19/5/2012, Pepe Escobar, Al-Jazeera**
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A Conferência de Cúpula da OTAN em Chicago será crucial para identificar os participantes e suas
estratégias de longo prazo.
Representantes de mais de 50 países são esperados na Conferência da OTAN-2012 em Chicago |
Hong Kong, China – É cerco. Fechado. Um anel de
aço. Um oceano de policiais de Chicago. O Serviço Secreto. A Guarda Nacional.
Quarteirões bloqueados. Cercas de arame farpado. Barreiras de concreto.
Uniformes de controle de tumultos (e mais). O prefeito Rahm Emanuel –
ex-secretário-geral da Casa Branca e confidente do presidente Obama – demarcou
“áreas estratégicas” na cidade. E há “equipes de extração” super preparadas para
extrair manifestantes-alvos de onde estejam, em ambiente de “conflito de baixa
intensidade”.
E, também, importantíssimo, o
LRAD (equipamento acústico de longo alcance) – um canhão de som mais
letal que os Metallica em noite ruim, para garantir que “mensagem clara chegue a
grandes massas”, segundo o Departamento de Polícia de Chicago. O caminhão
LRAD pode ser visto e ouvido no vídeo abaixo:
O que é isso? Bagdá na “avançada”
[surge]? Remake de “Os Irmãos Cara de Pau”, estrelando, o fantasma
de John Belushi e Obama, de Aretha Franklin (ou James Brown)?
Não. É a OTAN ocupando Chicago
para a 25ª Conferência. Como diria o presidente Obama: que ninguém se engane.
“Estamos em Missão Divina”.
Impensavelmente pensável
Não imune às extrapolações do
“conflito de baixa intensidade”, o governo Obama transferiu a reunião do G-8 –
que está acontecendo antes da reunião da OTAN – de Chicago para a isolada Camp
David. Mesmo assim, haverá protestos. Talvez haja sangue. Porque há ampla
consciência, nos EUA [1], de que o G-8 e a OTAN – duas
“cúpulas” jamais eleitas e desobrigadas de dar satisfações aos contribuintes –
são instrumentos que servem, essencialmente, aos 0,1%.
A Conferência de Chicago ampliará
o “Conceito Estratégico” que a OTAN adotou na reunião de Lisboa, em novembro de
2010.
É importante identificar os atores
que operam nas coxias. O “conceito” foi concebido por um seleto grupo de sábios
(e uma sábia), co-presidido pela ex-secretária de Estado dos EUA Madeleine
Albright e Jeroen van der Veer, presidente da empresa Royal Dutch Shell até junho de 2009.
É a tal
simbiose ocidentalocêntrica de empresas/militares/petróleo.
Antes de anunciado esse conceito
de OTAN para o Terceiro Milênio, o presidente da empresa Lloyd's de Londres, ex-diretor da
gigante francesa de energia, Total,
Lord Levene of Portsoken, com o secretário-geral da OTAN Anders Fogh Rasmussen,
caracterizaram a coisa toda como “nova abordagem do gerenciamento de risco”.
Sim,
acrescentou Lord Levene, “temos de estar preparados para pensar o impensável”
[2].
O “impensável”, segundo a empresa
Lloyd's, foi codificado num programa
“360 Risk Insight” [360
insights de riscos] e em “Realistic Disaster Scenarios” [Cenários
Realistas de Desastres], enquanto a OTAN inventava um projeto “Multiple Futures” [Múltiplos Futuros].
O mundo, pois, pode suspirar
aliviado: finalmente, o “impensável” tornou-se pensável, cortesia da empresa Royal Dutch Shell e porção sortida de
gente do Big Oil: gigantes do mercado de seguros, como a Lloyd's; a News Corporation de Rupert Murdoch,
notoriamente altruísta; marcas de fantasia do mercenariato como DynCorp e Academi (ex-Blackwater); a menina dos olhos de Dick
Cheney, Kellogg Brown & Root (KBR); e Halliburton – e, claro, claro, a OTAN.
Pepe Escobar |
Permitam-me
bombardeá-los com meus valores
A OTAN veio à luz em 1949, como
contragolpe, dos EUA contra a Rússia, no tabuleiro de xadrez europeu. A União
Soviética implodiu há 21 anos. Mas a OTAN – como os diamantes de James Bond – é
eterna. A secretária de estado dos EUA Hillary Clinton já está pensando sobre o
século 22.
