7/5/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online - THE ROVING EYE
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
Pepe Escobar |
A
Europa pode estar passando por um remix do momento, no final de 2008,
quando Barack Obama venceu as eleições presidenciais nos EUA. Ou será que, dessa
vez, será mudança à vera?
A
eleição no domingo do socialista François Hollande à presidência da França
ocorre num momento histórico extraordinário. É possível que corresponda ao
momento. No primeiro discurso já como presidente eleito, Hollande disse que “a
austeridade não é fatalidade”. Não se trata só de França – trata-se do futuro da
Europa. E quando a França fala – melhor ainda, quando age –, a Europa ouve.
Que
festa, domingo à noite na Bastilha – de provocar-me arrepios pela espinha. Em
corte transversal que atravessou toda a sociedade francesa, todos falando
diretamente à Europa e indiretamente ao resto do mundo: é possível sonhar com
mudança, acima de tudo, é possível sonhar com justiça social. Há alternativa.
E
tudo isso, com um francês calado à guisa de lanterna em trilha difícil.
Um sujeito “normal”. Nada má a escolha dos socialistas
franceses, para substituir, como candidato, o homem do qual cogitavam – até que
o super ex-favorito, então diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI),
Dominique Strauss-Kahn, deixou-se prender numa armadilha extremamente sórdida no
Sofitel, em New York.
Agora,
a ressaca. A esquerda só controla sete dos 27 países da União Europeia. O ex-rei
Sarkô, rei do chacoalhar de correntes de ouro e diamantes de pescoço [bling
bling], eterno neonapoleônico Libertador da Líbia e ex-presidente Nicolas
Sarkozy, foi reduzido a nota de rodapé histórico de segunda – ele e a bela
popstar italiana sua esposa, Carla Bruni, que já planeja os passos
subsequentes da carreira. O rei Sarkô é o 11º líder europeu a cair, enquanto se
aprofunda a recessão na Europa.
O
híbrido “Merkozy” – cruza do rei Sarkô com a chanceler alemã Angela Merkel, a
dupla dinâmica que governou a Europa – está morto.
Reverências ao Merkollande
Frau Merkel e o primeiro-ministro
britânico David Cameron eram e continuam a ser pró “austeridade”. A Dama Angela
de Ferro queria muito, muito, que o rei Sarkô continuasse onde estava. Mas
Hollande mandou enviados especiais a Berlim, semana passada. Pragmático, ele
sabe que Merkel conheceu, de primeira mão, o ponto a que chegava o rei Sarkô, em
matéria de arrogância e imprevisibilidade.
Hollande é pragmático do tipo que
não chama atenção, pé no chão, que gosta de consensos e que, era uma vez, foi
economista que dava aulas à elite, na Sciences Po, em Paris. Não é radical. O
pragmatismo gerará, necessariamente, um “Merkollande”. O osso realmente duro de
roer será o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schaueuble, o Wotan
[1] da Austeridade na Eurozona.
Merkel
e Schaueuble, só desistirão de seu pacto fiscal, se caçados por uma gangue de
visigodos – obsessão que o rei Sarkô subscreveu. Mario Draghi – ex-agente de
Goldman Sachs e presidente do Banco Central Europeu (BCE) – também quer um pacto
de crescimento. Ele – e a elite neoliberal – veem a coisa como mercados cada vez
mais livres, quer dizer, livres para admitir-demitir sem mais aquela, talvez
combinado com mais investimentos públicos em infraestrutura.
Hollande
é totalmente contra mercados megalivres, megadescontrolados. Quanto a
investimentos públicos, as únicas nações que poderiam pensar nisso dependem de
ter receber boas avaliações das agências de risco e de encontrar baixos juros
financeiros. Na prática, nenhum país da União Europeia está hoje qualificado.
Então,
será com a Alemanha. O capital terá de ser alemão. Deve-se esperar que Hollande
convença a Merkel de que, mais cedo ou mais tarde, os alemães perceberão que a
recessão sem fim é politicamente tóxica. A consequência mais danosa já está aí,
à vista de todos: a extrema direita musculada com esteróides que incha por toda
a Europa.
