Publicado
em 03/05/2012 por
*Rui Martins
Berna
(Suiça)
- Comentando meu artigo prevendo a vitória do socialista François Hollande para
a presidência da França, um leitor de direita, mal informado pela grande
imprensa brasileira e mal humorado, comentou que eu decretara a vitória de
Hollande.
Engano,
foi o povo francês, cansado das estripulias e traições do atual presidente
Sarkozy, quem decretou, e isso tornou visível, já faz algumas semanas, a vitória
de François Hollande.
Tudo
ficou ainda mais evidente com o debate de três horas, desta quarta-feira, diante
das câmeras da televisão francesa (foto), depois do qual os comentaristas
políticos franceses e pessoas entrevistadas dão a vitória para o candidato
socialista. Foi um verdadeiro duelo, com a surpresa de se ver Hollande, que era
chamado de fraco e sem presença, se transformar num agressivo, forte e
convincente candidato.
A
hora da verdade será domingo, quando cerca de 53% dos eleitores mostrarão a
porta dos fundos do Palácio do Eliseu para uma saída discreta do irrequieto
Sarkozy por não cumprir suas promessas, por ter falhado na contenção do
desemprego, por ter baixado os impostos para os ricos e aumentado para os pobres
e outras tantas peraltices.
Sarkozy
correu como um hiperativo insone para tentar debelar a crise econômica européia,
contando com o apoio da chancelar alemã Angela Merkel, mas o plano de
austeridade concebido pela dupla franco-alemã aguarda o momento de ser abortado.
A União Européia sabe que as regras vão mudar domingo e seus dirigentes esperam
as novas orientações de Paris, que não serão mais na direção do
neoliberalismo.
Tudo
vai mudar, porque já é historicamente reconhecido que a França tem sempre um
papel de liderança e de vanguarda, no continente europeu, seja no mundo das
idéias, dos costumes, como na economia e na política.
Assim
como Jean-Luc Mélenchon eletrizou o povo francês adormecido e desencantado com
sua nova leitura do socialismo, revivendo comícios dignos da Revolução Francesa,
da Comuna de Paris ou da vitória do Programa Comum da esquerda que levou
Mitterrand à vitória, em 1981, é certo que a derrota da direita de Sarkozy, em
franco adultério com a extrema-direita de Le Pen, despertará os ideais
socialistas nos eleitores europeus.
Os
ventos vão mudar a partir de domingo, mas um espectro ressuscitado por Sarkozy,
na louca tentativa de conseguir obter mais votos, ficará rondando à espera de
intervir e de transformar a vitória de domingo numa
catástrofe.
Sarkozy
no seu desespero diante da derrota fez, como Fausto, um pacto com o Diabo e,
pela primeira vez, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ressurgiu na boca de
uma presidente francês a linguagem do marechal Pétain, colaborador de Hitler
após a ocupação da França.
No
afã de conquistar os votos da extrema-direita francesa do Front National, liderada agora pela
filha de Le Pen, Marine, o já quase ex-presidente deu legitimidade e tornou
compatível o discurso racista, anti-estrangeiros e nacionalista popular dos
neonazistas franceses.
Mas
tudo em vão, porque Marine Le Pen, que promete restabelecer a pena de morte,
expulsar os estrangeiros e branquejar a França, tem outro plano – fragmentar e
destruir a direita francesa para reconstituí-la como um forte partido híbrido de
extrema-direita.
Em
outras palavras, após a derrota de Sarkozy e os ajustes de contas que se
seguirão, o partido do presidente derrotado implodirá, e no seu lugar surgirá um
Front National com outro nome, versão
light,enquanto
Marine Le Pen, aparentemente lavada dos seus perigosos extremismos, poderá se
sentar como líder entre os políticos franceses.
Como
num pesadelo, ressurgirá na França um partido nacionalista, cujo programa
lembrará os espectros do passado. E o pior poderá acontecer se François Hollande
falhar no seu posto de presidente.
Mas,
mesmo na versão otimista de um bom governo Hollande, haverá na cena política
francesa a ameaça latente da ideologia fascista e nazista, numa versão mais leve
e adoçada, porém com o mesmo veneno dos anos 30, escondido no seu interior. Essa
a herança de Sarkozy.
*Rui
Martins: jornalista, escritor, ex-CBN e
ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no
primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos
Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça.
Escreve para o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.
Reside em Berna,
Suíça.
Enviado por Direto
da Redação
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