terça-feira, 29 de maio de 2012

Chomsky: Inesperadamente moderado


Resenha de Occupy de Noam Chomsky (NY: Penguin, 2012, 128 p.)

9/5/2012, George Eaton, New Statesman, Londres
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Em outubro de 2011, no ponto mais alto a que a água subiu no movimento Occupy, Bill Gross, Republicano, administrador do maior fundo de investimento do mundo, PIMCO, tuitou:

“Os 99% fazendo luta de classe? Claro, estão reagindo, depois de 30 anos que passaram sob intenso tiroteio”.

George Eaton
O mais recente livro de Noam Chomsky inicia com a declaração de que Occupy é “a primeira resposta pública forte a 30 anos de luta de classe”. É boa medida de avaliação do sucesso do movimento, que o administrador de fundo de investimentos e o intelectual de esquerda o definam por palavras e critério idênticos, mas não chega a surpreender. O slogan de Occupy – “O 1% versus os 99%” – merece a rara honraria de ser reconhecido pela verdade empírica.

Nos últimos 30 anos, os EUA conheceram uma das maiores transferências de renda e riqueza, dos pobres para os ricos, da história moderna. Em 1980, membros dos infames “1%” embolsaram 10% da renda nacional. Hoje, embolsam 25%. Em 2010, 93% dos $288 bilhões que os EUA cresceram foram diretamente para o 1%. A “Grande Compressão” dos anos 1940s deram lugar ao que o colunista Paul Krugman do New York Times chama de “a grande divergência”. O mais espantoso sobre Occupy, portanto, é que tenha demorado tanto a nascer.

Noam Chomsky
O panfleto de Chomsky (dedicado às “6.705 pessoas presas, até agora, por apoiar Occupy”) reúne a fala de Chomsky à ocupação de Boston, onde os manifestantes plantaram 150 barracas no distrito financeiro; uma entrevista a Edward Radzi Vilovskiy, aluno da New York University; uma “InterOccupy teleconference”; uma sessão de perguntas e respostas sobre “ocupar a política exterior”; e o tributo do autor ao falecido historiador Howard Zinn.

Chomsky jamais teve grandes dotes de oratória, e os que esperavam rompantes de retórica à Shelley ficarão desapontados. De fato, se comparado aos ofegantes comentários que Occupy desencadeou, o que mais chama atenção no Occupy de Chomsky é a moderação.

A um manifestante que lhe perguntou: “Deveríamos estar trabalhando declaradamente pela revolução, ou o melhor é nos aproximarmos dela por outras vias?”, Chomsky respondeu: “Antes de qualquer outra coisa: ainda nem nos aproximamos do muito que se pode obter pela via das reformas.” Para evidente surpresa dos muitos reunidos em Boston, na Praça Dewey, Chomsky manifestou nostalgia do período do pós-guerra e saudou o crescimento “igualitário” dos anos 1950s e 1960s. Citou a legislação do New Deal dos anos 1930s como exemplo dos ganhos que se podem obter daquele “ativismo popular de larga escala”. Esse autodescrito anarquista fala, mais, como um social-democrata. Convidado a apoiar uma greve geral, Chomsky oferece a resposta cautelosa, provisória, que se poderia esperar de um ministro trabalhista de um shadow cabinet: “Pode-se pensar nisso como ideia possível, quando a população esteja pronta para ela.”

Noutro ponto, não mostra qualquer simpatia pelos que fazem eco ao que Norman Mailer disse, sobre o clima político nos EUA ser “pré-fascista” e observa que “há cerca de um século (...) as classes dominantes perceberam que já não conseguem controlar a população pela força”. 

Marcha do Movimento Occupy Wall Street em New York. Noam Chomsky dedicou seu livro a todos os manifestantes presos. Foto Emmanuel Dunand
Os que acusam Chomsky de antiamericanismo, também se surpreenderão com sua certeza de que “nos EUA, podemos fazer quase qualquer coisa que queiramos fazer. Não somos como o Egito, onde você será assassinado pelas forças de segurança”. Ao mesmo tempo, quando teorias e paranoias conspiratórias florescem no campo da esquerda, há algo de entusiasmante na apaixonada sanidade de Chomsky. Por mais que, às vezes, seja irritantemente banal (“Gosto de Gramsci. É importante”), mais vezes consegue realizar o prodígio orwelliano de “ver o que está diante do nariz de todos”.

As virtudes do “dizer a verdade ao poder”, disse ele uma vez, são virtudes muito frequentemente superestimadas, porque o poder já conhece a verdade. Muito mais importante e necessário seria dizer a verdade à opinião pública que, essa, ignora a verdade. Quanto a isso, Chomsky saúda acertadamente o movimento Occupy como oportunidade de conscientização. 

Pesquisa realizada pela Pew Foundation mostra que 66% dos eleitores nos EUA acreditam que há conflitos “muito fortes” ou “fortes” entre ricos e pobres nos EUA – aumento de 19% em relação a 2009. Chomsky considera essa transformação como lei, ao mesmo tempo, macro e micro. 

A “Lei Buffett” recentemente proposta pelo presidente Obama, que introduziria um imposto federal mínimo de 30% a ser pago por todos que tenham ganhos superiores a $1milhão/ano, pode ter sido sabotada pelos senadores Republicanos, mas é apoiada por 72% do público norte-americano. As reformas a favor das quais Chomsky advoga – financiamento público de campanhas eleitorais, emenda constitucional para abolir direitos da personalidade jurídica, sistema tributário progressivo – já não são meros itens de discussão entre esquerdistas. 

Mas a ampla simpatia que Occupy tem merecido de tantos é, simultaneamente, uma bênção e uma maldição. Como Nicholas Lemann escreveu recentemente na revista New Yorker, “99% é categoria ampla demais para ser efetiva força política”. [1] O livro da vida dos EUA, mais provavelmente, continuará sem marcação especial, até que brote uma coalizão de interesses menos disparatados. Nesse sentido, por hora, tudo parece aconselhar que se abrace o pessimismo radical de Chomsky.



Nota dos tradutores
[1] 23/4/2012, Nicholas Lemann, “Evening the Odds”, The New Yorker.

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