domingo, 30 de outubro de 2011

O acordo de 26-27/10/2011 (Grécia) é inaceitável


O movimento #Occupy Wall Street pôs em movimento processo criativo e emancipatório. Tem de ser apoiado e estimulado.

30/10/2011, CADTM – Committee for the Abolition of Third World Debt 
[Comissão para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo] 
Trad. do grego ao inglês, de Mike Krolikowski, in Rede de Tradutores Tlaxcala, editorial
Traduzido do inglês pelo pessoal da Vila Vudu

O acordo firmado na madrugada de 27/10/2011 não é solução para a crise na zona do euro, nem para a crise dos bancos, nem para a crise da dívida, nem para a crise do euro. Aquelas decisões nada resolvem de modo aceitável: apenas prorrogam a crise, sem resolver coisa alguma. Na avaliação dessa Comissão para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo, o acordo é inaceitável.

Chefes de Estados, chefes de governos, líderes da Comissão Europeia (CE) [ing. European Commission (EC)], banqueiros privados e o diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) reuniram-se em Bruxelas para encontrar solução que evitasse o risco de quebra em série de vários dos principais bancos europeus, com especial preocupação por bancos franceses, espanhóis, gregos, italianos, alemães, portugueses e belgas... Os mesmos bancos que, antes de 2007-8, aumentaram imensamente os riscos que assumiram para auferir lucros de curtíssimo prazo para seus acionistas e garantir os bônus delirantemente altíssimos que pagam a seus diretores e corretores. Os empréstimos domésticos e a pequenas empresas são apenas uma mínima parte do giro desses bancos: entre 2-5%. Os massivos incentivos que aqueles bancos receberam dos Estados, do Banco Central Europeu ou do Federal Reserve, jamais foram usados na economia produtiva: sempre foram desviados para as atividades mais altamente especulativas.

Os bancos privados são financiados para o curto prazo e, ao mesmo tempo, assumem papéis de longíssimo prazo: bônus públicos ou privados, negócios no mercado futuro de commodities, troca de moeda e posições em derivativos sobre os quais não há qualquer tipo de controle público. A falência do banco franco-belga Dexia, no início desse mês de outubro de 2011, é resultado direto dessas políticas. O medo de que a falência do banco Dexia desencadeie um “efeito dominó” na Europa e nos EUA foi decisivo para que se organizasse a reunião de “cúpula” dos dias 26/27 de outubro de 2011.

A decisão de cortar em 50% os papéis gregos que estão com os banqueiros, em vez do corte de 21% decidido dia 21 de julho, já era inevitável desde agosto, depois que perderam 65-80% do valor no mercado secundário da dívida. Embora os líderes governantes tenham anunciado que impuseram importantes sacrifícios aos bancos, os bancos saíram-se muito bem, como sempre. Por isso, precisamente, todas as bolsas de valores do mundo mostraram, nos últimos dias, significativos movimentos de alta.

O acordo de 27/10 não é solução para o povo grego sobre o qual recaem os mais pesados efeitos da crise, agravados pelas medidas de “austeridade” que o governo impôs aos gregos. Toda essa operação é comandada pelos credores e está rigorosamente pensada para salvar seus interesses. Esse plano de redução da dívida grega é a versão europeia dos “planos Brady”, que tiveram efeitos tão devastadores nos países em desenvolvimento nas décadas dos 80s e 90s.

O plano Brady – batizado em homenagem ao secretário do Tesouro dos EUA naquele momento - envolveu reestruturar a dívida por troca de papéis, nos principais países endividados que aceitaram o Plano: Argentina, Brasil, Bulgária, República Dominicana, Equador, Jordânia, México, Nigéria, Panamá, Peru, Filipinas, Polônia, Rússia, Uruguai, Venezuela e Vietnã.

Naquele momento, Nicholas Brady anunciou que o volume das dívidas seria reduzido em 30% (mas as reduções, quando de fato aconteceram, foram muito menores; em alguns casos, as dívidas até aumentaram) e que novos papéis (“Bônus Brady”) garantiam taxa fixa de juros de cerca de 6%, muito interessante para os credores. Também se impuseram as medidas de “austeridade” ditadas pelo FMI e pelo Banco Mundial. Hoje, em outras latitudes, a mesma lógica provoca os mesmos desastres.

