25/5/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Quer dizer então que a grandiosa
estratégia da política externa do governo Barack Obama, de tentar demonstrar a
quadratura do círculo nas duas frentes (tentar obter um acordo nuclear com o Irã
e, simultaneamente, repor nos trilhos a economia da Eurozona), afinal
deslanchou. Só não se sabe para aonde (Ver “Pepe
Escobar: Guerra e cheeseburgers” de 22/5/2012).
Nem Zeus sabe. Todas as discussões
da semana passada em Bagdá e Bruxelas só fizeram
empurrar a bola cada vez mais na direção de Moscou e de Paris/Berlin.
A história em Bagdá
Conselho de Segurança da ONU |
A muito esperada reunião dos cinco
membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – EUA, China, Rússia,
Grã-Bretanha e França, “mais” a Alemanha (P5+1) – com o Irã, em Bagdá, pelo
menos produziu um resultado: uma terceira rodada de negociações em Moscou, mês
que vem.
Nem poderia ser diferente. Um P5+1
rachado (de um lado, EUA e Europa e, de outro, os países BRICS, China e Rússia)
queria que o Irã parasse completamente de enriquecer urânio a 19,75% – apesar de
o Irã ter pleno de direito de fazer esse enriquecimento, como signatário do
Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Em troca, o P5+1 ofereceu aliviar
(pouco) o pacote de sanções, permitindo que os EUA vendam ao Irã peças de
reposição para aviões e uma vaga “assistência” para desenvolver o setor de
energia solar no Irã.
Conversações de Bagdá - Irã e P5+1 |
Teerã não mudou um milímetro na
posição inicial. Para ser considerada, a proposta do P5+1 teria de ser
“significativamente revista e reformada” – segundo informe da agência de
notícias IRNA. O principal objetivo do Irã, nessas negociações, é aliviar as
sanções do Conselho de Segurança. Para a liderança iraniana, há diferença bem
demarcada entre a ONU como um todo, e a muralha de desconfiança que envolve
qualquer governo dos EUA. Rússia e China apoiam os iranianos.
Teerã até aceita, em princípio, a
ideia de receber do exterior o suprimento de urânio enriquecido a 19,75% de que
precisa para produzir combustível para seu reator de uso médico. E talvez até
aceite que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) inspecione a base
militar em Parchin (embora a AIEA não tenha competência para tanto).
Mas o ponto chave ainda é que o
grupo P5+1 reduziu a poeira o Tratado de Não Proliferação. O mantra é sempre o
mesmo, repetido desde 2006: Teerã tem de suspender qualquer tipo de
enriquecimento de urânio. E a exigência tem sido imposta a ferro e fogo,
mediante violentíssimo bloqueio financeiro, cujo objetivo principal é paralisar
a economia do Irã, impedindo que o país venda petróleo através do sistema
bancário internacional. Dizer que é ação injusta, é dizer escandalosamente
pouco.
É quando entra em cena a União
Europeia (UE) – com sanções extra e bloqueio ao petróleo, que,
em teoria, entrarão em vigor dia 1º/7, que ultrapassam as sanções impostas pelo
Conselho de Segurança e, para começar, são virtualmente ilegais. E a isso se
acrescenta uma lei norte-americana a entrar em vigor dia 28/6, que proíbe bancos
estrangeiros de operarem em negócios para pagar por petróleo iraniano.
Mas o governo Obama precisa de
algum acordo – seja firmado em Moscou, ou onde for. É essencial, para que Obama
o apresente como triunfo de sua política exterior. – De fato, é muito mais
substancioso, como ‘triunfo’, que o assassinato de Osama bin Laden em ataque
em território
do Paquistão (Ver “Pepe
Escobar: Como Osama reelege Obama”,
24/5/2012.
Se não chegarem a acordo algum, o
governo Obama será forçado a pressionar ainda mais a União Europeia para que,
até pelo menos o final de 2012, implante a proibição de empresas europeias darem
cobertura de seguro a petroleiros que transportem petróleo iraniano (empresas da
União Europeia controlam praticamente todo o mercado global de seguros
marítimos). [1]
Quem sofre os efeitos das sanções?
Não a liderança em Teerã – alvo do muito suspeito projeto de “mudança de
regime”. A ditadura militar do mulariato permanece confortavelmente no poder,
com o preço do petróleo acima de $54/barril (hoje, o petróleo cru Brent
está custando cerca de $106; o West Texas Intermediate, $90
[2]. E Teerã está vendendo energia em
várias moedas, do Yuan à Rúpia indiana; e está engajada também em venda “no
varejo” a clientes – sobretudo na Ásia.
