terça-feira, 11 de outubro de 2011

Palavras e nomes modelam o debate

Paul JJ Payack

Recessão, Contração ou Reestruturação da Economia Global? 

8/8/2011, Paul JJ Payack, The Global Language Monitor
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu





Entreouvido na Vila Vudu
Esse artigo não é tão importante quanto poderia ser. Há excelente teoria lingüística, teoria forte, sobre essa a mesma questão, que o artigo não explora. Mas o artigo é interessante, porque aí se expõem alguns dos fenômenos de língua de cuja manipulação vive a imprensa-empresa e dos quais a imprensa-empresa, não por acaso, JAMAIS fala.
A partir desse artigo se pode inventar boa discussão sobre por que a imprensa-empresa não admite silêncios, assim como não admite espaços em branco. Em plena ditadura, alguns jornais brasileiros optaram por publicar receitas de comidas, porque não podiam publicar o que queriam nem a ditadura admitia que fossem à rua com espaços em branco. Ou publicavam versos de Camões -- o que mostra, bem claramente, o pouco caso que aquela empresa fazia, dos versos de Camões.
Hoje, sem ditadura, o mesmo jornal esfalfa-se para encontrar jornalistas que se prestem ao sujo serviço de deformar programaticamente a informação e, sempre, de desinformar: em todos esses casos, vê-se a mesma imprensa-empresa reacionária, fascistizante, em luta contra um silêncio que seria eloquente demais, bem feitas as contas, eloquente demais TAMBÉM para o Estadão, p. ex.. 
A verdade é que a ditadura sangrou-se em saúde: tivesse liberado o Estadão, para publicar o que bem entendesse, nada aconteceria que não agradasse à ditadura. 
De quebra, nos teríamos livrado, hoje, de ter de ouvir o Estadão proclamar-se “censurado”. 
Dessas imbecilidades se faz a luta pela “liberdade de expressão” para jornais, jornalismo e jornalistas no Brasil, liberdade liberal, filha dileta da liberdade liberal para empreender, culto do fascismo sincero, que, nem por ser sincero, jamais deixou de ser fascismo. 
Aí, claro, há “brechas, interstícios” -- de linguagem -- a serem invadidos e ocupados. 


AUSTIN, Texas, 9/8/2011. As palavras têm poder. Nomes têm poder. Há três anos, conversamos, em entrevista à revista Newsweek, sobre como se deveria designar a então (como até hoje) crise econômica. O New York Times dava então preferência à expressão “Grande Recessão”– que o Guia de Estilo da Associated Press depois ‘certificou’. Nossa posição, no Global Language Monitor (GLM) era que a crise econômica de 2008 não se parecia com uma recessão, nos termos em que se definiam as recessões; e que alguma semelhança que se identificasse com a Depressão Econômica Mundial dos anos 1930s era, no máximo, uma tentativa de definir, sem nada definir.


Entendíamos, no GLM, que o que estávamos vivendo não era recessão, nem grande nem pequena, mas algo completamente diferente: uma Reestruturação Econômica Global.

As palavras têm poder. Os nomes têm poder. De fato, palavras e nomes podem modelar um debate. E, deve-se acrescentar, palavras e nomes têm a capacidade inerente de nos desencaminhar. Apresentar a realidade atual nos termos que se usaram para apresentar velhas crises, já nossas conhecidas, garante o conforto (e a ilusão) de que as coisas vão bem, sob perfeito controle.

É mais que hora de admitirmos que o que estamos vivendo não é uma recessão, nem grande nem pequena, mas, isso sim, uma transferência global de riqueza, poder e prestígio de dimensões sem precedentes, levada a efeito, nas palavras de von Clausewitz, “por outros meios”.

Referida originalmente, na grande imprensa global, como “tsunami financeiro” ou “derretimento [ing. Meltdown (1)] financeiro”, adiante se formou um consenso em torno de “A Grande Recessão”. No início, ainda se viam muitas comparações com a Grande Depressão Econômica dos anos 1930s, mais conhecida, domesticamente, simplesmente, como “A Depressão”, assim como muitos ainda dizem “A Guerra”, para a Segunda Guerra Mundial. Mas até essas comparações frequentemente acabavam por fazer referência à recessão de 1982, outra crise que também foi chamada de “Grande Recessão”.

Nossas análises recentes têm mostrado que, enquanto a maior parte da imprensa impressa e das mídias eletrônicas decidiram-se por “Grande Recessão”, muita gente, na internet, na blogosfera e nas mídias sociais em boa parte rejeitou a expressão. Parece-nos que a dificuldade, nesse caso, está na evidência de que a atual crise econômica é difícil de expressar em palavras, porque não se parece com nenhuma crise econômica de que tenhamos memória recente – e é crise de outro tipo.

Da Guerra (2) é um dos livros mais influentes sobre estratégia militar de todos os tempos. Escrito pelo especialista prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831), lá se lê uma de suas frases mais respeitadas: “A guerra não é apenas um ato político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação do comércio político, outro modo de fazer o mesmo, por outros meios” – frequentemente abreviada para “Guerra é diplomacia, por outros meios”.

