8/5/2012, John Brown, Blog Iohannes Maurus - Juan Domingo
Sánchez
12M-2012, Global Change. “Francia
y Grecia. 2 elecciones, ninguna decisión”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Juan Domingo Sanchez (John Brown) |
Dia 8 de maio aconteceram
consultas eleitorais em dois países europeus, um dos grandes e fortes e outro,
menor e marginal na partilha do poder no continente. No país grande, ouviram-se
outra vez as solenes tolices da política representativa, com dois candidatos, um
mais ridículo que o outro, falando em nome “dos franceses” e sem pejo de dizerem
coisas como “os franceses querem”, “os franceses opinam” etc..
O país hexagonal é um dos antigos
centros de poder na Europa. A crise campeia, mas, no momento, ainda não se vê
ali o desastre social que já desgraça os países da Europa do Sul e, sobretudo, o
menor e mais marginal deles, a Grécia. Por isso, ali é ainda possível brincar de
democracia representativa, um jogo de espelhos entre a direita e a esquerda, no
qual os diferentes componentes do poder do capital declaram dar maior
importância ou ao Estado ou ao Mercado, ou à igualdade ou à liberdade para
empreender.
Tudo dentro de uma esplêndida
continuidade entre os dois polos de um sistema que, de modo algum é questionado
nessas categorias que, afinal, são as categorias do próprio sistema. Quem
suponha que algum sistema capitalista se autointerditará e reforçará o estado,
ou que aumentará a igualdade jurídica entre os cidadãos ignora que o mercado
geral, típico do capitalismo, é fruto da atividade do estado; e que a igualdade
entre os contratantes é a condição básica para que haja mercados. Como Michel
Foucault e Chomsky recordaram naquele debate memorável na televisão holandesa,
em 1971 [1], “não se pode combater um regime a
partir de seus próprios conceitos e valores”. Por isso, a esquerda
representativa só representará, no melhor dos casos, uma classe operária que é
parte do tecido do capitalismo, de seu específico modo de distribuir a riqueza.
O papel dessa classe operária na luta de classes é pura mistificação; existe
para ocultar os antagonismos que há por trás dos valores específicos do sistema
capitalista, apresentados como valores “democráticos” ou “valores da República”,
sempre com a voz enrouquecida de tanto proclamar mentiras.
No poderoso país hexagonal, o
vencedor nas eleições presidenciais venceu por pequena margem; um dirigente do
Partido Socialista que se apresentou com programa de crítica moderada às
políticas de austeridade, anunciando sua disposição para mudar o pacto europeu
de estabilidade. Em lugar da austeridade propõe “crescimento”. Hollande,
provavelmente, logo dará marcha a ré nas promessas e voltará ao “realismo”
responsável, aceitará a austeridade e os cortes, talvez em nome do crescimento.
Na França ainda há espaço para mentir com algum êxito e, também, para cortar
gastos públicos e salários.
Enquanto houver essa margem,
prosseguirá o teatro cômico-macabro dos candidatos de direita e esquerda, com
seus próceres “populistas” de direita e de esquerda, que metem, entre o estado e
o mercado, um terceiro personagem da farsa: o povo.
Esse povo que irrompe como se
fosse “o outro” em relação ao mercado, no discurso de esquerda de Mélenchon; ou
como se fosse “o outro” em relação ao estado, no populismo semifascista da filha
de Le Pen. Como se o povo não fosse a unificação, pelo estado e no estado, dos
agentes dispersos do mercado.
Os populismos tampouco são
qualquer tipo de saída para fora do labirinto de espelhos que é a política
representativa, na qual, simplesmente, não há espaço “fora”, nenhum “além” da
representação, que não seja a mera criminalidade “terrorista”; e, mesmo essa, é
um “externo” mistificado, um falso exterior, absoluta e completamente desenhado
pelo poder e a partir do poder.
É impossível qualquer
“representação” da luta de classes. A luta de classes é irrepresentável. Só se
podem representar os espelhos que reproduzem, ao infinito, a falsa oposição
entre estado e mercado, entre povo da esquerda e povo guardião das essências
nacionais.
