terça-feira, 4 de outubro de 2011

EUA insistem no caminho errado

Ramzy Baroud

4/10/2011, Ramzy Baroud, Asia Times Online  
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

O embaixador dos EUA na Síria Robert Ford é embaixador esquisito. Aparece sem ser convidado e sem se fazer anunciar nos lugares mais “quentes” do país. Às vezes é bem recebido, com graus variados de entusiasmo; às vezes, com irritação; às vezes, com fúria. 

Quando apareceu em grande estilo na cidade de Hama em julho, há notícias de que foi recebido com flores. Mas, quando apareceu na casa de um figurão da oposição em Damasco, dia 29/9, recebeu uma saraivada de tomatadas e pedradas, aplicada por manifestantes furiosos. 

Todos sabemos – e há vários telegramas de WikiLeaks que o provam – que os diplomatas dos EUA não agem independentemente e nada fazem que não sejam mandados fazer pelo principal órgão da política externa de Washington, o Departamento de Estado. Pode-se pressupor, portanto, sem medo de errar, que as ditas “visitas de solidariedade” que Ford anda fazendo pela Síria não são organizadas para seduzir a opinião pública da Síria. Todos também conhecemos bem o que os sírios pensam e sentem sobre a política externa dos EUA na Região. 

Escrevendo na página Gallup na internet, dia 25/6/2009, Steve Crabtree descreveu a decisão do governo de Barack Obama de enviar embaixador norte-americano à Síria (o primeiro, em seis anos), como “importante sinal de que o governo procura melhorar as relações entre os dois países”. Um dos objetivos não declarados foi “fazer frente ao sentimento de antiamericanismo que se alastra entre os sírios” em Ambassador to Syria Will Face Negative Views of U.S.  
Em pesquisa de março de 2009, quase 2/3 dos sírios (64%) tinham opinião desfavorável dos EUA; e número ainda superior (71%) desaprovavam a liderança dos EUA no Oriente Médio. Pode-se dizer que são opiniões explicáveis, se se considera a história das políticas dos EUA para a Síria e o nenhum apoio aos clamores dos sírios, que há muito tempo exigem democracia e reformas. 

Ao longo da década seguinte, se não há ainda mais tempo, os sírios assistiram ao processo pelo qual as políticas dos EUA destruíram dois países vizinhos – Iraque e Líbano. Já, de fato, há várias décadas, os sírios assistem também ao apoio irrestrito que os EUA dão à ocupação da Palestina por Israel. Mas o Congresso dos EUA atacar a Síria e as tentativas de golpe para “derrotar” Damasco, de modo a proteger a ocupação israelense na Palestina, são coisas muito diferentes. 

Poucos, na Síria, ainda creem que os interesses dos manifestantes que ocupam as ruas tenham alguma importância para os EUA e suas políticas. 

Fato é que, até agora, a Síria está conseguindo sobreviver ao frenesi de troca de regimes que colheu de surpresa as elites norte-americanas em Washington, depois daquela “história de sucesso” dos EUA no Iraque. Essa sobrevivência foi facilitada por duas condições. Primeiro, pela forte resistência no Iraque depois da invasão dos EUA, que frustrou a agenda de longo prazo dos EUA para aquele país. Em segundo lugar, pelo número de concessões feitas pelo governo de Bashar al-Assad, que se saiu bem, no papel que lhe coube na chamada “guerra ao terror”. 

Os amigos de Israel nos EUA – no governo, nos think-tanks e na imprensa-empresa – ficaram visivelmente frustrados ante a evidência de que os EUA estão hoje obrigados a negociar algum tipo de acordo na Síria. É o contrário de tudo que pensam e desejam neoconservadores como Richard Perle, Douglas Feith, David Wurmser e outros. Quando os neoconservadores sentiam-se prontos para passar para uma nova fase – que implicaria mais do que simplesmente ‘conter a Síria’ –, as circunstância mudaram; e já ninguém pode falar da velha política “de contenção”. A Síria converteu-se em guardiã da resistência árabe, mantendo em paz a fronteira com Israel (de fato, as colinas sírias de Golan que Israel continua a ocupar). 

Em março, o povo sírio começou o levante por direitos que lhes são negados há muito tempo. O regime respondeu com o único método que conhece bem: a mais total brutalidade, combinada com falsas promessas de mudança e reformas. O mundo nada fez; e apenas assistiu, enquanto sírios eram assassinados aos magotes. Mas, então, alguns grupos da genuína oposição síria organizaram-se para efetivamente dar voz aos sírios. E outros também se organizaram, embora suas razões sejam menos claras e menos legítimas. 

“O Departamento de Estado financiou secretamente grupos de oposição na Síria e seus projetos, inclusive a criação de um canal de televisão exclusivamente para divulgar programação contra o governo, segundo telegramas diplomáticos” – noticiou o Washington Post, dia 17/4/2011. Os telegramas foram divulgados por WikiLeaks; assim, o mundo conheceu o programa, coordenado e financiado pelo governo George W Bush, que prosseguiu, inalterado, no governo de Obama. 

“Os dólares dos EUA para figuras da oposição começaram a chegar à Síria ainda durante o governo do presidente George W Bush, depois de os EUA terem oficialmente “congelado” suas relações políticas com Damasco, em 2005” – segundo o Post em U.S. secretly backed Syrian opposition groups, cables released by WikiLealks show.
  
A verdade é que, no momento em que Obama nomeava embaixador para a Síria, em janeiro, fingindo que ali começariam novos tempos e que seu governo nada teria a ver com as políticas de Bush, o mesmo governo Obama continuava, secretamente, a apoiar e financiar grupos e figuras da oposição na Síria. 

Os EUA ainda insistem nas mesmas políticas fracassadas do passado, mas esperam obter resultados diferentes, a cada repetição. Promover uma oposição no Iraque, para ajudar a destruir o país (depois de os EUA invadirem, em 2003), parece ser o modelo que, agora, os EUA estão usando na Síria. Certo como o sol nascerá amanhã, essa política fracassará outra vez. 

Os EUA também comandam o ataque contra a Síria na ONU, mais uma vez tentando cooptar o Conselho de Segurança para que imponha sanções paralisantes contra Damasco. Essas sanções já são sentidas nas ruas da Síria, mas não entre as elites – característica sempre presente nas sanções que os EUA impõem ao mundo; sempre foi assim, ao longo da história. Os preços dos alimentos básicos já chegam à estratosfera e nada indica que a tendência mude. 

O envolvimento dos EUA na Síria é o segundo mais grave perigo que ronda o levante popular sírio (o primeiro, claro, é a violência do regime). Sanções e ameaças converterão o conflito sírio em mais uma luta entre os EUA e um regime árabe, e, como nos demais conflitos, também contra um legítimo levante popular – uma revolução, pode-se dizer – em que o povo sírio luta por seus direitos e pelo futuro de seu país; e luta contra os EUA. 

Robert Ford é mero operador de mais uma política norte-americana fracassada. A insistência com que tenta sequestrar a cena diplomática no país lhe dará alguns minutos de fama midiática e talvez lhe renda contrato para publicar um livro. Mas, hoje, é só uma ameaça a mais, que pesa sobre o levante do povo da Síria – que só triunfará se conseguir manter-se longe dos planos do EUA. 

No longo prazo, os EUA – economicamente falidos e militarmente exigidos já muito além de suas reais capacidades – não conseguirão influenciar efetivamente a paisagem política na Síria – nem em ponto algum do Oriente Médio. O futuro do povo sírio será decidido e determinado, dessa vez, pelo povo sírio.

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