Só
a mídia-empresa não viu as ruas tomadas no MayDay-NY
3/5/2012, Allison
Kilkenny, The Nation
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Allison Kilkenny |
A mais clara lembrança que
permanecerá, para mim, do May Day em
New York ontem é o quanto a grande
imprensa-empresa errou nas estimativas do número de pessoas que tomaram as ruas.
A Agência Reuters declarou que o protesto teria sido “um fracasso” [1], para,
logo depois voltar atrás e noticiar exatamente o contrário, que o renascimento
de Occupy Wall Street estava “longe de ser um fracasso” [2]. E o
jornal Daily News noticiou, perfeito absurdo, que apenas “algumas
centenas de ativistas, pelos EUA” participaram das marchas, apesar de todos
estarem vendo que, só em New
York City ,
dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas.
Mas,
até aí, só se vê a superfície da péssima cobertura oferecida pela grande
empresa-imprensa do establishment. Os “analistas” fizeram serviço ainda
pior.
A
CNN publicou longo ensaio assinado por Amitai Etzioni, professor da George Washington University, sob o
título “Porque o MayDay de Occupy deu em nada”, que parece tentar
demonstrar que Occupy teria falhado,
porque hoje cedo, ao raiar do dia, ainda havia capitalismo no mundo.
Parte
da questão parece resumir-se ao fato de que os grandes veículos decidiram que o
protesto falhou porque não houve greve geral – e não houve, porque greves gerais
são ilegais nos EUA.
Nenhum
dos militantes pró Occupy Wall Street
com quem conversei jamais acreditou que haveria greve geral, motivo pelo qual a
manifestação passou a ser chamada de ato de “protesto contra o estado da
economia”, mesmo que muitos ainda falassem em greve geral. A expressão foi
mantida por várias razões, entre as quais atrair o maior número possível de
trabalhadores e, também, para chamar a atenção para o fato de que é ilegal, nos
EUA, que trabalhadores saiam às ruas em manifestações massivas de união e
solidariedade. O que é absoluta insanidade.
Contudo,
manter o tema da “greve geral” deu a jornalistas incompetentes ou preguiçosos o
pretexto ideal para decretar que todo o processo teria fracassado.
Em
artigo profético intitulado “Ocupar ou Fracassar” em Salon, Natasha
Lennard antecipou perfeitamente o tipo de cobertura que a
grande imprensa-empresa daria ao protesto, com os jornalistas, em uníssono,
construindo narrativas que só consideravam duas possibilidades: ou o sucesso ou
o fracasso. A grande imprensa-empresa sempre fez isso, sempre que abordou o
movimento OWS. Occupy não conseguiu fechar Wall Street dia 17 de setembro. Occupy não conseguiu fechar a ponte do
Brooklyn. A greve geral em Oakland não foi greve completamente geral. E assim
por diante.
Ora,
argumenta Lennard, é perda de tempo contabilizar sucessos e fracassos, porque o
que realmente interessa na resistência de massa é a própria luta.
Judith
Halberstam, militante dos direitos dos gays, destacou, em suas discussões sobre
sucessos e fracassos, que o fracasso, dito em poucas palavras, “conota o esforço
que não alcança o resultado esperado”. Como tal, Occupy – estranho, complexo, sempre
mutável conjunto de ações, reuniões e conexões, como é – renega, por princípio,
toda a lógica baseada em sucessos e fracassos. A consistente recusa a propor
‘exigências’ ou conjunto fechado de metas e objetivos do movimento significa que
jamais houve qualquer “resultado almejado” em relação ao qual alguém pudesse
demarcar sucessos ou fracassos. Mas Occupy é uma teia de nós frouxos.
Diferentes grupos de Occupy com
certeza definiram metas (atravessar a ponte do Brooklyn e acampar do outro lado,
dia 1º de outubro; calar o sino da Bolsa de Valores, dia 17 de novembro; ocupar
Union Square até a manhã seguinte, para citar alguns exemplos) – e alguns
falharam. Mas não há dúvida de que alcançaram estrondoso sucesso no acúmulo de
energia e no trabalho para atrair a atenção da mídia. Em relação a planos feitos
e metas fixadas, sim, algumas ações fracassaram.
Mas,
como muitos que lá estiveram podem confirmar, em todos os fracassos revelaram-se
alguns dos maiores sucessos do movimento Occupy. Naqueles dias, quando multidões
caóticas apareciam de todos os lados pelas ruas e andavam em massa pela cidade
por vias não permitidas ao público, a ideia de que “ninguém nos deterá” estava
ali, diante de nós, muito clara e eloquente.
