4/5/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online, The Roving Eye
blog
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Pepe Escobar |
O
homem fez pose de fenomenal grandeur, como neoimperial Libertador da
Líbia – poucos anos depois de o coronel Colonel Muammar Gaddafi ter ajudado a
financiar sua campanha eleitoral, com nada menos que límpidos 65 milhões de
dólares.
Servindo-se
de um misterioso pacto entre o Espírito Santo e uma camareira africana em New York, ele livrou-se do adversário
que já o desafiava e muito provavelmente o derrotaria na reeleição, o
ex-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan,
libertino assumido.
E
mesmo assim, os franceses, no próximo domingo – nova tomada da Bastilha em
estilo Facebook remix – lá estarão, aos gritos de “cortem a cabeça
dele!”.
Por
quê? Pela arrogância. Pela húbris. O presidente francês Nicolas Sarkozy, também
conhecido como Rei Sarkô, o Neonapoleônico; ex-rei do chacoalhar de correntes de
ouro e diamantes de pescoço [bling bling]; “Chuchu”, para a primeira
dama, a italiana Carla Bruni [1], é
o pior inimigo dele mesmo.
Estilo Ritz de
viver
Bashir
Saleh é ex-chefe de gabinete de Gaddafi e ex-presidente do Fundo Soberano Líbio.
Foi o encarregado de ir e vir, quando Gaddafi decidiu financiar a campanha
eleitoral de Sarkozy, em 2007.
Rei Sarkô |
O
Rei Sarkô, como seria de prever, negou tudo e disse que processaria
Mediapart, website francês que revelou o que, para muitos, nem foi
novidade. Seja como for, na 5ª-feira, 3 de abril, o ex-primeiro-ministro líbio
Baghdadi Ali al-Mahmoudi confirmou tudo, outra vez. E disse exatamente o que o
filho de Gaddafi e ex-aluno de prestígio da London School of Economics, Saif
al-Islam, já dissera antes, em março de 2011: “Sarkozy que devolva todo o
dinheiro que aceitou da Líbia, para pagar sua campanha presidencial.”
Saleh
está na lista de procurados da Interpol, mas permanece na França, autorizado
pelo regime “rebelde” da OTAN na Líbia, o qual, simultaneamente, também diz
estar à procura dele. Guarda com ele confortáveis US$5,2 milhões, bem próximo da
fronteira suíça, com vista para o Mont Blanc.
Tudo
isso protegido pela polícia do Rei Sarkô, que disse que o negócio todo é feito
com “pleno conhecimento e acordo do presidente [do Conselho Líbio de Transição]
Abdel Jalil”. A vida é bela. Essa semana, Saleh foi visto badalando no Ritz, em
Paris [2].
Meu voto é da
Carla
Sarkozy - Hollande |
A
campanha presidencial na França passou hoje pelo proverbial anticlímax, depois
de debate de quase três horas de duração entre o Rei Sarkô e o desafiante,
François Hollande, do Partido Socialista. Consumiram-se trilhões de bytes
nas telinhas, para descrever o debate como essencialmente “tenso”. Sem nocaute.
Sarkô mexeu-se mais que coelho movido a pilhas alcalinas, enquanto Hollande –
carismático como linguiça seca – mostrou-se, de fato, sólido e relativamente
preciso.
A
mentira rolou solta. Sarkô defendeu um seu recorde de empregos criados. Em abril
de 2007, prometia 5% de desemprego ao final de cinco anos de governo. A França
já chegou aos 9,4% de desempregados na população urbana ativa. Depois de cinco
anos de Sarkô, há hoje um milhão de franceses desempregados, a mais.
Como
a broinha que completa o café, o centrista Francois Bayrou – que recebeu 9,1%
dos votos no primeiro turno – manifestou sua repulsa pelo que fez a campanha de
Sarkô, que tentou seduzir a extrema direita; e anunciou que votará em Hollande.
Vale
lembrar que nada menos que 33% dos franceses mantiveram-se longe das urnas no
primeiro turno; preferiram concentrar-se nas ramificações geopolíticas da franja
de Carla Bruni, visão absoluta de top model [3].
Realmente
vitoriosa no primeiro turno – embora opere como míssil político Hellfire tóxico, sem tirar nem por – foi
a extrema direita francesa, com a Frente Nacional (18% dos votos) “normalizada”
por Marine Le Pen, empresária espertíssima e filha do fundador do partido e
conhecido fascista Jean-Marie Le Pen.
