domingo, 1 de janeiro de 2012

Hackers planejam lançar satélites contra a censura na rede


David Meyer

30/12/2011, David Meyer (editor de Tecnologia), BBC-Londres
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

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A comunidade hacker planeja pôr a Internet fora do alcance dos censores. Para isso, trabalham para pôr em órbita seus próprios satélites de comunicação. O esquema foi delineado no Congresso Caos de Comunicação, em Berlim, em agosto de 2011[1].

Os organizadores do projeto dizem que sua Rede Hacker-espacial Global [ing. Hackerspace Global Grid] também implica desenvolver uma rede de estações em terra, que fará a intercomunicação entre os satélites e as estações em terra.

Como projeto de longo prazo, trabalham para pôr na Lua um astronauta-hacker amador.

Sputinik - 50 anos depois hackers pretendem
colocar em órbita seu próprio satélite.
Amadores e aficionados já puseram alguns pequenos satélites em órbita – quase todos por curtos períodos de tempo –, mas o rastreamento dos satélites revelou-se difícil, para projetos de baixo orçamento.

Nick Farr, ativista hacker, lançou a primeira convocação, à procura de interessados em participar do projeto, em agosto. Disse que a ameaça crescente de censura à internet foi a principal motivação para esse trabalho.

“O principal objetivo é criar uma internet completamente incensurável, no espaço. Precisamos tirar a internet que conhecemos, do alcance dos censores. Para isso, é preciso pô-la fora do alcance das entidades terrestres que funcionam hoje” – disse Farr.

Além dos balões 

Farr lembrou a lei SOPA [Stop Online Piracy Act (Lei de Combate à Pirataria Online) nos EUA, como exemplo do tipo de ameaça que já existe contra a liberdade nas redes e na Internet. Se aprovada, a lei SOPA nos EUA permitirá que algumas páginas na Internet sejam bloqueadas, sob o argumento de que agridem direitos comerciais de autor.

Até agora, todas as ações e intervenções no espaço sideral têm sido prerrogativa de agências nacionais e de empresas gigantes de comunicação. Mas alguns amadores dedicados já puseram em órbita, recentemente, alguns pequenos satélites.

A Rede Hacker-espacial Global [ing. Hackerspace Global Grid][2]

Aqueles “satélites” já lançados foram postos em órbita com balões, mas é extremamente difícil rastreá-los da Terra.

Segundo Armin Bauer, 26 anos, de Stuttgart, que já trabalha no projeto da Rede Hacker-espacial Global, o principal problema são os custos do projeto.

“É perfeitamente possível rastrear os satélites a partir de bases em solo, mas em geral ninguém precisa fazer isso, porque, se você tem muito dinheiro [e usa um foguete para lançar um satélite e pô-lo em órbita], você já põe o satélite exatamente na órbita na qual você deseja que ele fique” – explicou Bauer.

Trabalhando com um prazo de 23 anos, já há a ideia de um projeto aero-hacker-espacial para pôr na Lua um hacker astronauta amador. Bauer explicou que

“É viável, mas muito ambicioso. Então pensamos: vamos começar por uma coisa menor”. 

A rede terrestre de rastreamento 

A conferência de Berlim foi a mais recente, organizada pelo “Chaos Computer Club”[3], grupo de hackers alemão que trabalha há décadas e já comprovou sua influência, não só entre os interessados em explorar ou em aprimorar a segurança dos sistemas computacionais, mas também entre amadores que exploram, como hobby, os limites dos equipamentos e programas de computação.

Quando Farr lançou sua convocação, à procura de interessados em trabalhar no projeto da Rede Hacker-espacial Global, Bauer e outros decidiram concentrar-se nos aspectos da infraestrutura de comunicação do esquema.

Bauer diz que os satélites podem garantir a comunicação, e ajudarão a pôr um amador no espaço sideral. Ele e sua equipe trabalham nessa parte do projeto com o grupo Constellation, iniciativa já existente na pesquisa aeroespacial alemã, que é, basicamente, uma rede interconectada de projeto de estudantes.

No espírito hacker, de sempre defender o código aberto, Bauer e alguns amigos tiveram a ideia de produzir uma rede de estações de rastreamento em terra, de baixo custo, que pudesse ser comprada ou produzida pelos próprios usuários.

