segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Saúde, educação, cultura e outra lição de Cuba: o esporte


Max Altman
Por Max Altman

 

Cumpre inicialmente ressaltar que a Organização Desportiva Panamericana inflou a competição, sabe-se lá por que razão, com esportes praticados por poucos países e dentro desses países por pouca gente, geralmente endinheirada, e, fundamentalmente, esportes de pouca ou nenhuma tradição olímpica.

Mas que garantem preciosas medalhas: badminton, squash, boliche, raquetebol, softbol, pelota basca, karatê, boxe feminino, esqui aquático, patinagem, ciclismo de montanha, ciclismo BMX, vela I 24, vela laser radial, vela RSX feminino, vela RSX masculino, vela sunfish, ginástica de trampolim, rugby.

Para se ter uma ideia, o México, país anfitrião, de suas 42 medalhas de ouro, uma terça parte foi assegurada por esses esportes: 4 no squash, 5 no raquetebol, 5 na pelota basca.



A cobertura da nossa imprensa escrita e televisionada foi basicamente distorcida em relação à essência dos resultados e patrioteira ao ressaltar apenas as medalhas de ouro dos atletas brasileiros sem atentar para a análise da qualidade do desempenho. A cobertura da TV Record, que deteve os direitos de transmissão, pecou pelos mesmos motivos, embora diante das evidências das imagens tivesse que esboçar críticas e observações com algum critério técnico.

À parte os Estados Unidos, grande e tradicional potência desportiva e olímpica, que de resto não enviou a Guadalajara seus principais atletas, a grande vencedora foi a equipe de Cuba. Muitos mais uma vez se perguntam como um país de apenas 11,2 milhões de habitantes, com parcos recursos econômicos, bloqueado há mais de 50 anos pelo poderoso vizinho do norte, consegue tão destacadas resultados essencialmente nas modalidades tradicionalmente olímpicas nas quais concentra seus esforços.

Em primeiro lugar, a educação física é realmente um direito do povo e maciçamente praticada em Cuba. Dezenas de milhares de treinadores observam e peneiram na prática diária dos exercícios físicos, na rede de ensino básico, médio e universidades, crianças e jovens com talento para a prática deste ou daquele esporte. Levam-nos posteriormente para a iniciação e formação numa dada modalidade. Observados, os melhores são conduzidos para os centros de alto rendimento onde são burilados, recebem treinamento específico e são cercados de atenção adequada.

Outro aspecto a destacar é que absolutamente todos os atletas se preparam e se exercitam no próprio território cubano com treinadores, técnicos, professores de educação física, fisioterapeutas, médicos desportivos, árbitros, nutricionistas, massagistas, administradores desportivos e chefias cubanos.

Cuba chega até a exportar técnicos para outros países, como é o caso do próprio Brasil. Não há um único atleta nascido em Cuba, que treine e more no exterior, sob os cuidados de técnicos estrangeiros e membro de equipes locais. Todo e qualquer resultado atlético, positivo ou não, é fruto autenticamente cubano dos esforços da própria nação, nunca de um isolado talento individual ou de esforços individuais.

Para se ter uma ideia estatística do valor da performance cubana, deixando de lado os Estados Unidos que não levaram sua principal força, comparemos os resultados do segundo, terceiro e quarto colocados em relação à população e ao poderio econômico.

Cuba tem 11,2 milhões de habitantes e 70 bilhões de dólares de PIB; Brasil, 193 milhões e 1,7 trilhão; México, 112 milhões e 900 bilhões. Desse modo, cada medalha dourada de Cuba corresponde a 193 mil habitantes e 1,2 bilhão de dólares; Brasil a 4,021 milhões de habitantes e 35,4 bilhões de dólares; México a 2,660 milhões de habitantes e 21,4 bilhões de dólares.

Finalmente, dois comentários mais sobre o boxe e o atletismo, duas modalidades olímpicas tradicionais. Quando no Pan do Rio em 2007, os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara desertaram de sua equipe, atraídos pelos acenos pecuniários de empresários alemães, a grande mídia brasileira exultou.

As manchetes estampavam: pugilistas fogem para a liberdade. Localizados, foram deportados para Cuba. Os meios de comunicação locais estrebucharam: os boxeadores foram devolvidos pelo governo brasileiro para serem vítimas da vingança dos Castro. Pouco tempo depois, Rigondeaux e Lara saíram normalmente de Cuba e foram para Miami em busca de riqueza e glória.

