quarta-feira, 11 de junho de 2014

Para esclarecer minha posição sobre as opções dos russos

Riscos e abismos de manifestar sentimentos em blogs

10/6/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

The Saker
Meu recente postado, que escrevi em estado de fúria – Me digam, por favor, que meus piores medos não se realizarão – saiu muito mal escrito; na sequência, minha tentativa para explicar o que eu quisera dizer pouco ajudou a esclarecer a confusão que aparentemente criei. Para ser bem franco, nunca frequentei “escola de bloguismo” e estou aqui, aprendendo dolorosamente esse negócio, por tentativa e erro, incluindo muitos, muitos erros. Supus, ingenuamente, que pôr lá vários “atenção!”, “cuidado!” (coisas como “Sendo o caso, admitirei que me excedi” e “o cérebro me diz uma coisa, mas as vísceras me dizem outra”) bastaria para deixar claras minhas intenções.

O que mais teria eu de fazer para deixar claro que

(1) estava escrevendo com o coração/estômago, não analisando fatos; e que
(2) sabia que, sim, estava me excedendo na reação e no discurso?

Não sei de vocês, mas, para mim, admitir dúvidas e medos não é, jamais, sinal de fraqueza. Coragem e força não é fingir que não se tem medos e dúvidas, mas agir racionalmente, apesar desses sentimentos. Talvez não seja prática frequente na blogosfera, ou talvez eu tenha feito as coisas muito mal feitas, mas fiz o melhor e o mais honestamente que consegui. Previ que os que me chamavam de “macaca-de-auditório de Putin” ou “defensor do Kremlin” muito apreciariam ver-me admitir que não confio, mesmo, nem em Putin nem no Kremlin; mas os mais aparecidos foram os que se sentiram incomodados com essa frase. OK, OK, mais uma valiosa lição bem aprendida: espere pancadaria, sempre que você manifestar sentimentos.

Mas a frase “matadora”, que eu jamais deveria ter escrito como escrevi foi “a Rússia agora tem de agir e usar suas forças armadas para libertar a Novorossia . Não agir será trair o povo russo”. Foi um cri du coeur [gemido do coração], mais eloquente que todos os sinais de “cuidado!”, “atenção!”, que eu semeara pelo caminho. Isso tudo posto, afirmo aqui, categoricamente, que não mudei de posição.

Poroshenko
O fato é que antes do discurso de posse de Poroshensko eu via um conjunto de circunstâncias que se pode chamar de “conjunto A”; e depois do discurso de posse passei a ver outro conjunto diferente de circunstâncias, se se pode chamar “conjunto B”. Ter mudado de posição seria dizer que o mesmo conjunto de circunstâncias passava a levar à necessidade de outra política. E não foi o que escrevi. Mas tenho de admitir que o que escrevi permitia, sim, as mais diferentes interpretações: era pura emoção, não análise racional.

Sei também o que foi que disparou minha reação – e, aqui, ponho a culpa toda em Putin, Lavrov, Zurabov (embaixador da Rússia em Kiev) e em Peskov (porta-voz de Putin). O que disparou meu ataque de pânico foi a reação absolutamente frouxa e morna da Rússia a um discurso que, sim, foi declaração real de guerra, não só contra a Novorossia, mas também contra a própria Rússia: não bastasse o discurso de Poroshenko vir carregado de muitas expressões anti-Rússia – ecoando a pior, mais estúpida e mais horrenda propaganda dos nazistas do Setor Direita – o homem disse também, com todas as letras, que considerava a Crimeia parte da Ucrânia: fez ameaça direta a terra russa. E o que a Rússia respondeu? *N-A-D-A*. Zurabov lá ficou, sentado; e Putin e Lavrov não abriram a boca. Não ouvi sequer uma palavra de crítica emitida pela Moscou oficial. ISSO foi o que me fez enlouquecer. Isso e o timing horrível, pior impossível, da decisão de reforçar a fronteira entre Rússia e Novorossia.

ATENÇÃO: Continuo a achar que a política pública da Rússia cometeu erro terrível ao não reagir contra aquela manifestação pública de arrogância e doideira nazistas.

