A
crise do sionismo
4/5/2012, Patrick Seale, Gulf News, Emirados Árabes
Unidos
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Patrick Seale |
O primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu, da direita israelense mais virulenta, enfrenta desafio sem
precedentes na história recente de Israel. Como primeiro-ministro que mais tempo
permanece no poder, posto que ocupa há mais de três anos, Netanyahu parecia
inamovível. Mas figuras das mais destacadas do establishment de segurança em Israel,
assim como judeus norte-americanos de grande prestígio moral, já começam a
contestar abertamente duas das principais políticas de Netanyahu: a ideia de que
o programa nuclear iraniano seria “ameaça existencial” para Israel, com risco de
Holocausto iminente; e a obcecada expansão das colônias exclusivas para judeus
nos Territórios Palestinos Ocupados (TPO’s), com vistas, como muitos suspeitam,
a criar uma “Grande Israel”.
A oposição a Netanyahu pode ter
consequências de longo alcance.
Por um lado, parece já ter
afastado qualquer possibilidade de ataque preventivo dos israelenses ao Irã,
como Netanyahu ameaça, e ameaça que trombeteia já mais de um ano; por outro
lado, fez reviver a possibilidade de uma Solução de Dois Estados para o conflito
Israel-palestinos, que muitos consideravam moribunda, se não morta.
As críticas mais fortes contra
Netanyahu têm vindo de alguns dos chefes militares e de inteligência mais
condecorados e prestigiados no país. Por exemplo, Yuval Diskin, recentemente
aposentado na função de chefe do Shin
Bet, o serviço de segurança interna de Israel, disse numa reunião, no final
de abril, que “não confia nos atuais líderes políticos de Israel, que podem
arrastar o estado a uma guerra contra o Irã ou a uma guerra regional”. Acusou
Netanyahu e o ministro da Defesa, Ehud Barak, de tomar decisões movidos por
“sentimentos messiânicos”. (...) “Conheço os dois bem de
perto e não são Messias. Não são pessoas em cujas mãos gostaria de entregar o
volante”. Muito diferente de por fim a algum programa nuclear iraniano, Diskin
previu que um ataque israelense resultaria em “aceleração dramática do programa
nuclear do Irã”.
Mudança de rumo - crédito de imagem: Ramachandra Babu |
O comandante geral do Exército de
Israel, tenente-general Benny Gantz, é outro alto oficial que abertamente
contestou a retórica apocalíptica de Netanyahu. “Entendo que os líderes
iranianos são homens muito racionais”, disse ele ao jornal Haaretz em abril, acrescentando que o
Líder Supremo do Irã Aiatolá Ali Khamenei ainda “preferirá andar muito”, antes
de construir armas atômicas. O atual chefe do Mossad, Tamir Pardo, também contradisse
Netanyahu. Para ele, o Irã não representa qualquer tipo de “ameaça existencial”
ao estado judeu. E Meir Dagan, celebrado ex-chefe do Mossad, ridicularizou o
discurso “guerreiro” de Netanyahu: para ele, a ideia de atacar o Irã foi “a
ideia mais estúpida que ouvi em toda a minha vida”; disse também que qualquer
ataque preventivo de Israel ao Irã seria “temerário e irresponsável”.
Dagan criticou sobretudo os
Haredim, judeus ultraortodoxos e conservadores, que não prestam serviço militar,
são beneficiados por isenção de impostos e promovem a segregação sexual em
Israel – como também em New York!
Para Dagan, o “espírito da lei” exige “distribuição igualitária da carga para
todos os cidadãos”. Os Haredim devem ser obrigados a prestar serviço militar
(como também os cidadãos árabes-israelenses, que devem cumprir serviço
obrigatório, se não no exército, pelo menos na polícia, na brigada de bombeiros,
ou no Magen David Adom, o equivalente
israelense da Cruz Vermelha ou do Crescente Vermelho). Ephraim Halevy, outro
ex-chefe do Mossad, também declarou publicamente que “a radicalização
ultraortodoxa é ameaça maior que Ahmadinejad”; e o Irã não traz qualquer perigo
existencial a Israel.
