domingo, 1 de janeiro de 2012

América Latina: entre a potência da autonomia e o desenvolvimentismo anacrônico


Cesar Altamira

30/12/2011, Cesar Altamira, Uninomade 2.0 
(excertoSó um pedacinho traduzido, porque encheu o saco!)
Traduzido e comentado pelo pessoal da VilaVudu


(...)

A teoria da dependência em tempos de Império (Hardt & Negri, 1993)

Desde que foi criada em 1948, a CEPAL [1] pôs no Estado e nas burguesias nacionais os elementos propulsores da mudança. Para a CEPAL o desenvolvimento latino-americano exigia que se superasse o obstáculo estrutural da Deterioração dos Termos da Troca Comercial (DTTC). A queda relativa dos preços das matérias primas em relação ao preço dos produtos manufaturados importados dos centros capitalistas limitava a integração ao mercado mundial, lançando os países num atraso perpétuo, ao mesmo tempo em que os distanciava os países capitalistas avançados dos países capitalistas atrasados. O DTTC consolidava uma estrutura mundial capitalista assentada em dois polos, centro e periferia, tendencialmente cada vez mais afastados um do outro. Frente àqueles obstáculos estruturais, a CEPAL promoveu o fomento da industrialização mediante a substituição de importações, tarefa cuja responsabilidade caberia ao Estado e às burguesias latino-americanas. A crise econômica de meados dos anos 1950s pôs em crise também as ideias cepalinas, deixando como resíduo teórico a “Aliança para o Progresso”, criada no governo Kennedy. 

Simultaneamente, o capitalismo latino-americano ganhava, nessa época, um dinamismo específico: endividamento externo, penetração massiva de capitais estrangeiros, especialização no mercado mundial que ligava os países latino-americanos mais dinâmicos, mais estreitamente, ao ciclo de acumulação mundial. Nesse contexto, surge a Teoria da Dependência.

Os pontos principais do dependentismo são:

A) o capitalismo mundial é sistema bipolar em que o centro explora a periferia pela expropriação de seus excedentes mediante o comércio, a inversão de capitais e a dependência tecnológica. O sistema reproduz-se e gera diferenciação crescente entre países e polarização também crescente.

B) O mundo dependente não tem dinâmica própria e sua existência interna é o reflexo de suas relações com o mercado mundial. O atraso do mundo dependente não é consequência de condições internas, mas, sim, fundamentalmente, produto das condições de dependência do exterior, que bloqueia toda possibilidade de progresso social. Para recuperar a própria dinâmica social, os países dependentes teriam de romper, ou reduzir drasticamente, suas relações econômicas com o mercado mundial.

C) Segundo a teoria da dependência, a história do capitalismo mundial é a história das mudanças nos tipos de exploração da periferia, pelo centro; e das relações de hegemonia e dependência dentro do sistema internacional: períodos em que se explora o livre comércio (imperialismo britânico); períodos em que a exploração se faz à base de investimentos do exterior (imperialismo norte-americano). 

D) A única possibilidade de desenvolvimento interno para os países da periferia depende de romper a dependência. Como se trata de dependencia econômica, esse objetivo só será alcançado mediante a eliminação, ou redução drástica dos investimentos estrangeiros e a limitação do comércio com os países centrais, identificando-se a independência política e o isolamento do mercado mundial. 

E) O desenvolvimento nacional dependerá de superar a dependência, motivo pelo qual todas as aspirações nacionais devem-se subordinar ao objetivo de superar a dependência. Nesse contexto, o papel das classes e setores populares será resistir contra a penetração imperialista e defender suas tradições nacionais e populares, sem questionar os aspectos atrasistas da exploração ou da opressão patriarcal burocrática ou capitalista.

ATENÇÃO! A parte sublinhada, aí acima, só pode ter sido acrescentada pelo autor do artigo, porque nunca esteve escrita em nenhuma teoria da dependência – nem na Teoria da Dependência da UDN, meu saco!