Como na última cena do filme “A
dama de Shangai” [dir. Orson Welles, 1946-7], os protagonistas disparam contra
as próprias imagens, que veem num labirinto de espelhos, e cada um que dispara
contra a própria imagem acaba por matar outro. O capitalismo modificado pelo
liberalismo e convertido em liberal, derrota o capitalismo modificado pelo
socialismo e convertido em socialista; ou vice-versa. Enquanto isso, se agita o
coringa fascista, previamente alimentado com uma estudada xenofobia de estado,
para que as opções majoritárias respeitáveis e nada “populistas” possam
apresentar as políticas mais brutais como se fossem “um mal menor”... se
comparadas ao que viria, se os fascistas vencessem. A existência de um bloco
fascista permite aos partidos do regime serem, eles mesmos, fascistas... e
acusar a extrema direita de fascismo. É o golpe do policial bonzinho/policial
durão.
Também na Grécia houve eleições
essa semana, mas com resultados e desenvolvimentos muito diferentes do que se
viu na França.
A imprensa-empresa oficialista
europeia apresentou os resultados das eleições gregas como se tivesse havido
grande avanço da esquerda “radical” e retrocesso dos protagonistas do
bipartidarismo helênico, os socialistas do PASOK e a direita do Nea Dimokratia.
De fato, o que aconteceu na Grécia
foi muito mais grave: ali se viu que, a partir de um certo nível de
representação, a própria representação democrática do capitalismo neoliberal
torna-se impossível.
Os dois grandes partidos que
defendem a austeridade e o pagamento da dívida, PASOK e Nea Dimokratia têm menos de 33% dos
votos parlamentares: todas as demais forças representadas no Parlamento grego
são, por sua vez, radicalmente hostis a essa política que está arruinando o país
e empobrecendo as classes populares e as camadas médias.
Nada disso impediu o regime de
fazer todo o possível para que não houvesse meio pelo qual os cidadãos gregos
expressassem o próprio descontentamento: não houve qualquer consulta à
população, por referendo, sobre as medidas de austeridade (Papandreu pagou com o
próprio cargo, a simples sugestão); e, para impedir a manifestação eleitoral de
posições minoritárias, elevou-se de 3% para 5% a porcentagem mínima de votos
necessários para eleger deputados. Com isso, ficaram sem qualquer representação
cerca de 19% dos eleitores – porcentagem maior de votos, que os votos dados ao
partido mais votado, o Nea
Dimokratia.
E não foi só: o número de cadeiras
no Parlamento para o partido mais votado foi aumentado pouco antes das eleições,
criando-se um ‘prêmio’ de mais 50; por isso, o partido Nea Dimokratia, que obteve dos eleitores
18,9% dos votos (só 2% mais que os votos da coalizão Syriza, de esquerda, que teve 16,8%),
terá, graças ao generoso “presentão”, 108 deputados; contra apenas 52 da
coalizão Syriza. A combinação do
mínimo exigido de votos e o “prêmio” ao partido majoritário desfiguram portanto
grotescamente a correlação de forças políticas representadas no Parlamento.
Esse autêntico golpe-de-mão legal,
inventado para assegurar a “governabilidade”, chegou muito perto de dar certo e
permitir um governo de “salvação nacional” formado só pelos partidos Nea Dimokratia e PASOK, dois partidos minoritários que
defendem a política de austeridade e contra os quais os eleitores
manifestaram-se em alto e bom som. Os resultados finais não permitiram essa
solução, porque nem com a fraude legal eleitoral os partidos do Μνημονίο
[/minmonío/, “memorando”] pró políticas de austeridade imposto à Grécia pela
Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI – conseguiram chegar à
maioria absoluta.
A austeridade, pois, tornou-se
ingovernável, sob os parâmetros da democracia grega. E essa é a grande diferença
que há entre Grécia e França.
Na Grécia, será praticamente
impossível formar algum governo a partir dos resultados que saíram das urnas,
porque, embora Syriza tenha alcançado
excelente resultado, nem assim terá apoio suficiente. O Partido Comunista Grego,
que já se recusou a formar listas eleitorais unificadas com os
“socialdemocratas” da coalizão Syriza, porque os considera “europeístas”,
tampouco aceitará qualquer outro tipo de coalizão pós-eleições.
