Artur Rosa Teixeira |
Por *Artur Rosa Teixeira - Ponta Delgada, 02 de Outubro de 2011
Estamos como os homens da Caverna de Platão, que confundiam sombras fantasmagóricas com a realidade… Tais sombras, projectadas numa parede, eram manipuladas por quem os queria ignorantes a respeito da sua vil condição.
Nascidos e criados ali, não conheciam outra coisa se não o ambiente confinado e lúgubre da gruta. Até que um dia, um deles, talvez cansado de ouvir e ver sempre a mesma coisa, se aventurou sair dali para descobrir o que se passava com aquela luz intensa que penetrava na caverna por uma fresta faiscando por pouco tempo e depois sumia…
Saiu e logo descobriu um espaço aberto e arejado, com uma luminária radiosa, o Sol, que iluminava tudo e a todos… Regressou à caverna e relatou aos seus companheiros a verdade que descobrira. Não só não acreditaram nele, acusando-o de louco, como o ameaçaram de morte.
Assim estamos nós… no que se refere à inevitabilidade da acção deletéria dos mercados e dos seus agentes que todos os dias nos bombardeiam com notícias contraditórias e argumentos falaciosos, na tentativa de estabelecer a confusão e manter a ignorância sobre o que verdadeiramente está por trás dos sacrifícios que impiedosamente nos são exigidos. Julgam tais escribas e falastrões de serviço que o público é acéfalo e não é capaz senão de discutir coisas comezinhas, como o futebol, as telenovelas, e pouco mais…
Nesta crise, que é claramente instrumental, raramente temos observado economistas e políticos que desabridamente contestem os limites à Despesa Pública “acordados” nos bastidores da União Europeia. São aceites como dogmas e o debate faz-se em torno sobretudo da necessidade “imperiosa” de os cumprir, sob pena de perdermos a confiança dos mercados, sempre estes…
Gostaríamos de saber em que critérios da Ciência Económica se fundamentam. Porquê foi escolhido um défice máximo 3% do PIB e uma taxa máxima de 60% do PIB para a Despesa Pública e porque não outros limites menos drásticos, sobretudo quando as Economias mais fortes da Zona Euro não os cumprem? Porquê? A França, por exemplo, tem um passivo de 81% do PIB, 21 pontos percentuais acima daquele limite, e a Alemanha, 80%, 20 pontos. E a “premier” alemã, Angela Merkel, tem a lata de sugerir que os países incumpridores que paguem com soberania… Alguém pode-nos explicar? Parece-nos, pois pouco inteligente da parte dos nossos governantes a aceitação irrestrita de tais limites. Mais ainda, num período de recessão económica.
Os limites à Despesa Pública têm como referencial o PIB (Produto Interno Bruto), que, em termos simples, é o somatório da facturação anual de um País. Acontece que há uma parcela significativa da Economia, a chamada informal, que não entra nesse cálculo e não entra porque corresponde a trocas comerciais sem qualquer registo documental (Recibo ou Venda a Dinheiro), sobre as quais o IVA não é cobrado.
A montante desse comércio subterrâneo o Estado continua a perder receitas em sede do IRC e do IRS.
Esta Economia Clandestina representa actualmente cerca de 23% da Economia Global. Com as medidas de austeridade, que quase todos os dias são anunciadas, entre elas, o aumento do IVA, é provável que aquela percentagem tenda a aumentar. Acresce o facto que grande parte da população portuguesa fronteiriça, numa faixa de cerca de 70 km , prefere fazer as suas compras domésticas na Espanha, onde o IVA é mais baixo.
Por outro lado, com a curva do Crescimento Económico a roçar valores negativos, devido sobretudo à Crise Financeira, que tem vindo a refrear o consumo e a produção, as Receitas Fiscais sofrem por essa via, também, uma forte redução.
A Despesa Pública, pelo contrário, tende a subir. E sobe, por que os custos sociais, além das despesas fixas de Administração, aumentam. E quanto mais desempregados e pobres existirem, mais o Estado terá que desembolsar.
Por seu turno, para atender a compromissos com terceiros, nomeadamente com fornecedores de bens e serviço, o Estado, à falta de receitas fiscais, tem que se socorrer do financiamento de terceiros. Neste momento, já se pede dinheiro emprestado para pagar juros vencidos. E fá-lo, porque não pode emitir moeda nem vender as reservas de ouro.
Mais duas limitações, impostas por Bruxelas, que os nossos sábios governantes… deram cobertura. Acresce o pagamento de rendas das PPP, a cobertura dos défices das Empresas Públicas, os subsídios às Fundações, cujos custos, na maioria dos casos, resultam de contratos feitos à medida para gerar prebendas para o Clientelismo Partidário, os chamados boys e os empresários amiguinhos.
Somam-se à Dívida Pública, as dívidas das empresas e das famílias, a chamada “Divida Soberana”, jargão que é justificado pela existência do Euro, uma moeda alienígena.
Como Portugal tem uma Balança Comercial de saldo negativo, desde logo por causa da importação de crude e de bens alimentares, de que depende em cerca de 80%, tem uma Balança Monetária, se assim se pode falar, também negativa, ou seja, sai mais dinheiro do que entra.
