“Destruíram o que havia, não construíram instituições democráticas e, agora, negociam com os Talibã”
Munizae Jahangir |
7/10/2011, The Real News Network, TRNN, Munizae Jahangir, do Paquistão.
Entrevista a Paul Jay (transcrita)
Tradução do pessoal da Vila Vudu
PAUL JAY, EDITOR-chefe, TRNN: Bem-vindos à rede The Real News Network. Sou Paul Jay, em Washington.
Já lá se vão dez anos, desde que os EUA invadiram o Afeganistão, e as políticas dos EUA parecem confusas, para dizer o mínimo. Uma das críticas que mais se ouvem é que o presidente Obama, ao assumir a presidência, e falar sobre como conduziria a guerra no Afeganistão, disse que negociaria alguma paz entre o Paquistão e a Índia, sobre a Caxemira; que, assim, as tropas do Paquistão poderiam encarregar-se dos territórios do noroeste do Paquistão, e combater os Talibã. Bem. Não durou muito.
Hoje, para falar conosco sobre a história desses dez anos das relações EUA-Paquistão e a situação atual, temos Munizae Jahangir. Munizae é correspondente especial de Express TV, e tem um programa naquela rede, “Question Time Pakistan”. Obrigado por estar conosco, Munizae.
MUNIZAE JAHANGIR, do jornal Express News: Obrigada a você, Paul, pelo convite.
JAY: Se nos voltarmos para há apenas três anos, o presidente Obama disse que negociaria um acordo, para a questão afegã. Não aconteceu. Queríamos que você falasse um pouco sobre aquela ideia e a atual situação da política dos EUA no Afeganistão.
JAHANGIR: Bem, senti, no começo, que a política do presidente Obama para o Afeganistão seria diferente. Parecia que Paquistão e Afeganistão talvez se reconciliassem. E havia muita esperança quando a secretária dos EUA Hillary Clinton foi nomeada, porque ela é vista na região como alguém que conhece não só o Paquistão e o Afeganistão, mas também a Índia. Houve, sim, muita esperança, investida no novo governo. Mas parece que a política exterior dos EUA está além do controle de um ou outro governo, seja Democrata seja Republicano.
Hoje, o presidente Obama parece mais ‘linha dura’ [que o governo Bush], sob vários ângulos. Por exemplo, jamais houve tantos ataques com aviões-robôs (drones), em tempo algum, no noroeste do Paquistão, e Obama já disse, muito claramente, que onde houver guerrilheiros, os EUA estarão presentes em operações contra eles. Pela primeira vez, na história do Paquistão, há soldados estrangeiros em território paquistanês – como se viu na operação que assassinou Osama bin Laden. Em vários sentidos, vivemos sob política norte-americana de linha mais dura do que jamais antes.
Mas o governo Obama fez pelo menos uma coisa que os paquistaneses apreciaram: distanciou-se do exército do Paquistão. O governo Bush era visto no Paquistão como muito intimamente ligado aos militares. O governo Obama foi pioneiro, no movimento de tentar reformas e de estabelecer relação com os líderes civis. Dois movimentos que os paquistaneses anotaram e consideram bem-vindos.
JAY: Quando o almirante Mike Mullen fez, recentemente, aqueles comentários, quando acusou diretamente o serviço secreto do Paquistão, ISI, de ter ligações com a rede Haqqani, acusou o ISI de estar envolvido no assassinato do jornalista Saleem Shahzad. Todos, mais ou menos, as forças armadas e a inteligências dos EUA e, outra vez, o almirante Mullen, disseram que o exército do Paquistão e o ISI, em certo sentido, estariam protegendo bin Laden. Descobrimos recentemente que a coisa estaria tendo um efeito não desejado, que a opinião pública e as forças políticas no Paquistão estavam, de fato, se unindo contra essa pressão feita pelos EUA. É verdade?
JAHANGIR: Em certa medida, sim, é verdade, porque depois que o almirante Mike Mullen disse que a rede Haqqani seria como um verdadeiro braço do ISI, houve, imediatamente depois, uma reunião do alto comando militar. Todos os generais, foi um grande encontro. Claro, oficialmente, nada se soube, não houve declaração pública, mas imediatamente depois daquela reunião, o primeiro-ministro convocou todos os partidos, uma reunião da qual participaram todos os partidos do Paquistão. Alguns nacionalistas, como os nacionalistas baloques, não participaram, mas, em geral, todos os partidos, inclusive da oposição, hoje muito críticos do atual governo, participaram. Dessa reunião saiu uma decisão conjunta, que dizia claramente que a soberania do Paquistão teria de ser respeitada, que respeitamos nossas forças armadas e não gostamos do tipo de crítica e da atitude de ‘apontar o dedo’ para o Paquistão, que os EUA haviam tomado [1]. O primeiro-ministro foi à televisão e disse que a política do “não façam isso, não façam aquilo” tinha de parar. Nesse sentido, sim, as lideranças políticas posicionaram-se ao lado das lideranças militares.
