17/5/2012, M K
Bhadrakumar*, Asia Times
Online
Traduzido e comentado pelo pessoal
da Vila Vudu
Hoje,
17/5/2012, um influente blog de soldados veteranos norte-americanos
sobreviventes das guerras da OTAN-EUA, publica editorial intitulado Veterans
For Peace exigem
o fim da OTAN,
onde se lê:
“Depois
de fazer guerras de agressão na Yugoslávia, no Iraque, no Afeganistão e na
Líbia, a OTAN permanece no Afeganistão, ilegalmente e imoralmente, para nenhum
objetivo conhecido. O povo dos EUA, das demais nações que fornecem soldados à
OTAN e do próprio Afeganistão, exige a saída da OTAN do Afeganistão, enquanto os
presidentes Obama e Karzai, contra o desejo manifesto dos povos, trabalham para
manter soldados dos EUA-OTAN no Afeganistão por, no mínimo, os próximos 12 anos
e meio. (...)
A
matança e a destruição da Líbia, pela qual EUA-OTAN são responsáveis, foram
ilegais, imorais e contraproducentes, tanto quanto o é a agressão da OTAN ao
Afeganistão. As guerras da OTAN não levaram democracia, paz ou direitos humanos
a lugar algum do planeta. (...) A Líbia tampouco é modelo para futuras ações da
OTAN.
Não
há nem pode haver modelo para futuras ações da OTAN. A OTAN perdeu sua razão de
ser.
Os
Veterans For
Peace unem-se aos nossos irmãos e irmãs na Europa e em todo o mundo, que
se mobilizam em manifestações pacíficas para exigir o imediato desmonte da
OTAN.”
No
mesmo dia, o jornal O Estado de S.Paulo publica, requentado do New
York Times, artigo do secretário-geral da OTAN, É
imperativo armar a OTAN,
no
qual o muito sinistro Anders Fogh Rasmussen, secretário-geral da OTAN, pede
dinheiro ao mundo para armar ainda mais a OTAN.
Em
linguajar cifrado-sinistro, para engambelamento da opinião pública – que o
sinistro O Estado de S.Paulo endossa e subscreve, ao requentar e repetir
o que escreve aquele (mais um!) sinistro colunista do sinistro Estadão –
Rasmussen fala da necessidade de “equipar adequadamente a OTAN”.
Assim
se veem, bem claramente, os dois lados: de um lado, a OTAN-EUA e seus veículos
de jornalismo de repetição pelo planeta, a pregar guerras e mais guerras. De
outro lado, os cidadãos, sobreviventes precários de todas as guerras, que se
organizam para resistir à fúria desse aparelho bélico-jornalístico.
Como
tradutores militantes, nos alinhamos firmemente ao lado dos Veterans for
Peace, contra a OTAN, contra as guerras dos EUA em todo o mundo e contra o
jornalismo obsceno que desgraça o Brasil-2012.
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A
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ainda está imprimindo os
cartões de identificação para sua Conferência em Chicago no próximo domingo.
Imprimiram um cartão para o presidente do Paquistão Asif Zardari na 4ª-feira. O
Paquistão tornou-se “elegível”, depois de dar sinais de que baixará a crista e
reabrirá as rotas de passagem para os comboios militares que seguem para o
Afeganistão – apesar de os EUA continuarem obcecadamente a recusar-se a pedir
desculpas formais pelo massacre de soldados paquistaneses em novembro e a
suspender os ataques mortais, com aviões-robôs, os drones, contra aldeias
paquistanesas.
O
Paquistão receberá da OTAN US$1 milhão/dia, à guisa de taxa de pedágio. E é bom
negócio? Um convite para o banquete da OTAN em Chicago, em troca de reabria as
rotas de passagem? Os principais partidos da oposição paquistaneses entendem que
não. Mas... O partido governante é sempre quem decide onde está o melhor
negócio. Além do mais, os militares paquistaneses querem que assim se faça. E
assim será feito.
Zardari
ainda não confirmou presença, mas só para fazer-se mais esperado. Mostrar-se
numa festança daquelas é questão de prestígio nacional. A OTAN não convida Zé
ninguéns: nem o presidente da China nem o presidente da Índia foram convidados
àquele congresso de bruxas em Chicago. (A Rússia foi
sondada, mas respondeu niet [em russo ‘Não !”], mas essa é outra
história complicada; e OTAN-EUA sonharam com convidar Israel, mas a Turquia
bateu pé e disse haver [em turco: ‘Não e não!”]).
A
lista de convidados da OTAN mostra a ingenuidade (ou a arrogância) do ocidente e
é como um mapa do caminho das estratégias globais ocidentais para o século 21.
Que cara tem a tal lista de convidados? O mais espantoso é que, mais ou menos
como no Inferno de Dante, há “círculos”, “estações”.