Durante
a campanha, Hollande identificou bem claramente o “inimigo”: o “mundo da
finança”. Não surpreende que Wall
Street e a City de Londres já
vejam Hollande – e tendam a vê-lo cada vez mais – como mais perigoso que
Vladimir Lênin. Assim sendo, o campo de batalha está delineado: Hollande
versus o neoliberalismo e “os mercados”, Hollande como Don Quixote
versus a troika de ferro do BCE, FMI e Comissão Europeia (CE).
Não
há nem épico, que conte sequer o começo dessa luta. Mais uma vez: sigam o
dinheiro (euros que desaparecem, por exemplo).
A
dívida pública na França equivale a 90% do PIB. Desde 1974, a França não vê
orçamentos equilibrados. A proporção entre dívida pública e PIB é de cerca de
57% – a mais alta dentre os 17 países da Eurozona. O desemprego chega a cerca de
10%. Uma geração inteira de filhos de migrantes – quase todos do norte da África
– já passou virtualmente toda a vida confinada em guetos, desempregada e
maltratada.
Hollande
quer alterar a idade de aposentadoria na França, fazendo-a voltar, dos atuais
62, aos antigos 60. Quer contratar pelo menos 60 mil novos professores. Quer
reduzir os preços da energia elétrica, para os de baixa renda. O único meio de
financiar tudo isso é cobrar o imposto (prometido) de 75% dos ganhos de quem
ganhe mais de 1 milhão de euros (US$1,3 milhão) ao ano, e o imposto sobre
transações financeiras. A alta burguesia francesa está rasgando seus Diors, em desespero.
Aí
está a plataforma de Hollande, num parágrafo: empregos e crescimento econômico.
Se falhar, a extrema direita vence, e culpará Paris e o Islã.
Sigam o dinheiro
Com
Hollande, as grandes linhas da política externa do rei Sarkô talvez se
mantenham, mas muitos detalhes serão substancialmente alterados.
Hollande
jamais esteve na China. Em Pequim, tendem a vê-lo como “presidente normal” – o
que nunca se aplicou àquele coelho-da-Duracell-que-fumou-crack, o
rei Sarkô. Portanto, de um ponto de vista chinês, as relações devem ser
“normais” tipo “estáveis”.
Crucialmente
importante é que Hollande quer parceria estratégica mais aprofundada com os
países BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. E, como muito
apetece às potências emergentes, é favorável ao fim do dólar norte-americano
como moeda mundial de reserva (a qual seria substituída por uma cesta de
moedas). Afinal, pode estar surgindo um aliado estratégico para os BRICS,
postado bem no coração da União Europeia, interessado em modernizar o sistema
financeiro global.
O
primeiro teste internacional de Hollande será a reunião da OTAN em Chicago,
ainda em maio. Será fascinante assistir, se ele conseguir jogar um macaco contra
as ambições de porcelana da OTAN-Globocop. Muitos países europeus, fartos das
aventuras nos buracos negros no Afeganistão e na Líbia, podem, sim, apoiar
Hollande – que disse que retirará todos os soldados franceses do Afeganistão até
o final de 2012.
Mas
a verdadeira guerra será travada dentro da Europa. No fim, voltamos ao “sigam o
dinheiro”.
Hollande
quer que a população idosa aposente-se mais cedo. Quer os fazendeiros franceses
confortavelmente subsidiados – para nem citar as vacas francesas, cujo padrão de
vida é muito melhor que o de 2 bilhões de pessoas no planeta. Quer que o
generoso aparelho de bem-estar francês continue a funcionar.
Como pagar por tudo isso – quando todo
o dinheiro foi sugado para dentro dos bolsos gordos dos 0,1%? Não bastará que o
sujeito “normal” planeja mudar só a Europa: ele terá de movimentar-se para mudar
o mundo.
Nota
dos tradutores
[1]
Rei dos Deuses, no
“Anel dos Nibelungos”, de Wagner.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.