Pepe Escobar |
26/10/2011, Pepe
Escobar, Asia Times Online
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
A
nova Santíssima Trindade da mitologia impingida por Washington a um mundo que
nada vê é que a guerra da Líbia acabou e as guerras do Iraque e do Afeganistão
estarão acabadas, respectivamente, no Dia de Ano Novo de 2012 e em 2014.
Consideremos
o Iraque. Há uma razão real para a retirada dos soldados norte-americanos em
dezembro: o governo de Nuri al-Maliki em Bagdá negou peremptoriamente aos EUA a
imunidade que queriam (para impedir que soldados norte-americanos sejam acusados
de crimes de guerra em Bagdá). Implica, de fato, que o governo Maliki expulsou o
Pentágono de todas as suas convenientes bases militares no Iraque, a partir das
quais seria possível atacar o Irã.
Deve-se
lembrar que esse governo iraquiano de maioria xiita – que herdou país totalmente
devastado – chegou ao poder em eleições cujo caráter democrático os EUA
aprovaram. Extraem-se daí dois desenvolvimentos de justiça poética: há um Iraque
democrático que se aproxima cada vez mais da República Islâmica do Irã; e o
mesmo Iraque democrático expulsa de seu território a face militarizada do
império.
Não
surpreende que Washington esteja como barata tonta, desentendida e confusa.
Naturalmente, o Pentágono, a CIA e o Departamento de Estado e/ou todos esses já
trabalham dia e noite para mostrar tantos cenários inventados quantos lhes
pareçam necessários.
Esperem
dúzias de think-tanks de “especialistas” em Oriente Médio, todos a
sugerirem que a retirada dos EUA seria tática diversionista; uma leva gigante de
artigos e ‘relatórios’, completa operação de inventar jogadas, como o ‘caso’ de
suposto atentado contra um embaixador saudita a ser perpetrado por suicida-bomba
iraniano (Epa! Essa jogada já foi tentada!); e culpar o Irã pelo “terror”, para,
em seguida, reembarcar milhares de soldados de volta ao Iraque, para manter o
país “protegido contra terroristas”.
Atualmente,
Washington tem menos de 40 mil soldados e respectivos coturnos, no Iraque, já
reduzidos do total de 170 mil que lá estavam no final de 2007. Por hora,
prevê-se deixar no Iraque cerca de 16 mil norte-americanos (o equivalente a uma
divisão de exército), distribuídos entre diplomatas dos EUA e “contratados
civis”, também conhecidos como mercenários armados (desses, são 8 mil; mais
4.500 pessoas “para dar suporte geral à vida”, também conhecidos como “a
ajuda”).
Esse mix
de burocratas, espiões da CIA, forças especiais e escravos mal
disfarçados como mercenários será, de fato, o exército privado da secretária de
estado Hillary (“Viemos, vimos, ele está morto”) Clinton.
O
líder nacionalista iraquiano Muqtada al-Sadr tem outros planos. Já anunciou que
“são exércitos ocupantes, e é nosso dever resistir contra eles até a conclusão
do acordo”. É fácil fazer as contas e inferir as consequências.
Para piorar,
ficaram sem o petróleo
Se se presta atenção ao relatório número ISP-I-09-30A do
Gabinete do Inspetor Geral [4], até esse número,
uma divisão de exército de 16 mil soldados, é inventado. O relatório, escrito em
2009, exige “significativa correção da contagem” [ing. “a significant
rightsizing”] (eles adoram essa terminologia) do pessoal que habita o prédio,
maior que o Vaticano, da Embaixada dos EUA em Bagdá, também conhecido como
palácio de Clinton; e determina: “o processo de nova contagem deve ter início
imediatamente.”
Mesmo assim, não importa quantos coturnos
“corrigidos-contados” dos EUA permanecem em solo iraquiano, permanece no ar,
sempre, o projeto de “pôr as mãos no Irã”. O traço principal do recente complô
“Velozes e Furiosos” [5]
do
Departamento de Justiça/FBI/Agência norte-americana de narcóticos (Drug
Enforcement Agency, DEA),
não foi a implausibilidade. Aquele complô justifica-se exclusivamente como meio
para conseguir repetir, para o público doméstico, que os iranianos são entidades
maléficas que ousam desrespeitar os EUA e inventam planos mais mirabolantes que
filme de suspense hollywoodiano, para disseminar “terror”.
E há também o verniz de respeitabilidade que sempre se
pode aplicar a qualquer trama hollywoodiana de segunda categoria. Examinem o
relatório da Brookings Institution, que leva o título de “Que caminho, até a
Pérsia” [ing. Which Path to
Persia?] [6], redigido por um
punhado de suspeitos de sempre, como Kenneth Pollack, Bruce Riedel, Michael
O'Hanlon e Martin Indyk.
O
relatório mostra que Washington, de fato, já tentou praticamente todos os golpes
do manual, contra o Irã. A única “estratégia” ainda não tentada é um ataque
unilateral de Israel (para o qual os neoconservadores contam com o
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu), ataque que seria respondido com
retaliação pelos iranianos, retaliação que empurraria os EUA para a briga e
abriria a possibilidade de invasão por terra (condenada ao fracasso desde o
primeiro coturno que pisasse lá, mas... O que teriam a ver com isso, os
supracitados autores do “plano”?).