O
crescimento da influência da Frente Nacional desde os anos 1980s em todos os
círculos da extrema direita europeia é simplesmente espantoso. O câncer
espalhou-se por toda parte, da França à Itália, Grã-Bretanha, Bélgica, Países
Baixos (Holanda), Áustria, Hungria, Suécia, Dinamarca, Finlândia e até Grécia.
A
xenofobia e a islamofobia estão vivas e fortes, por toda uma Europa paralisada
de medo, afundada em crise. Na Áustria, a extrema direita, depois de anos de
liderança do carismático Jorg Haider, já está hoje completamente normalizada e
legitimada.
Geert Wilders |
Nos
Países Baixos, liderado pelo hiper-islamófobo Geert Wilders, o PVV (Partij
voor de Vrijheid, Partido pela Liberdade) obteve 24% dos votos nas eleições
de 2010 e fez parte da coalizão conservadora no poder, a qual acabou por rachar
por causa, mais uma vez, de Wilders.
Na
Escandinávia, a extrema direita é rampante; na Suécia, por exemplo, os
Democratas Suecos (belo toque orwelliano), pela primeira vez puseram os pés no
Parlamento.
Quem faça campanha a favor da
extrema direita na Europa praticamente jamais erra; basta por-se contra a
globalização e os imigrantes “marrons” e “pretos”; denunciar elites corruptas;
demonizar o Islã; alertar sobre os perigos que ameaçam a identidade nacional,
por culpa do multiculturalismo; e, essencialmente, apresentar-se como “contra o
sistema”. É como se o espectro da Alemanha Nazista flutuasse nos céus, do sul da
França às montanhas dos Cárpatos.
Não
surpreende que, se um partido de extrema direita tem 15% dos votos dos
franceses, os partidos conservadores ponham-se a abraçar as políticas de
direita. Foi exatamente o que fez o Rei Sarkô; perdido o primeiro turno, ele
logo declarou que Marine Le Pen era “compatível com a República”. Pouco
funcionou – porque milhões de eleitores alimentavam neles mesmos, de fato, outra
espécie de fúria: a própria eurofobia.
Eurófobos,
uni-vos
Merkozy |
A
crise da eurozona, países falidos, ortodoxia de “austeridade” por todos os
lados, desemprego, a mão de ferro das agências de avaliação de riscos e dos
tecnocratas do orçamento, e horror econômico generalizado; milhões de franceses,
como outros europeus, culpam Bruxelas. E acontece que o Rei Sarkô é parte dessa
mesma elite odiada – vale 50% do par “Merkozy” (com a chanceler alemã Angela
Merkel) que, em teoria, está tentando “salvar” a Europa.
Assim,
um problema extra para o rei Sarkô do chacoalhar de correntes de ouro e
diamantes de pescoço [bling bling] é que ele não é nem jamais foi capaz
de vender qualquer projeto político, cultural e social, uma visão sua para a
Europa. Ou, que fosse, apontar algum modo de recriar alguma Europa pós-crise
(supondo-se que a atual crise suma logo, o que não acontecerá).
Hollande
é um pepino frio e tudo que diz talvez seja mesmo “superado” – acusações que
ouviu do Rei Sarkô e de The Economist; mas, pelo menos, o retorno dos
socialistas ao poder na França tem alguma chance de sacudir o tabuleiro trôpego.
A
União Europeia terá forçosamente de reexaminar o eixo franco-germânico nesse
momento “pós-Merkozy”; esse, afinal, é o eixo que realmente governa a Europa. Já
se fala muito, em Paris e Berlim , sobre
“continuidade”. Aconteceu também antes, entre Giscard d'Estaing e Helmut
Schmidt, e entre Francois Mitterrand e Helmut Kohl.
Mas
a verdadeira incógnita é o que algum governo de Hollande conseguirá fazer a
favor de uma Europa mais social e mais igualitária. The Economist – quer
dizer, os interesses financeiros da City de Londres – já lamenta o
destino do Rei Sarkô, que tentava “salvar” não só a França mas também a Europa.
Bobagens.
Bye
bye, Rei Sarkô – e já
vai tarde!
_____________
Notas dos
tradutores
[1] 14/8/2009, Pepe Escobar, “Jihad bling
bling”, Asia Times Online, em
inglês.
[2]
2/5/2012, Paris Match, “La
drôle de fuite de Bachir Saleh” [O estranho desaparecimento de Bachir
Saleh], em francês.
[3] 2/5/2012, Repubblica, “Carla
Bruni, nuovo look com
la frangetta”
[Carla Bruni, novo look com a franginha'], em
italiano.
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