No
núcleo mais hardcore, estão os 28 países-membros da OTAN. O círculo
seguinte é dos 13 países considerados “parceiros globais” da OTAN – Japão,
Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, do Pacífico Asiático; Qatar, Emirados
Árabes Unidos e Marrocos, do Oriente Médio; a Geórgia, da Eurásia; e Áustria,
Suíça, Suécia e Finlândia, do velho bom quintal europeu.
Esse
é o crème de la creme dos aliados da OTAN. As mais luminosas omissões são
a Indonésia e as Filipinas (essa última, apesar de “estado-de-frente” no
Pacífico Asiático e desejosa de espetar o dragão chinês), a Arábia Saudita
(apesar de ser a bomba de gasolina n.1 das economias ocidentais há bem mais de
meio século), o Egito, a África do Sul, o México, o Brasil e a Argentina (que
são prima-donas nas respectivas regiões). No geral, parece que a OTAN
sente-se meio desconfortável com o Grupo dos 20, que luta para constituir-se.
Jogo
de “amor-bandido”
Marchando
avante, há outro círculo mais externo formado dos países que são partícipes ou
colaboradores na guerra da OTAN no Afeganistão. São os verdadeiros “VIPs” (ou
“heróis”, dependendo do ponto de vista de cada um sobre a sangrenta guerra
afegã), porque põe a cara a tapa e atraíram a atenção da al-Qaeda para resgatar
a OTAN do atoleiro afegão. São (em ordem alfabética, não em termos das
respectivas quotas de suor e lágrimas): o Azerbaijão, a Armênia, o Bahrain, El
Salvador, a Irlanda, Montenegro, a Malásia, a Mongólia, Cingapura, a Ucrânia e
Tonga.
Detalhe
sensacional nisso tudo é que, se algum dia alguém vencer a guerra do
Afeganistão, o mérito pode ser todo de Tonga e sua contribuição, mas fato é
fato.
A
lista está incompleta. Esse círculo tem um subcírculo, em cujo centro está o
Afeganistão (principal tópico de discussão da Conferência da OTAN), cercado por
seus vizinhos da Ásia Central. Parece que a Rússia foi acomodada sob essa
subchefia. Zardari, certamente, encaixa-se nesse nicho.
A
Rússia designou um simples chefe do comitê afegão do Ministério de Relações
Exteriores em Moscou para declarar alto e claro que está ressentida por ter sido
excluída das reuniões chaves da OTAN sobre a condução da guerra afegã, que
acontecem regularmente, faça chuva faça sol, em Bruxelas. Mas também é
ressentimento “nuançado”. A Rússia não tem qualquer objeção à guerra da OTAN no
Afeganistão e é, até, ardorosamente favorável. Mas a Rússia ressente-se, sim, de
a OTAN monopolizar a guerra; a guerra deveria ser “democratizada”.
Os
estados da Ásia Central designaram os ministros de Relações Exteriores, porque,
tecnicamente, são membros também da aliança rival, chamada “a OTAN do Leste” – a
Organização do Tratado de Segurança Coletiva [ing. Collective Security Treaty
Organization (CSTO)].
Essa
CSTO está atada num jogo de “amor-bandido” com a OTAN: é rival da OTAN na
disputa pelo título de principal aliança militar no espaço pós-soviético, mas
também sonha com que a OTAN a reconheça como igual, para que, assim, a própria
CSTO possa convencer-se de que, sim, existe (reconhecimento o qual, como se pode
bem imaginar, a OTAN lhe recusa, obediente aos desígnios de Washington, porque
os EUA preferem tratar com as ex-repúblicas soviéticas individualmente, não como
parceiras ‘júnior’ de Moscou).
As
dificuldades da aliança CSTO são quase imagem especular das da Rússia – anseia
por teto e cama quente no lar europeu comum, mas é insistentemente mantida à
chuva, condenada a espiar de longe, enquanto os EUA continuam a engajar-se
seletivamente nas áreas que interessam às estratégias norte-americanas. (É bem
possível que a OTAN também, algum dia, engaje seletivamente a CSTO, para, por
exemplo, caçar traficantes de drogas na Ásia Central, que muito atrapalham a
economia afegã). A aliança CSTO é formada de Armênia, Belarus, Cazaquistão,
Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão.
Mas,
também é verdade que Moscou sente-se pouco segura por a OTAN ter convidado
líderes da Ásia Central ao banquete em Chicago. Desconfia das intenções da OTAN
na Ásia Central, sobretudo no contexto do possível estabelecimento, ali, de
bases militares dos EUA.
Afinal,
um dos objetivos da conferência de Chicago é avançar na construção da
“estratégia inteligente” [ing. “smart strategy”] da aliança, aprovada na
Conferência de Lisboa, em 2010, para projetar a OTAN como a única verdadeira
organização de segurança global que poderia eventualmente operar mesmo sem
mandado da ONU nos “pontos quentes” [orig.“hot spots”] do mundo.