A Solução Dois Estados
Shaul Mofaz, ex-comandante geral
do Exército e ex-ministro da Defesa de Israel, e novo líder do Kadima, partido centrista, disse
recentemente pela televisão, que qualquer ataque ao Irã seria “desastroso”.
Netanyahu, disse ele em tom indignado, “quer criar para ele mesmo a imagem de
protetor de Israel”. Acusou o primeiro-ministro de usar o Irã como ferramenta
para distrair as atenções dos protestos de setembro último, quando 450 mil
israelenses tomaram as ruas de Telavive exigindo justiça social.
Essas declarações, vindas de
anteriores e atuais altos chefes da segurança israelense, mostram o quão
abertamente as ideias de Netanyahu estão sendo contestadas e que há muitos
israelenses que clamam impacientemente por mudanças.
Quanto à questão palestina, dois
artigos chamam a atenção, no International Herald Tribune dia 25 de
abril (reproduzidos do New York
Times), e também apontam para uma onda de pensamento novo entre judeus de
prestígio. Um deles, Ami Ayalon, ex-comandante da Marinha de Israel e ex-chefe
do Shin Bet, prega “outra abordagem unilateral radicalmente nova” do problema
palestino, que crie “as condições para concessões territoriais, baseadas no
princípio dos dois estados para dois povos, que é essencial para o futuro de
Israel como estado judeu e como estado democrático”.
Para divulgar suas ideias e
arregimentar apoiadores, Ayalon criou uma organização chamada “Blue White Future” [Futuro Azul e
Branco]. Diz ele que Israel não precisa esperar por acordo definitivo com os
palestinos. Em vez disso, Israel deve renunciar aos territórios a leste do muro
da Cisjordânia e encerrar para sempre a construção de colônias naquela região,
como também na Jerusalém Leste Ocupada, e planejar a realocação em Israel dos
100 mil colonos judeus que vivem do lado hoje israelense do muro. Israel, diz
ele, deve “providenciar compensação voluntária e uma lei de integração para os
colonos que vivem a leste do muro”. Se nenhum acordo for possível com os
palestinos, Ayalon prega que Israel crie, em campo, uma realidade de dois
estados.
Na mesma página do International Herald Tribune, Stephen
Robert, proeminente filantropo judeu, ex-dono de banco de investimentos e hoje
presidente da Source of Hope
Foundation [Fundação Fonte de Esperança], prega um “reset” no pensamento dos
judeus. Para ele, Israel já não é “um pequeno estado vulnerável”; tornou-se “a
mais poderosa força militar no Oriente Médio”; a única ameaça existencial que
pesa contra Israel é o fato de “ter ocupado o território de 4 milhões de
palestinos por mais de 40 anos. Virtualmente aprisionados, os palestinos não têm
liberdade para movimentar-se nem gozam de direitos civis ou políticos. Vivem
como prisioneiros, sem terem praticado qualquer crime. Vivem sem água e sem
empregos, considerados cidadãos de lugar nenhum...”.
Num apelo apaixonado, acrescenta:
“Os israelenses têm de entender que, ao dar liberdade aos palestinos, também se
libertarão eles mesmos. Estado que discrimina, persegue e renega os vizinhos de
modo tão similar ao modo como os judeus fomos tratados por nossos perseguidores
não pode ser aceitável”.
Peter Beinart, em seu livro
recentemente publicado, The Crisis of
Zionism [A crise do sionismo] (Times
Books, 2012), dá outro sinal claro de o quanto os judeus começam a entender
que Israel optou pelo caminho errado e exigem mudança de rumo. Beinart prega
declaradamente o boicote de produtos das colônias israelenses ilegais nos
Territórios Palestinos Ocupados – medida já adotada por uma cadeia de
supermercados, Co-Operative Group, a
quinta maior empresa varejista de alimentos do Reino Unido.
Quando Israel celebra seus 64 anos
de existência, começam a soprar ventos de mudança na mente de seus mais
respeitados militares e oficiais de segurança e de alguns de seus mais
apaixonados apoiadores no ocidente. Espera-se que palestinos e todo o mundo
árabe respondam positivamente, o mais rapidamente possível, a essa muito
bem-vinda evolução.
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