A “Troika[1] (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional) impõe infindáveis medidas de ‘austeridade’ ao povo grego, ao povo da Irlanda, aos portugueses. E se gregos, irlandeses e portugueses não reagirem e resistirem, logo logo muito mais gente estará sofrendo: espanhóis, belgas, franceses...

Esse plano de modo algum permitirá que a Grécia resolva seus problemas por pelo menos duas razões:

1. A redução da dívida é absolutamente insuficiente; e
2. As políticas econômicas e sociais aplicadas para atender às demandas do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e do FMI (a Troika) fragilizarão ainda mais a Grécia. Essa é a característica odiosa dos atuais acordos financeiros firmados com a Grécia, para futuros empréstimos e para reestruturar dívidas futuras.

A Grécia tem de escolher entre duas possibilidades:

1. Jogar a tolha e ficar, outra vez, entregue aos desmandos do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e do FMI (a Troika); e
2. Recusar a ditadura dos mercados e do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e do FMI (a Troika) e suspender todos os pagamentos, e ordenar que a dívida grega seja auditada, para que seja possível rejeitar toda a parte ilegítima daquela dívida.

Outros países já estão, ou em breve estarão, empurrados para a mesma escolha: Espanha, Irlanda, Itália, Portugal... E a lista não pára aí. Em todos os casos em que se apliquem essas sempre mesmas políticas, em doses diferentes, em toda a União Europeia.

Todos esses planos de “austeridade” devem ser recusados e é indispensável proceder a auditoria das respectivas dívidas públicas nacionais, em processos sob controle público.

Os eventos de 2007-2008 não levaram os governos a adotar medidas de estrita prudência. 

O que se deve fazer é, ao contrário, adotar medidas que impeçam que as instituições financeiras, bancos, empresas de seguros e os fundos “hedge” causem danos ainda maiores. 

É preciso acusar judicialmente, formalmente, diretamente, as autoridades públicas, diretores de empresas e seus cúmplices responsáveis pelas quebras de bancos e do mercado de ações.

É urgente expropriar os bancos e pô-los a serviço do bem comum – nacionalizando-os e pondo-os sob controle dos trabalhadores e dos cidadãos.

Deve-se recusar, não só qualquer forma de indenização aos acionistas, mas é preciso que entreguem seus bens pessoais para cobrir os custos da reestruturação do sistema financeiro.

É necessário rejeitar todos os meios ilegítimos pelos quais bancos privados controlam autoridades públicas e governos eleitos.

Evidentemente, se devem impor também uma série de medidas complementares: controle público sobre movimentação de capitais, proibir a especulação, proibir movimentação de dinheiro para paraísos fiscais, criar impostos que promovam a justiça social, dentre outras.

Na União Europeia, devem-se repelir alguns tratados, como os de Maastricht e de Lisboa.

Também é indispensável mudar radicalmente os estatutos do Banco Central Europeu. Antes que a crise avance para o pior, é mais que hora de mudar radicalmente o rumo do Banco Central Europeu.

Essa Comissão para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo, CADTM, apóia, com outras organizações, as iniciativas já tomadas em alguns países a favor da auditagem da dívida pública, promovida por instituições democráticas públicas de cidadãos.

O movimento #Occupy Wall Street pôs em movimento processo criativo e emancipatório. Tem de ser apoiado e estimulado.

[assina] CADTM Europa
Pascal Franchet
Giorgos Metraliás (Γιώργος Μητραλιάς)
Griselda Piñero
Éric Toussaint
___________________________________

CADTM (Committee for the Abolition of Third World Debt - Comissão para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo) está presente na Grécia, França, Bélgica, Espanha, Suíça e Polônia. A rede CADTM é ativa em 33 países.

A mais recente publicação do CADTM é MILLET, Damien; TOUSSAINT, Eric (coord.) 2011,La dette ou la vie, 2011, Bruxelas: ADEN (em francês).



Nota dos tradutores
[1] A palavra troika (ru. “trio”, triunvirato) tem longa e interessante história desde antes da Guerra Fria e durante toda a Guerra Fria, mas sempre designou “juntas” políticas mais ou menos ilegítimas e sempre autoritárias de governo. Interessante, nessa história é que nunca, antes, desde o início do século 20, até o início do século 21, a palavra troika designou, como hoje designa, também no discurso jornalístico, uma junta de governo ilegítimo e autoritário de três votos, dois quais dois votos são... bancos! (Para saber mais, ver TROIKA)

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