Passei as últimas 24 horas lendo muita coisa redigida por analistas russos muito, muito rigorosos; tenho prestado atenção a todos os principais noticiários; tenho ouvido programas especializados (como o “GenShtab” de Igor Korotchenko em “Voice of Rússia”); e cheguei à conclusão de que nem a Rússia aceitará regime nazista em Kiev, nem a Rússia abandonará a Novorossia. Francamente, é questão maior que Putin, e não devemos nos focar tanto só nas personalidades, ainda que sejam gigantes políticos, como Putin. Por quê?

Porque ainda que se confirme a remotíssima, absolutamente improvável possibilidade de que Putin, por qualquer razão, se tenha “vendido” ao Império, seria cometer suicídio político. Nisso, Juan está absolutamente correto. Ainda acredito que Putin deseja fazer a coisa certa. Mas o que importa é que, mesmo que não deseje, será obrigado a fazer.

Assim sendo, o que penso (não o que “sinto”) que a Rússia deva fazer?

Igor Strelkov
Comandante das FDN
Tenho de admitir que há um formidável argumento contra uma intervenção militar direta russa em Novorossia: é fato inegável que o próprio povo de Novorossia, eles próprios, ainda não fizeram grande coisa, eles mesmos. Sim, as forças de autodefesa de Novorossia são constituídas de heróis; e, sim, estão lutando muito bem, apesar da a proporção a favor dos nazistas variar de 5:1 a 100:1 (dependendo do dia e do local do combate). Mas, embora mais gente tenha respondido ao apelo de Strelkov, os números ainda não são o que deveriam ser. Não posso negar esse fato.

Sobre o argumento de que as Forças de Defesa da Novorossia (FDN) estão subequipadas, já se sabe que o problema está sendo resolvido ou, pelo menos, está sendo considerado nesse momento. Assisti a vários vídeos exibidos na TV russa em que se veem sofisticados radares de defesa usados pelas FDN; e recebi informações de inúmeras boas fontes, de que já se veem equipamento moderno em mãos das FDN. Ouvi hoje que pelo menos três tanques ucranianos e pelo menos um Sistema Múltiplo de Lançamento de Foguetes ucraniano foram destruídos pela resistência na Novorrossia.

Meu palpite é que em breve as FDN estabelecerão sua própria “zona aérea de exclusão”, que os ucranianos não se atreverão a invadir muito frequentemente (já perderam *grande parte* de sua força aérea de asas fixas e rotativas). Essa “zona aérea de exclusão” será logo acompanhada de uma “zona terrestre de exclusão” (reforçada por sistemas de armas antitanques), na qual os blindados ucranianos não poderão circular. O problema da artilharia só poderá ser resolvido se as FDN receberem meios para reagir a fogo de bateria. Não será fácil, sobretudo com artilharia de longo alcance. Mas sem FACs em terra ou no ar, os ataques da artilharia não serão muito efetivos, mesmo que continuem a ser devastadoramente mortais para a população civil local. Podem-se mobilizar e treinar atiradores, me parece (e eles sempre podem tornar realmente difícil a vida de uma unidade de artilharia). Suprimentos, munição e de modo geral toda a logística pode ser atacada e sabotada. Em outras palavras: tão logo tenha meios, as Forças de Defesa de Novorossia têm de partir para a ofensiva.

A Crimeia escapa do Banderastão
Francamente, tem de haver aí um “princípio de subsidiariedade”: antes que os russos intervenham, o povo do Donbass tem o dever moral de fazer tudo que possa para se autodefender. Então, se necessário, a Rússia deve intervir, para impedir um genocídio na Novorossia. Mas, antes, os locais têm de ter feito mais do que já fizeram até aqui. A Rússia pode prover ajuda militar, técnica e financeira à Novorossia, seja aberta ou secreta (por que a Rússia não poderia fazer exatamente a mesma coisa que os EUA estão fazendo na Síria?!). Minha avaliação é que a Rússia já está fazendo isso.

