Raul no portão de casa |
Raul
Longo
Impressionante
a agilidade desses nossos tempos informáticos.
Lembro-me
das enormes dificuldades de 2 décadas atrás, quando ninguém possuía um útil e
prático PC em casa. Muito menos eu,
claro.
Morava
em Ubatuba e de repente me surge a solução para problema típico de quem vive em
cidade litorânea e tem de alugar outra moradia a cada véspera de temporada, por
exigência de senhorios com natural maior interesse em locações aos turistas que
em uma semana rendem mais do que todo um mês de aluguel
convencional.
Mas
como levantar o dinheiro para o sinal de entrada do contrato de compra do
terreno onde construiria minha futura casa? Eram tempos bicudos de fim de
governo Sarney e início do de Collor de Melo. O jeito foi recorrer ao Banco do
Brasil, onde tinha conta. Telefono.
-
Alô! Quem está falando? Oi Hélio! Deixa eu falar com o
Douglas.
Meio
que cochichando como se entre uma conspiração ou revelação de segredo nacional,
Hélio explica que o banco está fechado e o o gerente não vai poder
atender.
Era
uma segunda-feira e primeiro dia do primeiro governo eleito desde 1964. Imaginei
mais um golpe à nem bem reinstaurada democracia brasileira. De certa forma, sim,
mas para verificar tive de pegar minha bicicleta (então e ainda hoje o veículo
mais popular em Ubatuba) e ir até o centro da cidade. Na porta do BB pessoas tão
assustadas quanto eu. Através do vidro da agência, acenei ao Douglas que, vindo
de lá, entreabriu e perguntei pela fresta o que havia
ocorrido.
-
É o novo governo. Já entrou inventando novidade. Mas amanhã
reabre.
Resumi
a urgência de meu problema que teria de ser resolvido naquele dia e não
pestanejou:
-
Manda ver. Passa o cheque e depois a gente resolve.
Eu
hein! E os juros? O novo governo? A instabilidade financeira do
país?
-
Solta essa porra desse cheque! Você é cliente há mais de 5 anos e eu confio,
o banco confia. Se der merda e não puder pagar, paga com o terreno mesmo que pro
banco é negócio. Mas não se preocupe que você não vai perder nada.
Garanto.
Então
eu não confiava nem no Banco nem no Brasil daquela época, mas já que o Douglas
garantiu meti as caras e nunca mais tive de ficar me transferindo de casa em
casa a cada final de ano até me mudar para Florianópolis, transferindo minhas
contas bancárias como a do Itaú de que sou cliente desde aqueles morosos e
desinformatizados antanhos de 1994, conforme se especifica nas folhas de meu
talão de cheques.
Mas
agora é outra coisa! Vivemos a era da informática. Tudo mais simples e rápido.
Ágil!
E
a segurança? Não dependo mais da palavra de um Douglas qualquer. Tenho um cartão
e sua senha para garantir meu sigilo bancário, afinal não sou político nem me
envolvo em transações escusas de offshores como as da família Serra,
descritas pelo Amaury Ribeiro Jr. no best-seller “A Privataria
Tucana”.
Tudo
ficou muito mais fácil. É só consultar por um desses programas de navegação e
sem sair de casa sei de meu saldo, faço cópias de meu extrato e milhares de
outras transações, bastando, tão somente, decorar a senha do meu
cartão.
Quer
dizer... Na internet ou no telefone, preciso também de minha senha
eletrônica.
Para
eficientizar e maximizar a segurança,
agora também tenho de manter a mão o i-token.
O
anacrônico leitor ainda não sabe o que é i-token? Explico: trata-se de um
chaveirinho digital onde magicamente duas casas de centenas numéricas se
substituem de minuto a minuto.
Pegou
a mancada? Só eu e o Itaú sabemos quais os dígitos que neste exato minuto surge
no visor do meu i-token. Este sigilo
nem a Verônica Serra consegue quebrar.