Moscou
preocupa-se, ante a evidência de que a OTAN já está pegando o gosto por forçar
“mudança de regime” em terras estrangeiras, como o comprova a guerra contra a
Líbia – e também no caso de as tendências perversas que se veem na Síria levarem
a idêntico resultado.
Além
do mais, a OTAN está lançando iscas na direção de estados da Ásia Central, sob a
forma de ofertas cada dia mais irresistíveis. A dura realidade é que os regimes
da Ásia Central têm visto aumentar seus interesses na guerra afegã, com a OTAN
gerando generosamente contratos lucrativos para fornecimento de bens e serviços,
que chegam, abundantes, a empresas de propriedade das elites regionais.
Os
EUA pagam quantia interessante ao Quirguistão, pelo aluguel da base aérea Manas.
Agora, fala-se que parte das armas e equipamentos usados no Afeganistão podem
ser doados a países da Ásia Central, ao longo da retirada, até 2014.
Não
há dúvida de que grossas mamatas, sob direção da OTAN, alastram-se pelas estepes
da Ásia Central e muito incomodam a Rússia. Seja como for, é interessante: os
estados da Ásia Central decidiram, coletivamente, que seus presidentes
manter-se-ão bem longe da Conferência da OTAN e da deliciosa Chicago, cidade dos
ventos. Mas também se pode supor que não passe de supremo ato de autonegação,
nos líderes da Ásia Central, em deferência à sensibilidade de Moscou.
Pergunta
ao chef
Verdade
é que um país chave, vizinho do Afeganistão, foi escrupulosamente mantido longe
da conferência da OTAN, embora ainda mantenha considerável capacidade para
influenciar a maré da guerra afegã: o Irã.
Desperdiçou-se
grande oportunidade ao não engajar construtivamente o Irã. Mas o presidente
Barack Obama, dos EUA, decidiu que a hora não está para jogadas de risco.
O
presidente Mahmud Ahmadinejad é personalidade mercurial, muitíssimo carismático
e poderia acabar roubando o show que Obama cuidadosamente, dolorosamente
coreografou para proclamar ao mundo que é líder de estatura planetária. Seria
arriscado demais, para Obama, sim, num ano eleitoral carregado de percalços. E o
Republicano Mitt Romney ajudado por todo o lobby israelense lhe criariam
terríveis dificuldades, obrigando-o a explicar tanta “softness”
em relação ao
Irã.
Outro
dos círculos em que se divide a relação de convidados da OTAN é o dos quatro
candidatos que esperam na antessala, pela inclusão como membros da aliança – a
Bósnia-Herzegovina, a Geórgia, Montenegro e Macedônia.
A Geórgia ostenta a medalha de ser
o único estado que figura em três círculos: é aliado global da OTAN, é parceiro
na guerra afegã e é elegível ao posto de membro pleno. A mensagem cifrada na
atenção extraordinária dedicada à Geórgia não passaria despercebida em Moscou.
Não por acaso, os primeiros governantes “estrangeiros” que o presidente Vladimir
Putin recebeu depois de eleito vinham de Abecásia e Ossétia do Sul, regiões da
Geórgia.
Não
implica dizer que Moscou tenha qualquer apreensão quanto à Geórgia ser admitida
como membro pleno da OTAN. Putin tem parceiros europeus importantes, como
Alemanha, França e Itália, para garantir que a OTAN não entre em confronto
direto com a Rússia. Putin está satisfeito com a saída de Nicolas Sarkozy e a
emergência do governo socialista em Paris.
E
Obama também já sabe que a prioridade de seu segundo período de trabalho no
Salão Oval – se chegar lá – terá de ser reiniciar o reinício das relações entre
EUA e Rússia, e conseguir que fazer da parceria Rússia-EUA instrumento
previsível e maximamente útil para as estratégias globais dos EUA – sobretudo
ante o desafio muito complexo que vem da China.
Não
há dúvidas de que a lista de convidados da OTAN oferece bom quadro do que os
marxistas-leninistas chamariam “a correlação de forças” na política
internacional hoje. O que aqui se lê não é o quadro completo da política global,
mas é mais da metade do cenário num panorama muito fluido.
Permitam-me
concluir com um raro toque de húbris, e perguntar: o que é uma conferência da
OTAN, quando China e Índia estão ambas cuidando da própria vida e arando as
próprias searas independentes?
No
mínimo, Bruxelas deveria ter incluído uma categoria de convidados chamados “OTAN
+ BRICS”. Os países BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – com
certeza não são menos importantes que a União Europeia, para a configuração do
mundo de amanhã. Por que não foram convidados, é pergunta que o grand
chef do banquete de Chicago – Obama – terá de
responder.
MK
Bhadrakumar*
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
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