Mas há algo que a Rússia não está fazendo, ou, melhor dizendo, há algo que a Rússia está fazendo e deve parar de fazer: trocar sorrisos com Poroshenko e permanecer fiel a esse roteiro idiota de “nossos irmãos ucranianos”; afinal, já praticamente nada resta da Ucrânia, além de um Banderastão nazista. A Rússia não deve sequer tentar fingir que haveria algum amor entre essas duas entidades. Não precisa tampouco adotar movimentos hostis ou de provocação; basta que a Rússia pare de fingir que se mantém indiferente ao tipo de Banderastão que está sendo construído. Quanto à Novorossia, a Rússia deve apoiá-la em nome do antinazismo, e garantir-lhe apoio técnico, financeiro, político e informacional. Afinal, o ocidente, já está agindo como se a Rússia estivesse pesadamente engajada em campanha de apoio total a várias regiões. Assim sendo... por que não movimentar-se nessa direção?!

Finalmente, os russos devem aprender dos seus contrapartes norte-americanos, e fazer dos direitos humanos um longuíssimo porrete político. Diplomatas russos devem simplesmente inundar a imprensa mundial com protestos sobre todo e qualquer crime de guerra, toda a qualquer violação de direitos humanos, toda e qualquer violação da liberdade de imprensa, e todo e qualquer caso de corrupção. Protestar sem parar, afogar os nazistas ucranianos em todos os níveis, denunciá-los em eventos públicos. Em primeiro lugar, pesará contra a imagem do regime nazista de Kiev; em segundo lugar, mostrará às forças antinazistas na Ucrânia que elas não estão abandonadas.

Há muito que a Rússia pode fazer, além de usar suas forças armadas.

Arma anti-tanque
Em resumo, é o seguinte: meu coração e meu estômago me dizem a a Rússia tem de intervir agora: impor um zona aérea de exclusão; abrir corredores humanitários; destruir os esquadrões-da-morte nazistas. E se acontecer amanhã cedo, muito me entusiasmará. Mas meu cérebro tem de aceitar um modo mais racional de lidar com a situação: e trata-se de fazer de tudo, por mais próximo que chegue de uma intervenção militar, mas sem intervenção militar.

Admitirei sem resistir que estou dilacerado entre duas possibilidades e não encontrei meio para reconciliá-las. Muita gente melhor do que eu por aí fez trabalho muito melhor do que o meu, mas não estou muito convencido de que os inveje.

Mais uma questão: ameaça nuclear dos EUA contra a Rússia?

Não tenho dúvida alguma de que essa conversa é desatino e que os EUA não consideram, nem a possibilidade de ameaçar, nem, e ainda menos, a possibilidade de atacar. Por quê? Porque é categoricamente e absolutamente impossível para os EUA atacarem a Rússia de modo tal que consiga impedir a Rússia de empreender contra-ataque de retaliação. Já escrevi sobre isso e quero apenas repetir aqui:

embora haja alguns políticos que sonhem com essa opção, os militares norte-americanos sabem que é esse ataque à Rússia é absolutamente impossível e nada mudará a situação presente, nos próximos anos. Não interessa o cenário de ataque, a Rússia sempre terá os meios para – dito em termos claros – fazer os EUA deixarem de existir como a sociedade que conhecemos. Claro: o mesmo vale para os EUA, que a Rússia não consiga desarmar num primeiro contra-ataque. Esqueçam! Falo sério. Esqueçam.

Durante a Guerra Fria, fiz inúmeras simulações, as mais fantasiosas, e o resultado sempre foi o mesmo. E todos, absolutamente todos, no comando dos EUA, sabem disso. Importante também é que nada mudou fundamentalmente, desde o final dos anos 1980s.

A maioria dos atuais sistemas nucleares datam daquele período e, embora tenha havido todos os tipos de avanços, nenhum deles resultou em qualquer espécie de invenção radicalmente nova, menos ainda em descoberta que leve à sobrevivência de todo o hemisfério norte de nosso planeta. De fato, posso dizer que as forças nucleares russas são hoje ao mesmo tempo mais capazes em termos de força e mais capazes em termos de sobrevivência, especialmente os recentes Mísseis Balísticos Intercontinentais deslocáveis por terra [orig. Intercontinental Ballistic Missile, ICBMs], e os mísseis balísticos lançáveis de submarinos.