Moral da história: a União
Europeia terá de esquecer para sempre esse absurdo bloqueio contra o petróleo
iraniano, para evitar problemas graves para si mesma e, por tabela, para a
economia dos EUA.
A história em Bruxelas
Merkollande |
O festivo nascimento da
Merkollande foi registrado pela revista semanal alemã Der Spiegel.
[3]
O novo presidente francês François
Hollande arrastou multidão monstro à sua primeira conferência de imprensa depois
de reunião de Cúpula da União Europeia – que começou bem depois da 1h da manhã e
durou mais de uma hora, quando a chanceler alemã Angela Merkel falou, por cinco
minutos, para sala já metade vazia.
O cenário está montado para um
confronto de nível Gotterdammerung/ Crepúsculo dos Deuses wagneriano.
Hollande fará o diabo para provar a Merkel que a ideia de lançar Eurobônus é a
única saída para escapar do desastre da Eurozona.
Hollande insiste que seria útil
para países que enfrentam hiper dificuldades, como a Espanha, por exemplo, em
termos de economizar no pagamento de juros estratosféricos e poder usar o
dinheiro em investimento produtivo.
Espanha , Itália, Irlanda e Áustria apoiam Hollande.
O argumento de Merkel é o
argumento da Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo
Monetário Internacional): Eurobônus violam a lei da União Europeia. Suécia,
Finlândia e Países Baixos apoiam Merkel. Hollande admite que os tratados da
União Europeia terão de ser reformados para acomodar os Eurobônus – o que
implica enorme confusão, porque Grã-Bretanha e República Tcheca já rejeitaram
uma proposta de emenda aos tratados, ano passado.
Toda a situação é imensamente
complexa. Hollande admite que só num futuro distante se pode supor que alguns
membros da União Europeia venham a aceitar os Eurobônus; alguns talvez aceitem,
para objetivos muito específicos; e alguns, de saída, já rejeitam a ideia.
Joseph Stiglitz |
Os banqueiros europeus, por sua
vez, refugiam-se num difuso conceito de “sustentabilidade da dívida”: alguém tem
de pagar, e são os assalariados. Pouco importa que Joseph Stiglitz, Prêmio
Nobel, esteja soltando fogo pelas ventas com “as pontificâncias” desses que, “no
reino dos bancos centrais, ministros das finanças e banqueiros privados,
arrastaram o sistema financeiro global até a beira da ruína e criaram toda a
confusão”. [4]
Ninguém parece estar apontando em
subsídios multianuais, dos países do núcleo da Europa para os países da
periferia, a maioria dos quais são parte do Club Med. Ao mesmo tempo, todos sabem
que jamais haverá placa de “Saída” na Eurozona. Mas, atualmente, o impensável já
é pensável.
Seja como for, o que está sendo
descrito como um orwelliano “pacote
de crescimento” só será decidido na próxima reunião formal da União Europeia no
final de junho – depois de dois eventos cruciais dia 17/6: as eleições
parlamentares na França e a possível vitória da Coalizão Syriza, de esquerda, na
Grécia, cujo principal ponto de plataforma eleitoral é renegociar o resgate que
Berlin/Bruxelas impuseram ao país.
A verdade, vale registrar, é que
os líderes políticos da União Europeia absolutamente não sabem o que fazer com a
Grécia. Ao mesmo tempo em que querem acalmar o deus do mercado e dizem que a
Grécia nunca deixará o euro, também ameaçam os gregos: “Se não votarem certo,
serão expulsos do euro”. Não surpreende que o governo Obama esteja tomado de
perplexidade. Comparado a isso, assassinar Osama foi mamão com açúcar.
Notas
dos tradutores
[1] Sobre essa questão, ver matéria
de atualização em 23/5/2012: REUTERS: “Japão
pode garantir cobertura de seguro aos petroleiros que transportem petróleo
iraniano”.
[2]“Brent crude e West Texas Intermediate (WTI)
são dois tipos de cotação: WTI é a
cotação do petróleo comercializado na Bolsa de Nova York; aplica-se em geral ao
produto extraído principalmente na região do Golfo do México; o Brent é comercializado na Bolsa Londres;
aplica-se ao petróleo extraído no Mar do Norte e no Oriente Médio. O Brent é referência de valor mais usada
no mercado europeu; e o WTI, no
mercado americano. Mas as diferenças não são apenas geográficas. O WTI é cotação usada para petróleo mais
leve e mais fácil de ser refinado (que, por isso, tem preço superior ao Brent)” [Nívea Terumi, O Estado de
S.Paulo].
[3] 24/5/2012, Spiegel Online
Internetional: “Hollande
Steals the Show from Merkel”.
[4]13/5/2012, Joseph Stiglitz, Real Clear Politics: “Rush
to Austerity Will Doom Europe”; Slate.
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