A parte sublinhada, aí acima, é o tipo da ideia anacrônica, assíncrona -- porque apaga a “consciência possível” no momento em que surgem as teorias -- que esses caras metem em toda a parte, para, adiante, na reflexão, a reaproveitarem, com oportunismo salafrário digno da má fé do PSOL, da ignorância “ética” dos petistas, da mania-doença persecutória histérica das feministas PSOListas e petistas e de uns ôtrinhos por aí, que pararam de ler Marx “por causa” de Stálin – o que é estupidez equivalente a abdicar de ser esperto e de lutar pela vida, “por causa” dos otários matadores. 

Nenhum partido comunista, em nenhum dos países da América Latina, jamais deixou de questionar os aspectos atrasistas da exploração (etc.) capitalista na região. O fato de discursos “feministas” e “ecologistas” e “democráticos” em geral e de defesa de direitos humanos essencialistas transcendentes só terem chegado às manchetes da imprensa-empresa e às novelas da Rede Globo nos anos 70 e 80 – de onde esses revolucionários de araque recolheram seus “saberes” políticos –, absolutamente não significa que os comunistas já não fossem igualitaristas nas questões de gênero e atentos ao meio ambiente desde o século 19. Embora, sim, nunca tenham sido fundamentalistas românticos naturistas puristas ou feministas grupelhistas, nem ‘ecológicos’ à moda Marina Silva/Natura/Al Gore. 

Limitações da “consciência possível”, em cada momento histórico, são fatos DA REALIDADE, que não podem ser apagados, assim, no grito, só pq alguns obcecados identitários querem, porque-sim, porque-sim, porque-sim. E, reescrevendo a história, eles vão “dando um jeito” no mundo, pra fabricarem legitimidade social para os seus discursos produzidos ainda na linha de montagem e repetição das “escolas de pensamento” e da moda.

Essa tradução pára por aqui mesmo. Os interessados podem ler em espanhol, sem dificuldade, se quiserem. O que já foi traduzido vai aí, porque pode ser útil prôs que não tenham nenhuma ideia do que foi a Teoria da Dependência. Mas NADA do que vem daí pra frente nos ajudará.

No Brasil, a teoria dependentista levou, sim, ao extremo mais extremado e mais equivocado da galáxia, e gerou o golpe de 1964 -- porque, então, o Brasil JÁ RESISTIA àquele dependentismo obcecado. Então, o Golpe de 64 veio, CONTRA a resistência que já havia ÀQUELE DEPENDENTISMO cepalino.

O general Golbery era APAIXONADO dependentista, dependentismo que ele aprendeu diretamente dos EUA, como sabe quem tenha lido o que o general Golbery escrevia em 1952 (por exemplo): "Temos de construir nosso desenvolvimento ancorado ao desenvolvimento dos países adiantados". Golbery escreveu isso em 1952. Getúlio ainda era vivo e mandava muito. 

Depois da “redemocratização”, o mesmíssimo discurso golberysta foi retomado, por aqui, pelo PSDB, DEM e alguns petistas, que são os vários grupos que resultaram, por aqui, da divisão da velha UDN, aquela, aquela, que parece, é quase imatável!

Mas nem Getúlio, nem Brizola nem Lula nem Dilma JAMAIS foram dependentistas à moda daquele dependentismo que houve por aqui. Por isso, precisamente, todos, antes, foram derrubados pelos dependentistas, que também nos derrotaram TRÊS VEZES, depois da “redemocratização”, até que o Brasil, afinal, em 2002, conseguiu eleger o presidente Lula, primeiro dos nossos governos Lula-Dilma, que NÃO SÃO, afinal, governos dependentistas. Ver neles “dependentismo residual” é não ver as lutas históricas na América Latina e não ver o que, afinal, começa a aparecer, de novo, a partir de 2002 e já está aí, ativo, há quase dez anos.

Se se pode arriscar umazinha, pode-se dizer que, assim como a ideologia “se objetiva” no espetáculo – como escreveu Debord no artigo que NÃO TRADUZIREMOS, citado acima - a ideologia SUBJETIVA-se. 