Por sua vez, uma direita
caricaturesca mas terrível, Χρυσή Αυγή [/crisí augí/, “Aurora Dourada”] já
apresentou ao Parlamento projeto de uma política de denúncia das políticas para
os migrantes; e de denúncia, também, da “Junta” (palavra hispânica, que se usa,
na Grécia, para falar da ditadura dos “coronéis do memorando”). No atual
momento, a função dessa formação é semelhante à de Marine Le Pen na França e de
outras extremas-direitas: permitir a radicalização neoliberal e xenófoba dos
partidos majoritários que modo que passem a apresentar o fascismo como “mal
maior”, embora as milícias da extrema direita já estejam nas ruas, em combate
contra os imigrados e futuros imigrados...
Na Grécia, as eleições previstas
para garantir legitimidade para a dominação do capital financeiro, com
implantação de medidas de austeridade e pagamento da dívida, não chegaram a bom
termo e não deram o que deveriam ter dado. A austeridade e a dívida tampouco são
representáveis, como também não há representação possível para a resistência da
multidão em luta contra essas políticas. Os espelhos partiram-se
definitivamente, embora ainda seja possível fazer algumas caretas contra esse
grande coringa, de mil e uma utilidades, que é a extrema direita.
Nos próximos dias, tudo pode
acontecer. Se não há maioria que apóie o plano de salvamento e as medidas de
austeridade que o plano carrega, pode acontecer de todos os pagamentos das
dívidas gregas serem suspensos; e podem-se suspender também os empréstimos que
FMI e financeiras europeias devem fazer à Grécia. É possível também que o país
tenha de sair da zona do euro, o que terá repercussões sobre os demais países
fracos (Portugal, Espanha, Itália, Irlanda, etc.) e sobre toda a Eurozona.
A Grécia está hoje em situação que
faz lembrar a da Alemanha nos anos 30s. As causas são semelhantes: a Alemanha de
Weimar foi arruinada pelo pagamento de brutal dívida de guerra imposta pelos que
venceram a Ia. Guerra Mundial. Na comissão de reparações de guerra, Keynes havia
advertido sobre as consequências desastrosas que adviriam daquela política.
Ante a impossibilidade de uma
revolução (impossível, dentre outras coisas, por causa da profunda divisão das
esquerdas e por causa do sectarismo do Partido Comunista Alemão), um cabo
baixote, feio, ressentido e dado a gritarias, ridículo como os dirigentes do
partido Crisí Augí, tomou o poder. O
resto da história todos conhecem.
Nesse momento, só uma potente
reação em escala europeia contra as políticas de austeridade pode evitar que a
barbárie volte ao continente. A Europa terá de ser verdadeiro espaço de
cooperação produtiva para a multidão, espaço de democracia e de liberdade, não
mera agência de cobrança da odiosa dívida financeira gerida por uma oligarquia
dedicada a fazer a gestão racista da imigração. Nem todos se podem permitir o
luxo do gran guiñol “republicano” que
a França está vivendo; em breve, de fato, já não será possível nem na França.
A Grécia aí está, a mostrar que a
prática de usar a dívida para a dominação social não é coisa para a qual haja
representação democrática. Para preservar a democracia, é urgente acabar com uma
política econômica que, a cada dia, menos consegue esconder o que há nela de
plena dominação política.
Mas preservar a democracia e por
fim à política econômica para dominar não podem, por sua vez, ser feitos sob o
marco dos estados nacionais: a nostalgia soberanista que foi representada no
fascismo, e, em certa medida, também nos “populismos”, é hoje uma armadilha.
Problemas que há muito tempo já
não são problemas nacionais só poderão ser resolvidos em escala europeia.
Se nos fechamos, cada um em seu estado, encontraremos pela
frente a violência capitalista cada vez mais brutal, e seremos cada vez mais
incapazes de derrotá-la. Outra construção europeia é necessária e
urgente.
O 12M, 12 de
Maio de 2012, será, por tudo isso, muito mais
decisivo que as eleições de 6 de maio passado.
Nota dos
tradutores
[1] O debate (texto em
inglês) aconteceu em novembro de 1971, na Escola Superior de
Tecnologia de Eindhoven (Holanda). Excerto, em português.
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