Publicado
em 27/10/2011 por *Mair Pena
Neto
Uma
conhecida trocou de fogão e quis doar o antigo, ainda funcional, à igreja da
Matriz, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Próxima à favela de Santa Marta, a
igreja sempre abasteceu os moradores com objetos e roupas doados. Mas para
surpresa de minha amiga, ao procurar o padre, foi informada que a igreja não
poderia receber o fogão, porque o depósito já estava repleto. Segundo o padre,
com o crescimento da economia e a oferta de crédito, as pessoas estão comprando
eletrodomésticos novos e não precisam mais recorrer a objetos de segunda
mão.
"Antigamente,
os objetos não ficavam duas semanas aqui. Bastava a notícia circular que
rapidamente apareciam interessados. Agora, estamos sem espaço", contou o padre,
de sotaque estrangeiro, impressionado com a rápida transformação da realidade
brasileira.
Um
amigo também comentou recentemente que a empregada que trabalha há muitos anos
em sua casa foi visitar a família que vive no Maranhão, e, pela primeira vez,
usou o avião como meio de transporte. A passagem, parcelada, coube no orçamento
dela e permitiu uma viagem rápida e mais confortável que as que fazia de ônibus.
Sua intenção é tornar as visitas mais reglares, sem o sacrifício de dias no
interior de um ônibus, do Rio a São Luís.
Estas
duas histórias ilustram bem a realidade do Brasil nos últimos anos, que está à
nossa frente, mas que muitas vezes deixamos de ver por conta de uma suposta
realidade apresentada pelos que não estavam acostumados a dividir os aeroportos
com a população e que procuram questões econômicas e políticas para dizer que o
país não funciona e corre risco. Podemos afirmar que o Brasil teria, então, duas
realidades. Uma percebida pela maioria da população, satisfeita com os rumos que
o país vem tomando nos últimos anos, e outra, fabricada por uma minoria
insatisfeita e saudosa de privilégios perdidos, que se esforça em fazer crer que
os avanços não existem.
O
problema para esta minoria é que o reconhecimento ao rumo adotado pelo Brasil
não se limita aos pobres, que costumam considerar como ignorantes, mas a
estudiosos daqui e de fora, que buscam conhecer cada vez mais as experiências
sociais e econômicas, que levaram o país a colocar uma Argentina em termos de
população na classe média. Um contingente que passou a ter mais renda, a
fortalecer o mercado interno e a ajudar o país a ter condições de enfrentar as
turbulências internacionais.
A
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acaba de
apresentar relatório, no qual destaca os "avanços extraordinários" do Brasil na
última década, com uma redução da pobreza e da desigualdade "nunca vista". O
Brasil virou referência de crescimento com distribuição de renda e sua atuação
na crise econômica internacional iniciada em 2008, deixando de lado o
receituário ortodoxo, despertou atenção sobre as possibilidades de uma
alternativa ao fracassado modelo econômico global, que continua causando ruínas
e despertando cada vez mais indignação.
Estes
avanços e conquistas não significam que a condução do país só tem virtudes. O
Brasil enfrenta sérias questões éticas na política, que precisam ser atacadas de
forma consequente tanto pelo governo, quanto pela população. Os casos de
corrupção são uma afronta, mas sempre envolvem dois lados: o corrupto e o
corruptor. Quem tem telhado de vidro não pode atirar pedra. Agora mesmo, uma
pesquisa da Organização Internacional de Trabalho revelou o perfil de quem
pratica o trabalho escravo no Brasil. O escravocrata do século 21 é branco,
nasceu no Sudeste, tem curso superior e é filiado a partido político. A pesquisa
apontou o PMDB, o PSDB e o PR como as legendas escolhidas.
Provavelmente,
essa gente também critica os desvios existentes no governo como se fossem
cidadãos decentes. Assim como odeiam o governo, e mais ainda a Lula, que já
deixou de ser presidente, mas que continua magnetizando os rancores da elite,
aqueles contrários a uma estação de metrô em bairro chique de São Paulo. Devem
integrar a legião dos supostos indignados os que furam fila no cinema e no
teatro, os que oferecem dinheiro ao guarda quando flagrados em irregularidade e
os que querem sempre levar vantagem em tudo. Certo?
Precisamos
avançar nas questões éticas simultaneamente às melhorias econômicas e sociais.
Por outro lado, não podemos permitir que elas sejam utilizadas para causar
paralisia no que vem dando certo e foi determinado pelo povo, por escolha
democrática. O governo e a política não são os vilões da história, pois os
desvios estão em todo o tecido social. Apenas estão mais expostos e sobre eles
podemos exercer nossa influência. Um bom momento está colocado para tanto. Mas é
preciso distinguir bem quem realmente está interessado no aprimoramento das
instituições de quem só quer se valer da oportunidade para recuperar uma antiga
ordem.
*Mair Pena
Neto
é jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal
do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e
repórter especial de economia.
Enviado por Direto da Redação
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