Eu
fui presa na ponte do Brooklyn, quando cobria os eventos para o New York
Times. Enquanto esperava, com os braços presos em algemas de plástico, com
outros presos, pelo ônibus que nos levaria até a delegacia, chovia e fazia muito
frio. Nunca antes a imagem icônica daquela ponte pareceu-me mais bela e
emocionante. O fracasso, por não termos cruzado a ponte, foi experiência
absolutamente espetacular.
Esse
tipo de fracassar no caminho da vitória é coisa que a imprensa-empresa não
entende, a menos que se trate de escrever a hagiografia rósea de algum alto
executivo de Wall Street que tenha
fracassado alguma vez, no início da luta para assegurar gordos bônus para si,
quando começava a lutar para destruir a economia dos EUA.
Dezenas
de milhares de pessoas na rua seria show de algum “movimento fraco de
migrantes”, como escreveu Businessweek, ou “início lento e cansado”, na
opinião de um especialista do National Post. Mais sutil, o New York
Post publicou artigo intitulado “Adeus, Occupy”, tão cheio de otimismo sobre o
futuro do MayDay quanto se poderia
esperar daqueles colunistas.
Em
resumo: nem todas as lojas em New York
City fecharam as portas; os manifestantes tornaram “um
inferno, a volta para casa” e quem saiu às ruas foi “gente que não tinha o que
fazer”. Diagnóstico: FRACASSO.
Que
o Post não veja o que realmente está acontecendo é normal e esperado. Mas
o que outros jornais, considerados de melhor qualidade jornalística escreveram,
todos sem ver a significação do May
Day, também é importante. Estimar multidões em manifestações é uma espécie
de piada pronta entre jornalistas, que conhecem bem os cálculos para inflar
números dos discípulos de Glenn Beck em seus comícios, e, se todos riem dos
números alardeados pelos Beckistas, é porque estimar corretamente os números em
manifestações públicas faz toda a diferença entre a notícia e a piada. Uma coisa
é noticiar que “centenas” de pessoas reuniram-se; outra coisa é noticiar que
havia “dezenas de milhares” de pessoas, porque cada narrativa pinta imagens
radicalmente diferentes na cabeça do leitor ou do telespectador.
Uma
versão implica que Occupy estaria
esvaziado. A outra implica que dia 1º de maio houve um ressurgimento, e
claramente indica que o movimento continua a contar com o apoio de dezenas de
milhares de cidadãos (e eleitores), só em New York, com certeza, pelo menos.
Occupy
sempre
soube que não seria bem recebido pela grande mídia-empresa, motivo pelo qual uma
das primeiras ideias foi criar sua própria mídia. OWS tem jornal próprio e equipes de
mídia que criam vídeos e minidocumentários e que são fonte da qual se abastece a
mídia social. Assim conseguiram fugir ao filtro da imprensa-empresa, que até
agora ainda não soube avaliar corretamente o mais importante movimento social
que os EUA conhecem em várias gerações.
Encontravam-se
literalmente milhares de “aulas” sobre “o futuro de Occupy”, impressas e online. O
que ninguém publicou é o único fato real: que ninguém sabe do futuro de Occupy. É possível que OWS sequer se aproxime de obter qualquer
tipo de reforma. Dificilmente, aliás, obterá. O mais provável é que OWS se transforme em algo que ninguém,
hoje, pode prever. E depois, outra vez se transformará, e outra vez, e outra
vez.
Os
jornalistas jamais viram movimento semelhante. Mas, justamente por isso,
deveriam estar atentos, tentando noticiar com precisão, pelo menos, o número
aproximado de manifestantes, caso a caso: estariam prestando o bom serviço de
estimar o que jamais antes se tentou estimar nos EUA, a saber, os números reais
da resistência popular no país.
Repetir
à exaustão sempre as mesmas 300 palavras sobre “o futuro de Occupy” e publicar as mais ensandecidas
estimativas do número de manifestantes não ajuda ninguém.
Não
faz sentido algum que os jornalistas enlouqueçam tão completamente, apenas
porque há muita gente que protesta nas ruas. Estimar com algum rigor o número de
manifestantes seria, apenas, fazer bem feito um serviço que é o a-b-c da
profissão.
Notas
dos tradutores
[1]
Assista
vídeo da manifestação a seguir:
[2]
“Tuitadas”em:
Reuters'
Occupy Turnaround
Obs. As fotos do "fracasso" do OWS de NY foram obtidas na internet pela redecastorphoto
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirIsso tudo espanta, num país em que, desde 1886, o Primeiro de Maio não é comemorado como Dia dos Trabalhadores, pois tido como data maldita e vergonha nacional (cf. as matanças de Chicago naquele ano estão na origem da efememéride mundial). Essa omissão comemorativa foi também adotada no Canadá e na Austrália, como preito de solidariedade anglo-saxônica e temor de contaminação.,,
Abraços do
ArnaC.