quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Algumas notas sobre a tradução do termo “settlement” no contexto da ocupação israelense

05 de outubro de 2011 às 10:10
Israeli settlement of Har Homa constructed on village land of Beit Sahour (image from whypalestine blog)
Colônia exclusiva para judeus Har Homa, construída ilegalmente na aldeia de Beit Sahour, a leste de Belém; daqui.

Faz umas duas semanas, rolou lá no Viomundo um enorme balacobaco a propósito da tradução da Vila Vudu de um texto do israelense Uri Avnery, ferrenho opositor da política de ocupação levada a cabo pelo seu governo sobre os territórios palestinos. O texto de Avnery, intitulado “Dogs of War” [Cães de Guerra], denuncia as manobras israelenses para reprimir a mobilização palestina que vem ocorrendo no bojo do pedido de reconhecimento do “estado” palestino à ONU. Os cães de guarda a que se refere o texto de Avnery são os quase 500.000 colonos judeus ilegais que continuam ocupando terras palestinas na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.

Num determinado momento do texto, Avnery diz: Their task is to protect the settlements and attack Palestinians. They are settler-dogs, or, rather, dog-settlers. Tradução da Vila Vudu: A tarefa deles é proteger os colonos judeus e atacar os palestinos. São cães colonos judeus ou, melhor, colonos judeus cães. A inserção da palavra “judeu” junto à palavra “cães” foi tomada pelo jornalista Bernardo Kucinski para atribuir conteúdo antissemita à tradução da Vila Vudu. Essa inserção – que é, em outros contextos, um recurso legítimo para que o leitor de língua portuguesa entenda o que significa “colono” dentro da realidade da ocupação israelense—ecoava, argumentou o jornalista, utilizações antissemitas do termo “cães” para referenciar judeus. Caia Fittipaldi, respondendo em nome da Vila Vudu, deu razão parcial ao jornalista, mas elencou uma série de argumentos pra defender os princípios que regem as traduções do coletivo. Esses argumentos, no meu modo de ver, ficaram sem resposta. Sobre todos os crimes denunciados por Avnery, um judeu fundador do estado de Israel e combatente na guerra de 1948, Kucinski, evidentemente,  não disse nada.

Este post não é pra entrar na pendenga, inclusive porque, à luz da própria entrevista de Kucinski ao Viomundo, não há muito mais o que dizer acerca de suas declarações sobre 1948. Depois de repetir a propaganda oficial israelense de que o fato gerador do exílio palestino foi a invasão de seis exércitos de países árabes que não aceitaram o plano de partilha proposta pela ONU em 1947, Kucinski declara: não conheço Finkelstein nem Pappé. Fazer afirmações sobre o que aconteceu em 1948 para, na frase seguinte, confessar desconhecer Pappé e Finkelstein é como dizer o que foi o futebol paulista nos anos 60 e logo depois declarar não saber quem foram Pelé e Ademir da Guia. É como pontificar sobre o que é a antropologia para, em seguida, declarar desconhecer Franz Boas e Claude Lévi-Strauss. Sobre isso, nada a acrescentar além do baile de argumentos oferecido pelos próprios leitores do Viomundo, em especial por Pedro Germano Leal.

O objetivo aqui é só reforçar uma escolha da equipe de tradutores da Vila Vudu que também é a minha, ao traduzir textos sobre o assunto: formar língua de chegada de tal forma que não se obscureça aquilo que é compreendido por qualquer leitor do original que possua o mínimo contexto. Em particular, há tempos venho me batendo sobre a tradução da palavra settlement, que aparece na mídia brasileira traduzida doce, inofensivamente como assentamentos, assim, sem mais. Eu sempre o traduzi como assentamentos colonizadores. O pessoal da Vila Vudu opta por colônias exclusivas para judeus. Considero a tradução da Vila Vudu melhor que a minha e passarei a adotá-la daqui em diante.

Um brasileiro que leia assentamentos provavelmente pensará em assentamentos rurais (uma das primeiras associações que vêm à mente, claro, é o MST) ou espaços precários e provisórios.

É uma forma de traduzir “literalmente” que esconde, em vez de revelar, o sentido presente no original.

As colônias ilegais israelenses são fortalezas ilegais, brutalmente armadas, exclusivas para judeus, invariavelmente construídas em território mais elevado e fonte de constantes agressões contra palestinos.

Além de serem ilegais segundo a legislação internacional, as colônias exclusivas para judeus na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental são, em grande parte, habitadas por fanáticos religiosos que defendem seu direito sobre a terra com base na Bíblia.

Os colonos ilegalmente situados nessas fortalezas desfrutam de estradas exclusivas, proteção do exército (há uma enorme teia de relações entre os colonos e a hierarquia do exército de ocupação), virtual monopólio sobre a escassa água da região e total impunidade em seus crimes de agressão, assassinato e tortura contra palestinos.

Eles possuem completa liberdade de trânsito em terras palestinas e não são submetidos às humilhações dos postos de controle que picotam todo o território ocupado.