Reunidas numa rede global, essas estações poderiam rastrear e localizar os satélites a qualquer momento, o que, ao mesmo tempo, tornaria mais fácil e daria mais confiabilidade à operação dos satélites, de enviar dados de volta à Terra. “É uma espécie de GPS ao contrário” – explicou Bauer.

“O GPS usa os satélites para calcular a exata localização de cada um de nós. O mesmo processo serve também para nos dizer onde estão os satélites. Podemos usar as coordenadas de GPS, mas também podemos melhorá-las, se tivermos pontos fixos, em locais perfeitamente localizados”. 

Armin Bauer
Bauer garante que a equipe já terá três protótipos de estações em terra, na primeira metade de 2012; e, no próximo Congresso de Comunicação do Coletivo Caos, em 2012, espera já poder mostrar alguns modelos em operação.

O equipamento será vendido, sem finalidades lucrativas. Bauer explica que “Nosso preço limite é 100 euros (£84) por estação em terra. É o que o pessoal nos disse que pode gastar para comprar a estação.” 

Complicações

Os especialistas dizem que o projeto do hacker-satélite é exequível, mas enfrentará limitações técnicas.

“Satélites de órbita terrestre de baixa altitude, como os que já foram lançados por amadores, não são fixos: eles se movem em órbita; em teoria, mudam de posição a cada 90 minutos” – diz o professor Alan Woodward do departamento de computação da University of Surrey.

“Não significa que não possam ser usados para comunicação, mas, obviamente, só por curtos períodos de tempo, só enquanto nós os vemos. É difícil ver como esses satélites poderiam ser ligados numa rede viável de comunicação, porque a comunicação aconteceria “com saltos”, mesmo que se reunisse uma constelação de estações de rastreamento em terra”. 

Esse problema pode ser evitado, se os hackers conseguirem pôr seus satélites em órbitas geoestacionárias acima do Equador. Com isso, os satélites acompanhariam o movimento da Terra e estariam como que imóveis, vistos da Terra. Mas isso criaria outro problema.

“Os satélites estarão tão distantes da Terra, que haverá atraso considerável na recepção dos sinais, o que pode interferir em alguns aplicativos de Internet” – disse o professor Woodward. – Mas ainda uma interessante dimensão legal no projeto, porque o espaço sideral não é governado por cada país “abaixo” dele. Por isso, sim, em teoria, o espaço sideral pode ser lugar ideal onde fazer prosperar todas as comunicações ilegais. O corolário, nesse caso, é que cada país tomaria a lei nas próprias mãos e neutralizaria os satélites.” 

A necessidade de construir conhecimento 

Até hoje, satélites foram considerados
caros demais para grupos amadores
Além da rede de rastreamento em solo, outros aspectos da Rede Hacker-espacial Global estão sendo explorados, entre os quais o desenvolvimento de novos objetos eletrônicos que possam sobreviver no espaço, e de veículos de lançamento, para começar.

Segundo Farr, o “único motivo” que inspira a ideia de uma Rede Hacker-espacial Global é o conhecimento. Diz que muitos presentes ao Congresso do Coletivo Caos lembraram que desde a Missão Apollo 17, em 1972, ninguém mais for posto em órbita terrestre.

“Essa comunidade [hacker] pode, afinal, dar algum sentido à ideia de pôr a humanidade de volta no espaço sideral” – disse Farr. – “Nosso objetivo é voltar ao ponto em que estávamos nos anos 1970s. Os hackers não entendem por que, se já tínhamos a tecnologia necessária para nos pôr no espaço desde antes de muitos de nós termos nascido, nunca mais voltamos para lá. Muitos se sentem ofendidos, excluídos”. 

Perguntado sobre se não os preocupam as implicações de segurança da ideia de haver hackers ativos também no espaço sideral, Farr disse que o único problema é “haver quem se interesse tanto por censurar nossa internet.” 

“Os hackers só se interessam por garantir informação livre e aberta” – acrescentou Farr.

– “Nós acreditamos que a comunicação é um dos direitos humanos básicos”. 



Notas dos tradutores
[1]  Veja o programa do “Encontro do Coletivo Caos, realizado em agosto de 2011.
[2]  Leia o Projeto e veja  uma lista de “tarefas abertas”, para quem se interesse em trabalhar junto com o Coletivo Caos.
[3]  Ver 14/11/2011, “30 anos de hacking político”.

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