida que aumenta o preço a pagar pela austeridade do establishment, a polarização entre direita e esquerda começa a aparecer na imprensa-empresa como se fosse sinal do crescimento dos “extremismos”.

Mas é simultaneamente repugnante e absurdo ver, sob o mesmo padrão, (I) nacionalistas racistas e xenófobos, que mantiveram no poder governos supostos de centro da Dinamarca à Itália, e (II) partidos da esquerda que têm raízes nos movimentos sociais e oferecem uma alternativa política e econômica progressista.

Absolutamente nada há de “extremista” numa organização como a Syriza grega, que rejeita um programa de destruição social e econômica o qual, esse sim, é extremista em todos os sentidos da palavra – e exige renegociação.

As escolhas políticas dos grupos e debates dominantes nos últimos anos tornaram-se tão rasas, nesses anos de consenso pró-mercado, que o ressurgimento de genuínas alternativas políticas de democratização parece chocante e difícil de compreender.

O que se espera agora é que Merkel bloqueie qualquer movimento de Hollande para renegociar o tratado europeu de “austeridade”, mas aceite algum tipo de pacto de crescimento, vazado em terminologia vaga e imprecisa (como aconteceu quando se tratou de criar o Euro, nos anos 90s), que permita algum empréstimo extra pelo Banco de Investimentos Europeu e alguns projetos de infraestrutura.

Se o presidente socialista francês, nesse quadro, insistir no tipo de corte implicado em seus planos para reequilibrar o orçamento até 2017, num contexto de crise continuada e empobrecimento na Eurozona, o risco de alimentar o crescimento de uma direita peçonhenta, que se nutrirá da desilusão social, é autoevidente.

Mesmo nesse caso – ou no caso de confronto declarado com os mercados financeiros – só um potente movimento social poderá servir como indispensável contrapeso àquela direita fascistizante.

O futuro da Eurozona depende agora do que aconteça na Grécia, e do risco do contágio dos mercados. Alguns, na esquerda grega, esperam melhorar sua posição de barganha contra a União Europeia e o FMI, em novas eleições. Outros são céticos, enquanto cresce a possibilidade de a Grécia quebrar e separar-se do Euro.

A Grécia é caso gravíssimo, onde a batalha política trava-se agora entre posições radicais de qualidade diametralmente oposta. Mas os povos, em toda a Europa estão muito profundamente decepcionados pela ordem dos mercados, que não dá o que promete. Se a esquerda não oferecer alternativa efetiva, outros oferecerão – com consequências horrendas.

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