Acreditamos que o motivo pelo qual a expressão “Grande Recessão” não serve perfeitamente hoje, como já é suficientemente claro, é que o que estamos vivendo não é recessão, nem grande nem pequena, mas, sim, uma transferência global de riqueza, poder e prestígio, sem precedentes, levada a efeito “por outros meios”.

Esse fato prendeu dois presidentes dos EUA, de pontos de vista políticos radicalmente divergentes, no mesmo dilema: como descrever um fenômeno econômico que não joga pelas velhas regras? Primeiro, foi o presidente Bush, lutando para explicar que os EUA não estavam em recessão, uma vez que o PIB não diminuíra em dois trimestres consecutivos (como exige a definição tradicional de recessão), apesar de os empregos estarem desaparecendo aos milhões e o sistema bancário mundial estar por um fio, à beira do colapso. Agora, é o presidente Obama, lutando para explicar como a economia dos EUA saiu de uma recessão, apesar do dano colateral: a riqueza evaporou e os empregos continuam, ao que parece, tão inalcançáveis como antes.

E o mundo, da China à Alemanha, sem nada entender, enquanto os EUA continuam a insistir, apesar de todas as evidências em contrário, que a dívida pública é bom negócio. É como se ouvíssemos o velho refrão, tão nosso conhecido, de Washington: “Todos dizemos a mesma coisa. Então... deve ser verdade!”

A transferência regional ou global de riqueza, poder e influência, a destruição de indústrias inteiras e o chamado dano colateral (i.e., o sofrimento humano e as mortes) são, todos esses processos, marcas registradas do que o ocidente vive hoje.

Se se desmontam com cuidado os eventos da última década, ou dos dois últimos vinte anos, podem-se vê-los como a conclusão, quase inevitável, de uma guerra sem nome que começou com o colapso da União Soviética. A adoção, pela China, Índia e as demais potências emergentes de uma modalidade específica de livre-mercado, uma transferência quase sem precedentes de riqueza, das economias ocidentais para Oriente Médio (energia) e para o sul e leste da Ásia (bens manufaturados e serviços) e uma substancial, consequência inevitável, transferência de poder e influência políticos.

Parece, hoje, que as potências ocidentais mais afetadas por essas transferências não conseguem explicar adequadamente, sequer entender, as circunstâncias atuais, de um modo que faça sentido para os cidadãos. Se nem conseguem explicar, muito menos podem conseguir reverter (ou, talvez, impedir) o curso da história. De fato, os maiores eventos desenrolam-se longe, e as sociedades afetadas agarram-se, como a uma tábua de salvação, à esperança de que, afinal, ainda podem exercer alguma espécie de controle sobre uma realidade que parece estar fora do seu alcance e do seu controle.

A boa notícia aqui é que as transferências de riqueza, poder e influência parecem ser, aqui, ainda, relativamente sem sangue. Nem por isso são menos destrutivas, para os milhões que estão na linha de frente das deslocações econômicas.

Nesse contexto se pode, afinal, ver mais claramente o visível ressentimento dos estados árabes e islâmicos. Eles também, afinal, só fazem assistir, impotentes, à nova realidade global e aos realinhamentos em andamento.

Para concluir, pode-se dizer que a razão pela qual a expressão “Grande Recessão” não pode ser acolhida hoje é que nos não estamos vivendo uma recessão, mas evento transformacional em andamento que envolve a transferência global de riqueza, poder e influência, sem precedentes, que está sendo feita “por outros meios”.


Notas dos tradutores

[1] Em praticamente todos os dicionários do inglês contemporâneo, a primeira acepção para esse substantivo é “derretimento do núcleo de reatores nucleares, com vazamento de material radiativo para o meio ambiente”. Ver, por exemplo, no Dictionary,com – “meltdown”. Essa acepção não existe no português do Brasil, para “derretimento”. Ver, por exemplo, no Houaiss, onde a primeira acepção registrada é “dissolução da consistência sólida; liquefação, fundição”.

[2] CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. [1832] São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Um comentário:

  1. No meu modesto conhecimento e nao erudita forma de linguagem: nao estamos vivendo nem a Grande Recessao nem uma Reestruturacao Economica Global e sim, algo muito mais simples e que vem acontecendo de forma repetitiva geracao apos geracao.

    Pura e simples Transferencia de Dinheiro, do meu, teu, nosso bolos para o deles.

    Isso se da de duas formas:

    a) a legitimacao e contabilizacao do que foi roubado durante decadas.

    b) aproveitar a oportunidade dessa regularizacao contabil para promover novas e macicas transferencias de renda para as corporacoes e seus dirigentes e multimilionarios em geral, atraves de compra e recompra de acoes, emprestimos governamentais, etc.

    No coloquial:roubo institucionalizado e incentivado; Formacao de quadrialha; crimes contra a humanidade, teorias e conversa para boi dormir, etc.

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