Mas também se sabe que os militares foram muito duramente criticados naquela reunião. Foi reunião de portas fechadas, a mídia não teve acesso direto ao que aconteceu lá. Mas nossas fontes – e são fontes muito confiáveis – disseram que o líder da oposição, do PML(N) – líder do partido chamado PML(N), Mian Nawaz Sharif – criticou muito duramente o exército do Paquistão. No geral, o tom foi de “se o mundo aponta o dedo para vocês, é porque alguma coisa há”, não apontariam o dedo, se nada houvesse. E questionou diretamente o comandante do exército. Questionou o chefe do serviço secreto. E ficou bem claro que o governo não estava em perfeito entendimento, em várias áreas, com as agências de inteligência e com os militares. Não é segredo que a política exterior do Paquistão, há muitas décadas, é traçada pelos militares. Os líderes políticos, civis, tentam intervir, mas – o atual governo, sim, tem sido muito, muito fraco e incompetente na condução da política externa. O atual governo diz que quer relações pacíficas com o Afeganistão e com a Índia, mas o que se tem visto, ao longo dos últimos anos, é que, sempre que há escaramuças, ou, no mínimo, sempre que há tensões entre os dois países, são sempre os militares que arrastam os políticos, como nesse caso.
JAY: Aqui, os analistas, em geral os jornalistas, os especialistas militares e em geral a opinião pública parecem crer que o Paquistão está, de fato, preparando-se para o momento em que os EUA retirem-se do Afeganistão. Para quase todos, os Talibã são ou serão aliados dos militares paquistaneses, que se interessam por assegurar que os Talibã tenham mais poder num Afeganistão pós-EUA. Parece que há uma contradição entre os objetivos, entre o Paquistão e os EUA, que deixa, pode-se dizer, no ar, a estratégia de retirada dos EUA, porque o que se pensa é que os EUA só podem sair de lá se o atual governo afegão conseguir, de algum modo, estabilizar a situação e equacionar as questões de segurança, porque o Paquistão não estaria cooperando. Pode-se dizer que esse é o pensamento, pelo menos, em Washington. O que você pensa disso?
JAHANGIR: Não me parece uma opinião justa. No Paquistão, o que se diz, quero dizer, o que diz o governo, o establishment – que, para nós, é o exército, a liderança política – é que os EUA fracassaram, que fracassaram miseravelmente no Afeganistão. Não está muito longe da verdade. Os EUA não conseguiram estabelecer qualquer tipo de liderança civil no Afeganistão. Não há nenhuma das instituições que fortalecem a democracia. Não há. Não há partidos políticos – ou, pelo menos, não há partidos políticos fortes, estáveis – no Afeganistão. Não fortaleceram o Judiciário, nem a imprensa. Não há hoje, no Afeganistão, nenhum dos ingredientes necessários para que se possa falar de democracia funcional. Não há dúvidas de que os EUA pouco fizeram para que houvesse democracia no Afeganistão. E, hoje, estão em negociações com os Talibã... Quem diz não são só os grupos paquistaneses que lutam pelos direitos das mulheres, mas também é o que se diz no Afeganistão... Os EUA estão em negociações, hoje, com os mesmos Talibã que tiraram todos os direitos das mulheres. Quer dizer... o que vieram fazer no Afeganistão-Paquistão? E lembro que, quando os EUA invadiram o Afeganistão, uma das coisas que o governo disse foi que os EUA ‘libertariam’ as mulheres. As primeiras imagens que se distribuíram nos EUA foram imagens de meninas indo à escola. E hoje, os EUA estão em negociações com os mesmos grupos contra os quais vieram combater. Vieram para bombardear os Talibã, e, hoje, negociam com os Talibã? Não. Não se pode dizer que as dificuldades de hoje são resultado de os paquistaneses não estarem colaborando. Com certeza, não é toda a verdade.
JAY: OK. Obrigado pela entrevista.
[fim da transcrição]
Nota dos tradutores
[1] Ver, sobre isso, 10/5/2011, “Militares paquistaneses ‘enquadram’ os EUA”, M K Bhadrakumar, Indian Punchline, em português.
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