Para
esses e outros doidos por guerras, que operam do fundo de suas poltronas no
perímetro do poder em Washington, o cenário ideal é Telavive lançar um ataque
surpresa, com os soldados norte-americanos que se “retiram” do Iraque entregues
como alvo/isca/bode sacrifical à sanha viciosa da retaliação iraquiana. Não
haveria melhor pretexto para arrastar Washington para mais uma guerra que jamais
conseguirá vencer – e tudo recomeçará, como sempre.
O
xis da questão, que os neoconservadores em Washington jamais conseguirão
engolir, é que os EUA foram derrotados no Iraque. Ponto final.
Nunca houve as armas de destruição em massa de Saddam
Hussein, nunca. Nunca houve conexão entre Saddam e a al-Qaeda. Nunca houve
democratizar o Oriente Médio à bomba, porque essa só foi inventada depois de a
operação “Choque e Pavor” já estar “em campo. E, apesar de o ex vice-presidente
Dick Cheney ter elevado os campos de petróleo do Iraque ao status de prioridade
da segurança nacional dos EUA (nos primeiros meses de 2001, ainda antes do
11/9), os EUA não conseguiram nem o petróleo! Os melhores contratos foram para
empresas russas e chinesas [7].
E sobre como Washington “reconstruiu” o país que
destruiu e devastou, basta ler o dolorosamente tragicômico relato de Peter van
Buren [8], ex-assessor do
Departamento de Estado.
Parece “The Torture Never Stops” [A tortura nunca pára],
sucesso de Frank Zappa [9]. Depois do sucesso
espetacular da covarde operação da Organização do Tratado do Atlântico Norte,
OTAN, na Líbia, essas mesmas nulidades que, em 2002, na véspera do ataque ao
Irã, diziam que “homens de verdade vão para Teerã”, agora já estão usando
norte-americanos como isca para que Israel ataque o Irã – e, isso, quando as
sanções dos EUA ao Irã já estão praticamente convertidas em bloqueio de facto – que a lei internacional tipifica como ato
de guerra.
Em
mundo nada ideal, um avião-robô,
drone maldito, um
MQ-9 Reaper, poria fim, num
segundo, à miséria desses doidos por guerras.
Notas
dos tradutores
[1] No original “Real wimps go to Tehran
via Baghdad ”.
A
palavra “wimp” traduz-se, em geral, como “covarde”, “babaca”, “chorão” [port. do
Brasil]. Na fala coloquial da extrema direita dos EUA, circula também a
expressão “WIMP”, como acrônimo de “Women-Influenced
Male Person” [homem que se deixa influenciar por mulheres]; a expressão parece
ter sido lançada por Rush Limbaugh, homem de extrema direita, racista sexista
eleitor do Partido Republicano e conhecido apresentador de um programa de rádio
nos EUA. Sobre ele, há matéria em
FAIR
– Fairness and Accuracy in Reporting,
de 1994, para os que não conheçam o personagem.
Não
há como decidir entre essas acepções de “wimps”, em artigo que, adiante, fala no
“exército privado” de Hilária Clinton, o que, contudo, não implica repetir
mantras de Limbaughs e outros. Optamos por “covardes”, e por acrescentar essa
nota, assumindo o risco de super (ou sub) traduzir. Nenhuma tradução é sem
riscos.
[2] Há aqui ecos de “Everyone wants to go to Baghdad . Real men want to
go to Tehran ”
[“Todos querem ir para Bagdá. Homens
de verdade querem ir para Teerã”]. A frase foi muito ouvida entre os
neoconservadores de Washington, no governo Bush, entre o final de 2002 e o
início de 2003, na propaganda da invasão do Iraque. Para muitos, essa frase de propaganda já
sinalizava que a invasão do Iraque estava pensada como primeiro ato de uma
“Guerra Longa”. Dentre outros, ver Iran
Preemption, em inglês.
[3]
Sobre
essa “celebridade”, sim, há matéria
do “jornalismo” brasileiro, em português, no Portal Terra.
[5] Ver Pepe Escobar, 13/10/2011, “O complô ‘Velozes e Furiosos’ para ocupar o Irã” (versão estendida).
[6] Ver Brooking Institute,
june 2009, “Which
path to Persia ? Options for a New American
Strategy toward Iran ”, Analysis Paper,
em inglês.
[7] Ver Pepe Escobar, 16/12/2009, “Iraq 's oil auction hits the
jackpot”, Asia Times
Online, em inglês.
[8] Ler BUREN, Peter Van, We
Meant Well: How I Helped Lose the Battle for the Hearts and Minds of the Iraqi
People (American Empire Project)
[Queríamos fazer? Como
ajudei a perder a guerra pelos corações e mentes do povo iraquiano (Projeto
Império Americano)] NY: Metropolitan
Books, Set. 2011, ISBN: 978-0-8050-9436-7, ISBN10:
0-8050-9436-9.
[9]
Os
concertos de Frank Zappa, no Halloween de 1981 em New York, foram filmados ao vivo no
Palladium. A “coisa”, que recebeu o título de “The
Torture Never Stops” [A tortura nunca pára] foi montada pelo próprio
Zappa, com o material filmado dos concertos, que o artista pretendia exibir como
um especial de televisão. O filme pode ser baixado da web pelo link acima.
A
seguir pode-se ouvir um trecho:
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