1/10/2011, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline
US gets through to the Haqqani clan, finnaly
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Entreouvido na Vila Vudu:
O que se lê aqui, abaixo, são os chamados FATOS, na melhor forma que os fatos podem ter: carregados de opinião, de desejo e de ‘lado’.
Fatos assim são sempre gratuitos: com a internet, basta colhê-los e distribuí-los, tudo de graça. O que o Grupo GAFE (Globo-Abril-Folha-Estadão) e vários blogs jornalísticos de repetição, no Brasil e em todo o mundo, noticiaram e noticiarão sobre esse caso – todos SEMPRE E SÓ repetindo matéria das agências internacionais [1] – é jornalismo.
E jornalismo nada tem a ver com fato.
O fato é vida em movimento. O jornalismo é necessariamente empresa. Empresa visa ao lucro sempre e necessariamente. Empresa, lucro e fato são materiais imissíveis.
O fato é gratuito, aparece sempre em diferentes versões e é preciso conhecer muuuuitas versões, para que se construa (cada um a sua) informação relevante.
O jornalismo é trabalho comprado dos jornalistas empregados, vendido a leitores-telespectadores pagantes e existe para gerar mais-valia aos empresários proprietários. Por isso, é feito para repetir muitas vezes só umas poucas versões de tudo.
O jornalismo é necessariamente viciado e vicioso.
Quem precisa de jornalismo (além dos próprios empresários e jornalistas, que fazem do jornalismo meio de vida)?!
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O presidente Barack Obama pisou pela primeira vez na linha pedregosa das relações EUA-Paquistão, com alguma diplomacia pessoal. Injetou ali uma fórmula para “salvar-a-própria-cara”, falando dos alegados vínculos que haveria entre o Paquistão e a rede Haqqani em tom de ambiguidade estratégica, o que recoloca Washington em posição de voltar a conversar com Islamabad.
O mantra agora, é que a inteligência dos EUA não tem tanta certeza quanto o ex-comandante do estado-maior das forças armados, almirante Mike Mullen, de que haveria algum vínculo entre o Paquistão e a rede Haqqani. “A inteligência ainda não está tão clara quanto nós [os EUA] gostaríamos que estivesse sobre que tipo de relação há [entre o Paquistão e os Haqqani]” [2]. Brilhante! Obama continuou: “Mas minha posição é que, haja ou não engajamento ativo dos paquistaneses com os Haqqani, ou se o Paquistão apenas os deixa operar livremente (...), eles é que terão de tratar desse problema.”
O ponto crucial é que Obama falou ontem, 6ª-feira, já sabendo perfeitamente que os EUA afinal conseguiram estabelecer contato com os Haqqanis há três dias, na 3ª-feira. Agora já se sabe que os EUA chegaram a Haji Mali Khan na 3ª-feira. HMK não é um qualquer, só mais um tio de Sirajuddin Haqqani. É reconhecido por gente que sabe do que fala como o CÉREBRO [maiúsculas no original] da rede Haqqani, o homem que comanda as operações. A declaração da OTAN acerta num ponto: HMK é o “reverenciado líder” do clã Haqqani.
A parte mais fascinante, é que HMK, na prática, entregou-se. HMK é agora o intermediário entre os EUA e Siraj.
O enigma está em saber se os paquistaneses arranjaram essa falsa prisão de HMK, ou se o plano partiu dos Haqqanis, que podem ter visto aí um meio para fazer contato direto com os EUA. O mais provável é que tenha havido uma combinação das duas coisas, o que explica por que Obama apareceu pessoalmente em cena, com palavras de conciliação dirigidas ao Paquistão.
Meu palpite é que a visita repentina do chefe do serviço secreto do Paquistão (ISI) Shuja Pasha ao quartel-general da CIA, na 3ª-feira, tenha tido outro objetivo além de olharem-se todos eles, olhos nos olhos. Especialistas têm repetido que Pasha fez mais do que falar sem papas na língua a David Petraeus. Mas... seria preciso ir até Langley, só para isso? Hmm…
Engraçado também que o presidente do Paquistão Asif Zardari tenha corrido a responder à abertura de Obama, clamando por urgente diálogo. Claro que, quando rascunhava a coluna que o Washington Post publicou [3], Zardari também já sabia o que Obama sabia e só nós não sabíamos – ou seja: que a CIA já estava “dialogando” com HMK.
O caleidoscópio mudou de configuração. Hamid Karzai está numa sinuca de bico. Sabe que, sempre que EUA e Paquistão alinham-se, ele passa a ser fator descartável. No cenário que se vai configurando, Karzai sabe que sua melhor chance está em fazer-se de “estraga festa”. Afinal, ele é presidente do Afeganistão e seu imprimatur é indispensável para qualquer encenação-folha-de-parreira denominada “processo de paz liderado pelo Afeganistão”, sem o qual EUA e Paquistão ficarão paralisados.
Karzai já anunciou que já não lhe interessa reconciliar-se com os Talibã; e Kabul já disse publicamente que o assassinato de Burhanuddin Rabbani foi planejado no Paquistão. Desnecessário dizer que, isso, Karzai só fez no sábado, um dia depois da fala de Obama. E, sim, Karzai também já sabia o que nós só ficamos sabendo ontem, isto é, que HMK já estava em conversações com os EUA desde a 3ª-feira.
Karzai ainda pode encontrar um aliado natural: os líderes da velha Aliança do Norte, que também temem qualquer acerto entre EUA e Paquistão. Na próxima semana, Karzai visitará New Delhi. Essa visita vai ficando mais interessante de observar, a cada momento.
Notas dos tradutores
[1] TODO o grupo GAFE (Globo, Abril, Folha de SP, Estadão) publicou a mesma notícia, igualzinha, pura repetição de matéria distribuída pelas (sempre as mesmas) agências. Quem duvidar que comprove (e basta completar a pesquisa porque, por aqui na Vila Vudu, temos coisa melhor a fazer):
Há melhores fatos, por exemplo, em: “Depois de muito som e fúria sobre “terroristas”, os EUA falam fino com o Paquistão” [em inglês].
[2] Matéria da Associated Press, por exemplo, em Obama won’t back Mullen’s claim on Pakintan (em inglês).
[3] 30/9/2011, “Talk to, not at, Pakistan” [Fale com o Paquistão, não para o Paquistão], Asif Ali Zardari, Washington Post, (em inglês).
Embaixador *MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Asia Online. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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