Gutemberg da Silva Rocha |
Publicado em 03/05/2012 por *Urariano
Motta
A semana passada, depois de
publicar “As cotas para negros nas universidades”, pude acompanhar a discussão
gerada pelo texto e pelas cotas. Entre vários argumentos contra, todos muito
democratas, daquela democracia “o que faz um negro em meu ambiente?”, o mais
comum era que as cotas eram racistas porque tratavam os negros como mendigos
retardados. Perdoem a grossura, que dói até na reprodução, mas os democratas
eram desse gênero. Acontece, Cartola, que para nossa felicidade, pude ver um
testemunho vivo de um beneficiário de cotas. A ele, sem qualquer conserto:
“Me chamo Gutemberg da Silva
Rocha, tenho 27 anos, e estudei todo o meu ensino fundamental e médio na Escola
Senador Aderbal Jurema, no bairro do Curado IV, na periferia do Recife, onde
praticamente nasci e onde costumo ir quando visito o
Brasil.
Me graduei em Relações
Internacionais pela FIR (Estácio) em junho de 2011. Desde o primeiro período já
era nítida a diferença que existia entre mim, mais dois colegas ‘cotistas’, e os
demais do curso. Com exceção de uma moça negra, todo resto da turma era de pele
clara e com um poder aquisitivo estável. Verdade seja dita, havia algumas
pessoas ali que não se importavam com a questão de cotas nem com a cor da pele,
mas era nítido que havia um preconceito oculto na
maioria.
Fui beneficiado pelo Prouni, e o
vejo também como um sistema de cotas, com uma dinâmica diferente, porém com a
mesma essência do sistema utilizado para incluir os negros. Ele permite que
pessoas de menor poder aquisitivo (uma grande parcela é negra) tenha a mesma
oportunidade de educação de um jovem de classe média (maioria branca).
Minha média geral foi 8,29,
enquanto a média da turma ficou em torno de 6,75.
Atualmente trabalho em
Luanda-Angola para a construtora Queiroz Galvão. Faço as compras internacionais
da empresa. Resido em Luanda há mais ou menos 1 ano. Os angolanos se identificam
muito com o Brasil, o que facilita nossa relação com eles. Não é estranho ter
acesso a shows de artistas brasileiros, restaurantes com comidas das mais
diversas regiões do Brasil, televisão, etc... Enfim, Angola se espelha muito no
Brasil, porém mantendo suas tradições.
Sou a favor das cotas para negros,
não apenas pela dívida histórica, mas também para que os negros olhem um médico
ou um engenheiro atuando e sintam que também é possível chegar lá. Sou mais a
favor do forte investimento na educação de base, para que em um futuro próximo
todos possam concorrer de igual para igual, e assim não se fazerem necessárias
essas cotas. Porém, como esse processo é longo, não podemos deixar que uma
geração inteira se perca por causa de erros do
passado.
Envio em anexo uma foto que tirei
na África do Sul com a estátua de Mandela ao fundo. Acredito que ela simboliza
bem este depoimento, pois como é sabido, Mandela representa a luta, bem como a
perseverança naquilo que ele acreditava ser o certo.
Bem, sempre tenho dificuldades de
me descrever, porque todo dia conheço algo novo em mim. No entanto, o Gutemberg
que se faz presente hoje é persistente, atencioso e muitas vezes inteligente o
suficiente para contornar momentos de dificuldades e transformá-los em
aprendizado para chegar ao êxito.
Sou um amante da natureza, e
acredito fielmente no ‘Não faça aos outros aquilo que não gostaria que fizessem
com você’. Faço parte daquele grupo que normalmente sofria com o bullying nas
rodas de amizade, talvez por nem sempre ter a mesma opinião que a massa, e
também por nem sempre saber o momento certo de ficar calado (Um defeito que já
venho há algum tempo tentando corrigir, e vou
conseguir!).
Sonhei um dia em seguir a carreira
política, atuando principalmente em causas humanitárias e projetos sociais,
porém a vida me abriu a oportunidade de trabalhar com Comércio Exterior, o que
foi uma grata surpresa, pois me possibilita(ou) interagir com pessoas de
diferentes culturas e opiniões, além de viver no continente africano, auxiliando
nossos irmãos angolanos a reconstruírem seu país e identidade.
Pretendo voltar em alguns anos ao
Brasil, levando uma enorme bagagem cultural e profissional, para assim ter
condições de ajudar outras pessoas, principalmente do Curado IV, o meu bairro
periférico, a terem as mesmas oportunidades que eu
tive”.
Fim do depoimento. O colunista
aqui se esconde diante da sua grandeza.
*Urariano
Motta é natural de Água
Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou
contos em Movimento,
Opinião ,
Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é
colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As
revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos.
Autor de Soledad no
Recife (Boitempo, 2009)
sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973,
e Os corações
futuristas (Recife, Bagaço,
1997).
Enviado
por Direto
da Redação
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.