Ideologizam-se e supervalorizam-se, sempre ideologicamente, os traços pressupostos “humanos” (a criatividade, por exemplo), e tenta-se fazer, disso, justificativa para NÃO FAZER a luta que está aí, à nossa frente, obrigatória e dificílima, e que terá de ser lutada COM OS GOVERNOS LULA-DILMA (e outros, na América Latina, hoje), e não, nunca, de modo algum CONTRA esses governos. Não contra eles, com certeza, HOJE. 

Se esses pensadores quiserem fazer seu (bom) discurso contra o Estado-nação e os nacionalismos fascistizantes, ou seu tão lúcido discurso sobre o precariato, o cognitariato e o novo trabalho, que tanto ajudam os pobres, aqueles bons discursos, a entender as transformações pelas quais passa o trabalho hoje, nesse momento do capitalismo, MUITO BOM! Então, que cresçam e apareçam.

Mas terão de aprender a seguir as lutas reais dos pobres. Empurrando pra frente, sim, mas reunindo os diferentes, baixando a crista individual identitária e recolhendo de cada etapa o que haja para recolher, e sem excluir ‘preventivamente’ outras tentativas e outros esforços que também tentam andar para o mesmo lado com os muitos. "Construir a hegemonia" -- como Gramsci, leninista, ensina -- não é IMPOR, no grito, a própria força. 

“Construir a hegemonia dos pobres” (até, pelo menos, que não haja tantos pobres e que os pobres sejam menos pobres e explorados e enganados) implica PERSUASÃO, convencimento, e implica discursos que busquem alcançar o maior número possível de ouvidos. Por isso, precisamente, "construir a hegemonia dos pobres" implica negociar os discursos, argumentar, ouvir, rever, reconstruir os próprios argumentos, passo a passo. Assim se constroi multidão revolucionária. Assim estamos #OCCUPY WALL ST. 

Sem isso, se constroem partidos políticos conservadores. Sem  isso, a esquerda europeia se autodetonou. Sem isso, os restos semimortos da esquerda europeia AINDA TENTAM detonar os pobres do resto do mundo.

Os grupos e partidos, que falem DENTRO DOS GRUPOS, quando sentirem imperiosa a necessidade de DESTRUIR, pressupondo que DESTRUIR seja criticar. Mas, sim, claro que muitas vezes é preciso destruir. Então que os grupos se dediquem a DESTRUIR o que tiver de ser destruído, DENTRO DOS GRUPOS. 

Se se exclui da conversa a ânsia doentia pelo poder dentro dos grupos e partidos, à discussão DENTRO DOS GRUPOS DE OPINIÃO chama-se “centralismo democrático” e é ABSOLUTAMENTE NECESSÁRIO, se a resistência não quiser se deixar destruir pelo discurso “geral” -- que se divulga pelas universidades e, sempre, pela imprensa-empresa, claro, sempre. 

Nós não podemos NOS CRITICAR com ânimo de NOS FAZER CALAR, nós mesmos, uns os outros. Nem esses porra-loka autistas podem dizer o que bem entendam, pensando só, cada grupo e grupelho, em se constituir, em fechar-se cada vez mais, como frente que não é "hegemônica" e é sempre autoritária, sempre em busca de ser a voz única, o partido único, a verdade única e acabada. 

Afinal, “autonomia” é bom e eu gosto! Mas “autonomia” erigida em palavra de ordem, é parente bem próxima de aristocracia e de oligarquia (governos dos poucos, sempre pressupostos ou iluminados, ou bons, ou certos, ou “lúcidos”, e sempre perigosamente próximos do “nenhum governo” que sempre interessou muito às elites liberais e jamais interessou aos pobres). E “autonomia” também é palavra bem próxima de autarquia e de autismo.

Por que excluir os próximos diferentes que as lutas reais vão mostrando, passo a passo? Só para prometer – mais uma vez?! – aos muitos pobres -- aos pobres que, com a internet, afinal têm chance de ouvir discursos e argumentos QUE JAMAIS OUVIRAM ANTES! -- alguma “a felicidade” perfeita final, em natureza virginal e imaculada, e em sociedade de paz e amor e democracia e éticas e ecologias à moda espetáculo & farsa, mais uma vez?