Mês passado, num convescote
Pentágono/OTAN em Norfolk, Virginia , Hillary
destacou que o encontro de Chicago “reconhecerá oficialmente as contribuições
operacionais, financeiras e políticas de nossos parceiros, numa vasta gama de
esforços para defender nossos valores comuns nos Bálcãs, Afeganistão, Oriente
Médio e Norte da África” [3].
O currículo da tal “defesa” dos
tais “valores comuns” não é lá essas coisas. Depois passar décadas borrando as
botas ante o perigo de ser varrido do mapa pelo Exército Vermelho, a OTAN lutou
sua primeira guerra na Europa em 1999 – 78 dias de bombardeio unilateral contra
a Yugoslávia. Digamos que tenha vencido.
Depois, a OTAN pôs-se a defender o
ocidente na intersecção da Ásia Central-Sul da Ásia: no Afeganistão. Passados 11
pantânicos anos, foi indiscutivelmente derrotada por um bando de pashtuns
nacionalistas armados com Kalashnikovs e lança-rojões.
Em seguida, lá está a OTAN a
bombardear “nossos valores” comuns contra o norte da África, em sua primeira
guerra no continente: na Líbia. Não obteve, propriamente dita, vitória alguma: a
Líbia está convertida num paraíso para islamistas racistas hardcore,
misturado com um inferno de milícias, já devidamente exportado para desgraçados
vizinhos, como o Mali.
E a OTAN recusa-se a reconhecer
que assassinou muitos milhares de civis na Líbia, naquela missão de R2P –
responsabilidade de proteger... civis [4].
Ainda do ponto de vista do
Conceito Estratégico, o que interessa é que a OTAN está próxima de fazer do Mar
Mediterrâneo um Mare Nostrum remixed, um lago da OTAN (embora ainda haja
aquela questão na Síria, a ser resolvida); e está, por toda parte, patrulhando o
Mar da Arábia.
Vamos lá, parceiro!
A própria OTAN apresenta Chicago
[5] como
fórum sobre três principais questões: o “compromisso com o Afeganistão”;
“capacidades” para defender a população e o território afegãos” (mesmo que
signifique bombardear ou ocupar partes da Ásia Central e da África), tudo isso
amarrado sob o título “desafios do século 21” ; e a “rede de parceiros em todo o
mundo”.
As parcerias da OTAN são como
Hidra de muitas cabeças: Parceria pela Paz; Diálogo Mediterrâneo; Iniciativa
Istambul de Cooperação; a Força Kosovo; a Operação Escudo Oceânico (no Chifre da
África); a Operação Protetor Unificado (na Líbia); a Operação Missão Ativa (no
Mediterrâneo), e, até, um gambito no Pacífico: Malásia, Mongólia, Cingapura,
Coreia do Sul e Tonga são parceiros da OTAN na “parceria” “Países que fornecem
soldados” no Afeganistão.
E há a gargantuesca “Parceria Menu
de Cooperação” (com mais de 1.600 possibilidades); o Conselho Rússia-OTAN
[Russian-OTAN Council (RNC)]; e algum impulso para arranjar algum tipo de
parceria com os países BRICS, das potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul) – tudo em nome da “segurança num nível global”. Os BRICS
não estão exatamente muito entusiasmados.
Elizabeth Sherwood-Randall,
diretora de Assuntos Europeus do Conselho Nacional de Segurança [orig.
National Security Council (NSC)], e ex-vice-secretária para Rússia,
Ucrânia e Eurásia em meados dos anos 1990s, justifica esse emaranhado
[6] de
“parcerias”, pela necessidade de a OTAN ser “mais mobilizável e deslocável”. Em
OTANlíngua: a necessidade de “aumentar a interoperabilidade” da OTAN.
Nada menos que 50 nação são
interoperáveis-enredadas no Afeganistão. O Iraque será inevitavelmente anexado à
Iniciativa Istambul de Cooperação. A Líbia cairá dentro do Diálogo Mediterrâneo.
E o mesmo acontecerá à Síria (mas só depois de o regime sofrer
“mudança”).
É
o Conceito Estratégico na prática: a expansão da OTAN inflada ao infinito. O
plano é construir uma “teia de relacionamentos em volta do mundo”.
Sem
surpreender ninguém, esse foi o coração da matéria num grande encontro mês
passado, no cavernoso quartel-general da OTAN em Mons, perto de Bruxelas.