Em resultado deste défice que provoca a escassez de dinheiro em circulação, o sistema bancário português tem que se financiar junto do BCE, banco emissor, para atender às necessidades de crédito do Estado, das empresas e das famílias.
Claro que este problema existe porque Portugal tem uma Economia endemicamente débil, que não gera suficientes recursos para o seu Desenvolvimento. E com a adesão à moeda única perdeu a sua autonomia financeira. Presta-se pois a tornar-se num Estado pária no seu da União Europeia, se já não o é.
À parte o despesismo, é preciso que se diga que o “gato não vai às filhoses” por um Estado ter passivos. Se estes, por exemplo, servirem para alavancar a Economia, aplicar numa infra-estrutura útil, é com certeza um acto administrativo politicamente correcto. Qualquer empresa privada o faz, ou seja, prefere recorrer ao crédito para aquisição de um equipamento do que utilizar capitais próprios, se isso, claro, for mais vantajoso. Tudo depende dos montantes e dos juros a pagar. Os bancos, porque o seu negócio é emprestar dinheiro, só precisam de garantias…
Ora um Estado não é uma empresa. É muito mais do que isso. Um país não tem apenas património material, petróleo, diamantes, etc, há todo um outro património, imaterial, de valor inestimável. E Portugal tem-no de facto.
Desde logo tem Capital Humano, que devidamente valorizado e aplicado muito pode fazer.
Infelizmente estamos a desperdiça-lo… uma vez que a Economia não gera suficiente oportunidades de investimento e de oferta de emprego.
Segue-se o seu clima ameno, que tem abundância de dias de Sol, um dos melhores da Europa, propiciador de actividades lúdicas e de lazer, favoráveis ao Turismo.
Por último, tem uma posição geoestratégica apreciável do ponto de vista comercial, por onde passam importantes rotas do comércio internacional. Por outro lado, Portugal, graças à sua costa continental e aos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, detém uma das maiores superfícies de mar do mundo, correspondendo a cerca de 37 vezes o seu território.
No fundo marítimo desta extensa ZEE (Zona Económica Exclusiva) existem reservas de Petróleo e de metais nobres. Falta a tecnologia para explorá-los. Portanto o país não é assim tão pobre como o pintam. Pobres são alguns dos nossos governantes que não têm um Projecto Nacional. Estão no poder não para servir o país, mas para se servirem dele e servir a sua clientela partidária. E o pior de tudo, permitiram que o Agiotismo Internacional pusesse o pé em Portugal.
Cremos que os Agiotas Internacionais estão de “olho grande” nessa riqueza. “Ninguém mete prego sem estopa”… Por hora estão na fase de desdenhar para comprar e comprar barato… a começar pelos activos do Estado, que são de todos nós. E ao fazê-lo, estão obviamente a valorizar o seu Capital, como faz qualquer bom negociador.
Os limites espartanos à Despesa Pública têm como objectivo soberano proteger o Euro.
O BCE, como banco emissor, segue uma política monetária muito rígida quanto à emissão de moeda. Ao fazê-lo, espera prevenir a inflação, porém prejudica, e de que maneira, os Estados Membros de economia mais débil, como é o caso de Portugal, que tem uma Balança Comercial endemicamente deficitária. Para a Alemanha e a França, pelo contrário, é uma vantagem. As matérias-primas para a sua indústria ficam mais baratas e podem, apesar de uma divisa forte, manter um fluxo comercial vantajoso dentro da Zona do Euro, nomeadamente com Portugal. Iríamos bem se as economias dos estados membros fossem equivalentes, mas não são. Não eram à partida e no caso português permitiu-se destruir Capital Fixo, o que tornou a Economia Nacional ainda mais vulnerável. E isso se fez antes da adesão à moeda única.
Hoje pode-se dizer que os Fundos da CEE, independentemente dos desvios e da corrupção, serviram precisamente para o país ficar na mão das Economias mais fortes da Europa e agora, na dos Agiotas Internacionais.
Não são apenas as Economias mais fortes da União Europeia que beneficiam com uma divisa forte. Todos os activos expressos nessa moeda, inclusive os que apenas existem electronicamente, se mantém valorizados, praticamente incólumes à Crise Financeira, quando o que seria aconselhável era a sua desvalorização, face ao fraquíssimo crescimento da Economia na Zona Euro. Tal, como é óbvio, serve bem os investidores financeiros especulativos, porém prejudica imenso as forças do Trabalho dos países com maior dependência de financiamento, inclusive para pagar juros e dívidas vencidas.
O Resgate Financeiro da Troika é apresentado como um grande favor que se faz a Portugal.
Nada, mais falacioso…
Trata-se na verdade do contrário. Trata-se de exigir aos portugueses uma contribuição compulsiva para ajudar à recomposição de activos perdidos pelo Capital Financeiro Internacional, devido à toxidade dos derivativos que este criou e especulou até à estratosfera e que levou à falência de algumas das suas maiores casas bancárias.
Os ideológos ao serviço deste capital espúrio conseguem até convencer o povo simples que a culpa da Crise é sua e por isso deve aceitar sacrifícios crescentes. Voltou a política do come e cala… Vamos ver até quando…
Eis a armadilha em que nos deixámos cair…
*Artur Rosa Teixeira é um aposentado português indignado
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