Publicado
em 10/05/2012 por *Urariano Motta
Recife (PE) - Há pouco, recebi um
email que julgo melhor responder de modo público. Na mensagem, a pessoa, que
pesquisei e desconfio ser real, pedia:
“Boa
tarde, amigo!
Estou
querendo fazer um projeto de pesquisa sobre a relação entre Roberto Carlos e a Ditadura,
mas as fontes estão difíceis.
Quero
saber se pode me ajudar, me dizer quantas e quais as músicas do RC eram contra a
DM.
E outras fontes, como sites e livros”.
Antes,
esclareço que o pedido acima vai mais ao tema que ao colunista. Quero dizer, o
leitor não vê neste aqui autoridade nenhuma para falar sobre Roberto Carlos, no
que é sensato e justo. Apenas, pelas ondas do Google, ele pescou o texto
“Roberto Carlos e a ditadura”, e lançou o grito “me ajude, tema”. Imagino que
deve estar em dificuldade para algum trabalho de curso, num inferno de prazos e
carências, e não quero ser grosseiro em não lhe responder como posso. Então
vamos.
Primeiro,
leitor amigo, perca as esperanças de sucesso na trilha pedida, que ou está
perdida ou é roubada. Você pode pesquisar à vontade, mas creia: não existe uma
só música de Roberto Carlos contra a ditadura. Isso, uma só não há. Os fãs do
rei, que são muitos e fanáticos e sujeitos a algumas alucinações dizem que o rei
possui uma, bela, terna, antológica, ecológica, pelo que cantam:
Debaixo
dos caracóis dos seus cabelos. Aquela dos versinhos “um dia a areia branca /
Seus pés irão tocar / E vai molhar seus cabelos / A água azul do
mar...”.
Já
veem, é música de causar uma revolução, no estômago. Os muitos e muito fãs
gritam, brigam que o Rei (pois assim se referem a RC), os ardorosos exegetas
ensinam que Sua Majestade compôs debaixo dos caracóis para Caetano Veloso, que
se encontrava exilado em Londres. E com isso o Rei teria contrariado a censura,
brigado contra a ditadura, afrontado o general Médici, porque, afinal, “debaixo
dos caracóis dos seus cabelos/ uma história pra contar de um mundo tão distante”
era puro engajamento. Entendam, ver nessa cançãozinha boba algo contra a
ditadura é mais arriscado que traduzir “me dá um xêro” por give me a kiss.
Com
mais razão poderia ser dito que no mesmo disco dos caracóis Roberto Carlos teria
gravado Detalhes para reivindicar a
volta de Brizola ao Rio de Janeiro. Exagero? Não, ouçam a nova interpretação –
com essa referência - para o velho exilado que, embora falecido, até hoje tira o
sono da Rede Globo: “Não adianta nem tentar me esquecer / Durante muito, muito
tempo em sua vida eu vou viver...”. Sentiram? Anistia pura.
Mas
se o leitor permite falar sério de outra maneira, lembramos que Roberto Carlos,
quando explodiu, maneira de dizer, cantou em todos os rádios do Brasil, veio
dentro de um projeto, de um programa que arrebentou em 65. “Em 1965, estreou ao
lado de Erasmo e Wanderléa o programa Jovem Guarda, que daria nome ao
movimento”, dizem as notas. O Jovem Guarda se opunha ao O Fino da Bossa, com
Elis Regina. Enquanto O Fino da Bossa fazia uma ponte entre os compositores da
velha guarda do samba e os compositores de esquerda, de convicções socialistas,
o Jovem Guarda...
"Eu
vou contar pra todos a história de um rapaz
que
tinha há muito tempo a fama de ser mau
seu
nome era temido sabia atirar bem
seu
gênio violento jamais gostou de alguém...”
Na
verdade, o namoro do Rei Roberto Carlos com o regime não foi um breve
piscar de olhos, um flerte, um aceno à distância. O Rei Roberto não compôs só a
música permitida naqueles anos de proibição. O Rei não foi só o “jovem”
bem-comportado, que não pisava na grama, porque assim lhe ordenavam. Ele não foi
apenas o homem livre que somente fazia o que o regime mandava. Não. Roberto
Carlos foi capaz de compor pérolas, diamantes, que levantavam o mundo ordenado
pelo regime. Enquanto jovens estudantes eram fuzilados e caçados, enquanto na
televisão, nas telas dos cinemas, exibe-se a brilhante propaganda “Brasil, ame-o
ou deixe-o”, o que faz o nosso Rei? O Rei irrompe com uma canção que é um hino,
um gospel de corações vazios, um som
sem fúria de negros norte-americanos. Ora, ora, o Rei ora:
“Jesus
Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui
olho
pro céu e vejo uma nuvem branca que vai passando
olho
pra terra e vejo uma multidão que vai caminhando..”
Com
essa composição o Rei erguia multidões de jovens, de todos os evangelhos nos
estádios, com os braços levantados, a clamar por Jesus Cristo. Mas tudo, como
diriam os velhos, velhíssimos fãs, tudo como uma forma de protesto. Protesto
devoto, sagaz e permitido, enquanto o pau cantava fora da
canção.
Enviado por Direto
da Redação
*Urariano Motta
é
natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista,
publicou contos em
Movimento, Opinião , Escrita, Ficção e outros periódicos de
oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador
do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente
também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo,
2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em
1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço,
1997).
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