Mísseis Balísticos Intercontinentais (ICBMs) deslocáveis por terra da Rússia
Por tudo isso, uma coisa posso garantir: não há como ameaçar a Rússia de ataque nuclear (nem, é claro, como ameaçar os EUA). Quanto a um ataque nuclear tático dos EUA contra força russa que entrasse na Novorossia, teria efeito político absolutamente catastrófico contra o Império anglo-sionista, para nem falar de que ninguém, na Ucrânia, jamais agradeceria pelo ataque. Ainda que os EUA usassem uma bomba de nêutrons “mais limpa”, o desastre político seria vastíssimo, também dentro dos EUA. Quanto à Rússia, provavelmente sairia vitoriosa só pela decisão de NÃO retaliar (lembrem: guerra é a continuação da política, por outros meios).

Assim sendo, esqueçam os boatos sobre ameaça nuclear dos EUA à Rússia, por mais que haja B-2s e navios “atômicos” dos EUA, para lá e para cá. Estão só “mostrando a bandeira”. Não estão ameaçando a Rússia.

Espero que esse novo esforço para esclarecer minha posição tenha sido mais bem-sucedido que o anterior. Sei que esse blog tem enfurecido muita gente e que esses estão usando essa oportunidade para distorcer o que escrevi, ou expor-me em papel ridículo. OK. Eles que façam o que queiram. A “opinião” dessa gente não me interessa, nem estou competindo em algum tipo de concurso de popularidade. Tenho confiança de que a maioria de vocês reconhecerão esses meus esforços, pelo que eles realmente são.

Por hora, então, basta de dúvidas e medos.

Amanhã retomamos nosso trabalho diário regular. Saudações.


The Saker 

4 comentários:

  1. Essa de embolar cérebro,estômago e coração - enlouquece - e é exatamente isto que os "ratazanas" pretendem.

    Temos que vomitar esse ódio sólido,cravado de verbos fétidos,indecentes, os únicos que as toupeiras entendem e mais que nunca a gente dar de cabeça ,um mergulho na noosfera pra estudar friamente uma solução inteligente - um modo racional tão afiado que os covardes vão encher as calças toda vez que pensarem ou tocarem suas HAARPAS da morte da raça suéropr a eles.

    Viu como a gente embola os departamentos, quando se arrisca sem armas de fogo e dana a gritar só com palavras?

    Tem de haver um modo da gente se unir sem pensamentos de infantil revolta - a rataiada faminta de sangue e das riquezas alheias não têm tutano pra fazer menos que cagadas mundo afora; tem que haver um modo inteligente, e há, nós é que estamos combatendo insanos, enlouquecendo - temos de apelar para o que há de mais extraordinário - parar de ofendidinhos devolver insultos e no silêncio interior , confiantes enfim de que a escuridão da ratoeira há de trancá-los na sua própria e suja armadilha. Desde quando e até quando Ursos " gigantes pela própria natureza" vão se submeter e até baixar a índole a estes míseros estúpidos que só se impõem na mentira, no roubo, no crime de lesa humanidade?

    FORA discursos, GRITARIA para surdos nefastos , roedores matadores da vida na Terra... E... nunca mais tenha medo de dizer o que não lhe entra no estômago...o podre tem de ter NOVO DESTINO,,,

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    1. Gostei tanto do seu comentário que vou passá-lo para o Saker, mesmo em português. Compartilhamos sua indignação.
      Grato Radeir

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  2. Você precisa acompanhar a página do facebook e o blog O Informante.
    Ele publica as notícias quase em tempo real sobre a situação na Ucrânia.

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    1. Agradeço muito sua sugestão, mas nosso interesse não são os "fatos" em si. Isso é coisa pra jornalista. Nós fazemos POLÍTICA via analistas dos "fatos". Não somos jornalistas, nem queremos ser/concorrer com jornalistas..

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