sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Pepe Escobar – “Embargo: a volta do chicote no lombo de quem bateu”


Pepe Escobar


27/1/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Se aquela patética coleção de poodles europeus – que o analista Chris Floyd chama deliciosamente de Europuppies – conhecessem alguma coisa da cultura persa, saberiam que a volta do chicote da guerra econômica, que declararam sob a forma de embargo ao petróleo do Irã, não tardaria e viria dura como rock-pauleira.

Melhor dizendo: como rock-pauleira-pauleira-mesmo. O Majlis (Parlamento do Irã) decidirá amanhã, domingo, em sessão aberta, se cancela completa e absolutamente todas as exportações de petróleo iraniano para todos os países europeus que aceitarem o embargo – segundo Emad Hosseini, relator da Comissão de Energia do Majlis  [1]. E com aviso, em tom apocalíptico, via a agência de notícias Fars, cortesia do deputado Nasser Soudani: “A Europa arderá no fogo dos poços iranianos.”  [2]

Soudani manifesta o pensamento de todo o establishment em Teerã, quando diz que “a estrutura das refinarias europeias só é compatível com o petróleo iraniano” – portanto, os europeus não têm alternativa; o embargo “fará subir o preço do petróleo, os europeus terão de comprar e serão obrigados a pagar mais”. Quer dizer: a Europa “terá de comprar petróleo iraniano indiretamente, dos intermediários”. 

Nos termos do pacote de sanções da União Europeia, todos os contratos continuam vigentes até 1º de julho; e ficam proibidos quaisquer novos contratos. Então... imaginem que a nova legislação “preventiva” seja aprovada no Irã, nos próximos dias. Países do Club Med europeu, como Espanha e, principalmente, Itália e Grécia, estarão encurralados nas cordas, sem tempo para buscar alguma possível alternativa para o cru iraniano, extremamente leve, de altíssima qualidade. 

A Arábia Saudita – e digam o que disserem os ‘especialistas’ em petróleo da imprensa corporativa ocidental – não tem capacidade reserva para suprir a demanda extra. E, sobretudo, a absoluta prioridade da Casa de Saud é vender petróleo ao preço mais alto possível (porque os sauditas precisam de muito dinheiro para subornar – além de reprimir – a própria população e fazê-la esquecer aquelas ideias estúpidas de primaveras árabes). 

Então, é isso. As economias europeias já quebradas podem ser obrigadas a continuar comprando petróleo iraniano, não do Irã, diretamente, mas dos vencedores selecionados: os intermediários-abutres.

Não surpreende que os derrotados nessas táticas de Guerra Fria, anacronicamente requentadas, em tempos de mercado aberto global sejam os próprios europeus. A Grécia – que já está à beira do abismo – compra petróleo do Irã com grandes descontos no preço. Há alta probabilidade de que o embargo lance o governo grego diretamente em situação de calote – e, daí em diante, há alta probabilidade de um efeito cascata catastrófico na eurozona (Irlanda, Portugal, Itália, Espanha e por aí vai). 

O mundo carece de um Heródoto digital que explique como esses poodles europeus, que dizem representar a “civilização”, conseguiram, num só golpe, fazer sofrer, simultaneamente, a Grécia – onde nasceu a civilização ocidental – e a Pérsia, uma das civilizações mais sofisticadas que o mundo jamais conheceu. E que espantosa reencenação histórica da tragédia, como farsa. É como se gregos e persas estivessem lado a lado, nas Termópilas, assistindo ao massacre dos exércitos da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN.

Entre na dança da Eurásia [3] 

Agora, comparem aquele cenário e a ação que se vê por toda a Eurásia. O ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov disse que “Sanções unilaterais não servirão para nada”. O ministro das Relações Exteriores da China, em Pequim, com muito tato, mas irrepreensivelmente direto ao ponto, disse que “Pressionar cegamente e impor sanções ao Irã não são abordagens construtivas”. [4] O ministro das Relações Exteriores da Turquia Ahmet Davutoglu disse que “Temos muito boas relações com o Irã, e estamos empenhando muitos esforços para reabrir as conversações entre o Irã e os mediadores do [grupo] 5+1 [chamado “Irã 6”: os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha]. A Turquia continuará a buscar solução pacífica para a questão”. 

A Índia, dos BRICS – como Rússia e China – também desaprovou as sanções. A Índia continuará a comprar petróleo do Irã, pagando em rúpias ou em ouro. Coreia do Sul e Japão sem dúvida arrancarão isenções, do governo de Barack Obama. 

Por toda a Eurásia, o comércio afasta-se rapidamente do dólar norte-americano. E, muito importante: a Zona Asiática de Exclusão do Dólar implica também que a Ásia, aos poucos, já está se afastando dos bancos ocidentais. 

O movimento pode ser liderado pela China – mas, em todos os casos, é movimento irreversivelmente transnacional. Como sempre, siga o dinheiro. China e Brasil, dois países BRICS, começaram a afastar-se do dólar norte-americano nas transações comerciais em 2007. Rússia e China, também BRICS, seguiram o mesmo caminho em 2010. Japão e China – os dois gigantes asiáticos, fizeram exatamente o mesmo, mês passado. 

Semana passada, Arábia Saudita e China assinaram contrato para a construção de uma refinaria gigante de petróleo no Mar Vermelho. E a Índia, mais ou menos secretamente, está decidindo pagar em ouro, pelo petróleo que compre do Irã – com o que deixará de lado também o atual intermediário, um banco turco. 

A Ásia quer um novo sistema internacional – e está trabalhando nessa direção.

Consequências inevitáveis no longo prazo: o dólar norte-americano – e, claro, o petrodólar – encaminha-se lentamente para a irrelevância. “Grande demais para falir” acabará por ser, não imperativo categórico, mas epitáfio.


Notas dos tradutores
[1] 27/1/2012, Press TV, Teerã, Oil war with Iran will cripple EU
[2] 25/1/2012, Mehr News, Teerã, Iranian parliament mulling plan to cut oil exports to Europe 
[3] Orig. Hit the eurasian groove. Hit the groove é expressão que equivale, em português, a “entre no ritmo”, “acerte o ritmo”, “caia na festa” etc. Vê-se e ouve-se uma gravação de “Hit the groove”, com o grupo Echobeat 

 
[4] 26/1/2012, Xinhuanet, Pequim, China says sanctions on Iran not constructive 

2 comentários:

  1. Que beleza de texto! Será que esta escrito, nas estrelas, que a derrota do império crudelíssimo do ocidente virá através dOs PERSAS? Espero que sim; que, no mínimo, quebrem a crista impertinente do monstro de sete cabeças que espalha terror e morte pelo mundo. Descobri, envergonhada pois estava cega, que a UE nada mais é do que um apêndice do império do norte. Tanta tradição e tão aviltante servilismo. Sinistro!

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  2. Pobre Europa, virando satélite dos Estados Unidos, com uma subserviência maior do que qualquer "Banana Republic".
    E com os governos cada vez mais dominados pelos banqueiros e pelo "mercado"(leia-se especuladores que provocaram a crise).

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