Em alguns lugares, como Hebrom, a construção de colônias sobre as casas e lojas palestinas permite que os colonos, por exemplo, despejem suas fezes e urina sobre os palestinos, obrigando-os a viver enclausurados em lonas protetoras.

A distinção entre “judeu” e “israelense” não se aplica aqui: não há árabes israelenses nos assentamentos colonizadores.

Portanto, nesta polêmica, estou com a Vila Vudu: na próxima vez que encontrar o termo “assentamentos” na mídia brasileira, lembre-se de perguntar ao seu jornal ou revista favorita o que a palavra revela e o que ela esconde.


Idelber Avelar é colunista da “Revista Fórum  - Outro mundo em debate”.
Professor of Spanish and Portuguese
Tulane University
New Orleans, LA 70118

Texto enviado pelo autor e publicado inicialmente na Revista Fórum

2 comentários:

  1. O fato ´e que os judeus colonizadores são incentivados pelo governo e pelos rabinos.
    .
    E não há a minima intenção de permitir um estado Palestino, nunca houve...
    .
    Retirado de um texto 'religioso'/sionista:
    .
    A MITSVÁ DE MORAR
    EM ERETS ISRAEL

    .
    CITAÇÕES CURTAS SOBRE A MITSVÁ DE MORAR EM ERETS ISRAEL

    “Morar em Erets Israel equivale a todas mitsvot da Torá” (Sifrei, Parashat Tosefta Avodá

    Zará 5)

    .
    A MITSVÁ: VENHA E POSSUA A TERRA

    É uma mitsvá se estabelecer em Erets Israel e morar lá, como está escrito: “... Você os expelirá e

    morará na sua terra.” (Devarim 12, 29) (Sifrei)

    .

    Nossos sábios disseram (Talmud Yerushalaim, Sotá 8:4) a respeito de alguém que volta do front

    porque construiu uma casa nova e não morou nela: [“E os oficiais dirão às pessoas: “Qual homem

    construiu uma casa nova e não a inaugurou? Deixe-o ir e retornar à sua casa para que não morra

    na batalha...” (Devarim 20:5)] Eu poderia pensar que alguém que construiu uma casa nova fora de

    Erets Israel deveria voltar do front. Diz, então, “E não começou a morar nela” (Deuteronômio

    20:5). O versículo se refere a alguém para quem morar nela é uma mitsvá, e exclui todos os outros.

    .

    O Sefer Chareidim (Mitsvot Asei Ha Teluyot B’Erets Israel, capítulo 1, seção 15) declara: “Há

    um mandamento bíblico positivo de morar em Erets Israel, conforme estabelece, você a possuirá

    e habitará nela” (Devarim 17:14, 26:1)

    .
    O RAMBAN A ENUMERA COMO UMA DAS 613 MITSVOT

    O Ramban discute tal obrigação detalhadamente no Sefer Ha mitsvot. “Fomos ordenados a tomar

    posse da terra que D’us deu a nossos antepassados, Avraham, Yitschac e Yaacov. Somos

    proibidos de deixá-la para outros ou desolada, conforme D’us lhes disse: “E vocês tomarão posse

    da terra, porque eu dei a terra para que vocês a possuíssem. E vocês colonizarão a terra que eu

    prometi a seus pais...”

    .
    “Não podemos ceder a terra a qualquer nação em qualquer momento do tempo. Caso alguma

    nação fuja da terra... somos ordenados a conquistar aquelas cidades e nelas assentar nossas tribos.

    De fato, após termos exterminado as outras nações, se nossas tribos desejarem abandonar a terra e

    ir conquistar outras terras, elas não têm permissão para tal. Isso porque fomos ordenados a

    conquistar a terra e habitar nela, e isso se aplica ao longo das gerações.

    .
    COLONIZAR ERETS ISRAEL É UMA MITSVÁ QUE ABRANGE TODA A TORÁ

    Colonizar Erets Israel é uma mitsvá que abrange toda a Torá, porque todo aquele que caminha

    quatro amot (cúbitos) sobre ela tem uma porção no mundo vindouro, que é todo vida.

    Or haChayim Devarim 30:20

    .
    Colonizar Erets Israel é uma mitsvá por si, a medida que percebemos quanto nossos rabis

    insistiram acerca da mitsvá de colonizar Erets Israel.

    Or haChayim Ketubot 111, Devarim 26:1

    .
    “Você não sabe? Você não ouviu? A beleza, a glória e a grandeza da mitsvá de fortalecer a

    colonização em Erets Israel, pois esta é uma grande mitsvá: despertar o velho amor e o desejo

    pela Terra Santa e renovar o amor como nos dias antigos, de modo que o amor arda como

    labaredas de fogo.”

    (O Alter Rebe citado no Sefer Mishnat Yoel)


    .
    “Não há Torá entre os goyim. Disso aprendemos que a Torá está em Erets Israel.” (Sifre, Ree)

    .
    FONTE:
    http://israel613.com/books/ERETZ_BOOK_PORT.pdf

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  2. Inclusive o texto, provavelmente escrito por rabinos/sionistas, fala claramente em colonizar e expulsar.

    Nada a ver com assentamentos...

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