Não é verdade que o calote da dívida, na Argentina, tenha sido má solução. Não foi. Foi boa. Não é verdade, tampouco, que o Brasil tenha feito, com pagar a dívida com o FMI, alguma “integração” burra dependentista “residual” ao capitalismo transnacional.

E não há xchilique metido a “ético” ou a “democrático-tipo-farsa-eleitoral” purista fundamentalista, no mundo, que apague do mundo a história de Cuba e da China e, até, da República Popular Democrática da Coreia, da República Democrática Islâmica do Irã e, até, da Jadalya Socialista Líbia – que foi assassinada, porque ainda fazia, à sua moda tresloucada, a luta contra o capitalismo predador transnacional imperial dos EUA-França. 

Seja como for e em todos os casos, sobreviver contra o mundo do capital e de Wall Street e do Pentágono, hoje, é, sim, vitória a ser acumulada a favor dos pobres do mundo. Para ser acumulada, essa vitória tem, antes, de ser DITA.

Os povos latino-americanos (e, como aprendi hoje, ATÉ OS RUSSOS!) que sobreviveram ao descomunal ataque DA PRIVATARIA, que sofreram nos anos 1980s e 1990s não são perfeitas bestas, que só os “autonomistas” e “imperiais” de Império (1993) saberiam salvar. E, com certeza absoluta não serão salvos por esses sub-Negri (porque Negri é MUITO MELHOR que esses seus epígonos e/ou aspirantes a epígonos que vivem de colher louros de alguma pressuposta “radicalização”, à custa de PTizar e PSOLizar ou espetacularizar pensamento forte). Se quiserem, os “autonomistas” sub-Negri que traduzam tudo. Que vão se catá!

Prôs que se interessem, aqui vai um parágrafo de um artigo do IPEA que, por acaso, estamos revisando nessas “Festas”, para um camaradinha nosso. Dado que o artigo (sobre seguridade social no Brasil), ainda não foi publicado, não se pode ainda indicar autor e fonte. Nem é necessário: é como se nós mesmos tivéssemos escrito isso aí:

“Definitivamente, a agenda brasileira não é aquela que os organismos internacionais querem impor ao mundo.
A singularidade do caso brasileiro está em que o movimento social acumula mais de quatro décadas de luta para construir um modelo de proteção social inspirado na experiência da social-democracia europeia do pós-guerra. Nesse sentido, e pelas razões expostas, entende-se que a agenda da OIT está superada para o Brasil no campo da Seguridade Social. 

Nas últimas décadas, a sociedade brasileira foi acumulando êxitos na difícil tarefa de construir patamares mínimos de seguridade social. Nessa árdua marcha, foram demarcados fóruns de debates democráticos, arranjos financeiros e articulações institucionais (baseados na cooperação federativa). Mais importante: a maior parte desses avanços foram constituintes e já encontram amparo legal na Constituição da República (outra luta da sociedade brasileira, sob as duras condições em que trabalhou a Assembleia Constituinte, até 1988). E, no Brasil de Lula-Dilma, começamos novamente a andar adiante na trilha das lutas sociais que se fazem, no Brasil, desde antes do golpe de 64. 

De todas aquelas lutas, a luta em que menos vitórias conseguimos até agora é a luta pela Reforma Agrária. Mas, simultaneamente, a luta pela Reforma Agrária foi-se convertendo, na luta, no movimento social mais radical e fortemente estruturado, de todos os movimentos sociais no Brasil. Assim, avançamos também na luta pela Reforma Agrária”. 



Nota dos tradutores
[1] A Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) foi criada pela Resolução n. 106 (VI) do Conselho Econômico e Social da ONU, em 25/2/1948. Em 1984, passou a chamar-se Comissão Econômica para América Latina e Caribe. Em fevereiro de 2010, afinal, foi criada em Caracas a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), que reúne 33 países da AL, inclusive Cuba e sem a participação dos EUA e Canadá. A CELAC visa a avançar no caminho de construir a autonomia política da AL em relação aos EUA, separando-se definitivamente da CEPAL-ONU.

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