Hoje lutam muito pouco. Dependem de inescrupulosos empresários. A fama e o dinheiro se esvaem. Mais adiante, com o passar do tempo, quando não mais puderem lutar, serão jogados fora como laranjas chupadas.

Teófilo Stevenson e Félix Savón, tricampeões olímpicos de boxe, jamais abandonaram suas equipes nem o seu país, apesar dos milionários convites para se profissionalizar. Quando encerraram a carreira, passaram a treinar e formar novos campeões. Têm a admiração e a amizade dos seus pupilos e do povo de seu país.

Em Guadalajara, com equipe totalmente renovada e muito jovem, o boxe cubano de 10 categorias disputadas participou de nove – não levou o super-pesado. Ganhou 8 medalhas de ouro e só perdeu uma luta, a de mosca.

Quanto ao atletismo, o esporte olímpico por excelência, o único que pode ostentar o dístico “citius, altius, fortius’ – mais rápido, mais alto, mais forte – em que raramente um só atleta consegue levar mais de duas medalhas, jamais 5, 6 ou 7, Cuba - de 47 provas disputadas -conquistou 19 medalhas de ouro e o Brasil, 10.

Ainda que se leve em conta que os Estados Unidos não mandaram sua equipe principal nem a Jamaica seus extraordinários velocistas, os atletas cubanos realizaram em 7 provas marcas que os colocariam no pódio olímpico: vara feminino com Yarisley Silva; 400 com barreiras com Omar Cisneros; vara masculino com Lázaro Borges; dardo masculino com Guillermo Martinez; 110 c/barreiras com Dayron Robles; martelo feminino com Yipsi Moreno e disco feminino com Yarelis Barrios.

Se o Brasil, país de população jovem, seguir a lição de Cuba: massificação da prática desportiva nas escolas de todos os graus, construção de instalações adequadas nos colégios e universidades, formação de milhares de profissionais do esporte com a missão básica de buscar e peneirar talentos, para mais tarde formá-los e burilá-los em centros de treinamento de alto rendimento, certamente será também uma potência olímpica e das mais poderosas.

Um comentário:

  1. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    Meu caro Max,

    muito bom texto mesmo, este seu. Você fala de massificação do esporte e de instalações nos centros de ensino...Um dos maiores crimes sociais jamais cometidos entre nós foi a interrupção do programa dos CIEPs (Brizola-Darcy) no Estado do Rio, por obra e desgraça desse Moreira Franco. Bastava equipá-los convenientemente e levar a efeito uma intensa atividade de preparação de treinadores, para que tivéssemos onde treinar nossos jovens para competições esportivas.

    Houve imitações, à direita e à esquerda - o que me interessam são as instalações -, como os CIACs do Collor e os CEUs da Marta, os primeiros com objetivos nacionais, os outros, paulistanos apenas. Nada sei, em termos de instalações, a respeito do programa FDE do Alckmin. Sei que os CIEPs e CIACs tinham arquiteturas excelentes, a cargo do Niemeyer e do Lelé (também nada sei das arquiteturas dos CEUs e do que pretende esse FDE).

    Nesse nosso Brasil, não logramos jamais estabelecer uma espécie de "pacto civil" em nossa atormentada sociedade, cada vez mais submetida à péssima qualidade educacional e cultural transmitida por esses meios de comunicação e difusão que temos. Aqui na RPDC, consegui instalar uma antena, ligada a satélite chinês, com a qual captamos emissoras, como a Record, Cubavisón, RTPi, RAI, TV5, 24H. A pior é a brasileira, divulgadora de pífias mensagens "evangélicas", bundas e coxas siliconizadas de brasileiras vulgares, noticiários em que 80% das matérias se devotam a crimes horrorosos, novelas mixurucas e programas de auditório simplesmente ridículos e de baixo nível. Ainda bem que não nos chega a Globo ou esse mal-arremedo de emissora pseudo-pública que é a TV Brasil.

    Mas me comovem sucessos de nossos atletas de origem humilde ou de grandes mulheres, como a Maurren Maggi, de quem sou fã absoluto, a Lucimara ou as meninas do futebol. A primeira me traz sempre lágrimas nos cantos dos olhos e espero que ela vença em Londres ano que vem, como venceu em Pequim há três anos e pouco.

    Grande abraço do
    ArnaC

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