Imaginem os chefes militares dos 28 estados-membros da OTAN, plus os
chefes dos departamentos de Defesa de 22 países não membros da OTAN que mantêm
soldados no Afeganistão – o que inclui todo mundo, de Armênia, Bahrain e
Geórgia, a Jordânia, Mongólia e Emirados Árabes Unidos.
Bem-vindos
à OTAN-Globocop. Esqueçam a ONU. E se você for um dos muitos pequenos parceiros
da OTAN, cuidado com o que pedem em troca da parceria. Mais cedo ou mais tarde,
o Pentágono e a OTAN – afinal, a OTAN é o braço europeu do Pentágono – vai
querer pôr uma base militar em seu país. E o complexo
industrial-militar ocidental fará qualquer matança para vender a você todo o
tipo de armamento complicado, caro e inútil.
Defesa? Qual o quê!
‘Tava só brincando!
Rasmussen
já disse que, em Chicago, a OTAN anunciará que o sistema europeu conjunto
EUA-OTAN de interceptação de mísseis já tem “capacidade operacional inicial”.
Negócio fabuloso, aliás, para Boeing, Lockheed Martin e Raytheon.
Sherwood-Randall
acrescentou que se trata de mísseis de defesa da OTAN “baseado na habilidade
para empregar elementos dos EUA sob comando da OTAN”. Tradução: se alguém
precisasse disso. Nada significaria, não fosse a pegada do Pentágono (sobretudo,
na África, onde o AFRICOM já combateu sua primeira guerra, na Líbia, com um fogo
de barragem de Tomahawks, antes de o comando ter passado para a OTAN).
A
OTAN distribuiu pela mídia a ideia de que se trataria de “sistema de defesa” da
Europa contra os mísseis balísticos transcontinentais da Coreia do Norte ou do
Irã. Nada disso. O sistema será incorporado à capacidade do Pentágono para
“primeiro ataque”. A inteligência russa sabe muito bem quem está no olho do alvo
real.
O
tenente-general da reserva Evgeny Buzhinsky, citado por Voice of Russia,
pergunta: “Por que gastar centenas de bilhões de dólares, só para interceptar
três ou quatro mísseis iranianos? E por que o Irã atacaria a Europa, se 70% de
seu comércio externo depende da União Europeia?”
Mas nem todos os
alvos da OTAN são definidos com vistas a construir um cerco estratégico
em volta da Rússia [7]. Trata-se também de
entrar, de corpo inteiro, na Guerra dos Drones. Já flertam com mais uma
intervenção “humanitária” – na Síria ou, muito mais fácil, no Mali. O Pentágono
gastará apenas $4 bilhões, para modernizar o arsenal nuclear tático instalado na
Europa. E há também a batalha, crucial, para controlar o Ártico.
Globocop avança,
em alta
rotação. Hoje Chicago , amanhã as estrelas. Não há blues
de Buddy Guy que dê conta. A canção-tema da OTAN é Over the Rainbow
[8].
Notas
dos tradutores
*My Kind of
Town é canção de Jimmy
Van Heusen/Sammy Cahn, para a trilha sonora de um filme musical, Robin and the 7
Hoods, de 1964. Foi indicado ao Oscar de melhor canção original naquele ano
(perdeu para Chim Chim Cher-ee, de Mary Poppins). Pode-se ouvir, a
seguir, numa das muitas gravações de Frank Sinatra:
**Versão mais curta e
traduzida deste artigo, sem as Notas de rodapé, foi publicada em Asia Times
Online , 20/5/2012, em: Pepe
Escobar: “OTAN ocupa ‘sweet home’ Chicago*”
______________________________________
Notas
de rodapé:
[1 Ver em: “Coalition Against
NATO/G8 War & Poverty Agenda”
[4] Ver em: “NATO
in the Dock on Libya Bombing”
[5] Ver em: “NATO’s
25th summit meeting”
[6] Ver em: “US
seeks to modernize NATO, deepen partnerships”
[7] Ver em: “NATO
ENCIRCLEMENT OF RUSSIA. The Strategic Role of the "Visegrad Four": Poland,
Hungary Czech Republic, Slovakia”
[8]
1939, de Harold Arlen/E.Y. Harburg, cantada por Judy Garland no filme “O mágico
de Oz”. Em 2003, cantada por Luiza Possi, foi incorporada à trilha da novela
“Chocolate com Pimenta”, da Globo, Br. A seguir uma versão caseira dos Beatles,
de 1963. E por aí vai.
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