Seguríssimo!
Além de ágil, eficiente como tudo nessa era da informatização. E contra qualquer
especulação que não seja do interesse da filha do futuro prefeito dos
paulistanos.
Mas
eis que, se não quando, entra na história minha amiga, escritora e editora Urda
Klueger. Bandida da Urda me passa os dados de sua conta na Caixa Econômica
Federal, para que eu lhe pague uma dívida. Nada como aqueles 30 mil cruzados
novos que no Plano Collor tornaram a ser Cruzeiros e hoje estariam aí por volta
de meio milhão de reais, ainda que então com valor de compra pela metade e que
no máximo se reverteu num terreno de 10 de frente por 25 metros de fundo.
Trata-se apenas de uma graninha, mas faz falta à amiga como a qualquer tonto que
se meta a escritor do país do Big
Brother global.
Maldita
a hora que contraí a dívida com a Urda, pois às 9 horas da manhã, ao tentar
pagá-la de minha casa pelo Itaú bankline, surge um aviso na tela do
monitor informando que o CNPJ de sua editora Hemisfério Sul não
confere.
Como
que não confere? Será que digitei errado? Digito novamente e novamente não
confere.
Faço
um interurbano para a Urda que afirma que sua inscrição no Ministério da Fazenda
está em sua frente e o número é exatamente aquele que me informara. Com o tal
mil ao contrário, a dezena final e tudo o mais.
Insisto
e página eletrônica do Itaú online insiste também. Quem vou xingar? A portentosa
informatização do Olavo Setúbal?
Só
posso imaginar que a autora da crônica “Os hippies passaram pela minha cozinha”
ainda está voltando de Woodstock a pé e, em novo interurbano, peço os dados de
sua conta como pessoa física.
Reluta,
reclama pelos transtornos à sua contabilidade, mas não aguenta a pressão e acaba
cedendo.
Volto
ao Itaú bankline com os dados físicos
da Urda. Ou melhor, da pessoa da Urda. Quero dizer, de sua conta
bancária.
Tudo
muito bonitinho, mas então, ao invés de indicar que não confere, a tela pede que
abaixe mais um programa de segurança. O Guardião Itaú 30
horas!
Veem
que maravilha? Nada como ter conta num banco onde se pode contar com um guardião
por 30 horas! Seis horas a mais do que um dia normal! Nem Copérnico seria capaz
de imaginar tamanha sistêmica de seguridade! É a informatização
eletrônica!
Senha
de cartão, senha eletrônica, i-token
e Guardião 30 horas. Sou ou não sou o cliente bancário mais assegurado do
mundo?
Nem
tanto, pois mais uma tempestade se anuncia no horizonte da tela de meu monitor
onde se anuncia a impossibilidade de realizar o “down load” ou seja lá qual for a
ortografia desse arrazoado de termos em inglês que homeopaticamente engolimos
pela informática cotidiana. E o mais interessante é que se o sítio eletrônico do
Itaú avisa que o CNPJ não confere ou que a partir de agora existe um Guardião 30
horas, mas não é capaz de dizer uma palavra sobre a razão da não instalação de
um programa necessário para utilizar os serviços anunciados como disponíveis
pelo mesmo sítio.
Lembrando
do Douglas na fresta da porta do Banco do Brasil no dia em que a Zélia
enriqueceu o Daniel Dantas, mais tarde sócio do José Serra, ao fechar todas as
agências bancárias para garfar as economias da população brasileira; liguei à
gerente de minha agência do Banco Itaú.
-
Não tenho como ajudar. É preciso que o senhor venha até a
agência.
Explico
que a agência fica a cerca de cerca de 40 minutos de meu bairro onde não há
agências bancárias por perto porque pautamo-nos pelo bucolismo. Coisa
anacrônica, é verdade, mas os que moram aqui ainda gostam disso e já que hoje
existe a informática, por que Woodstock não pode aceitar cartão de crédito ou
débito? Nestas bem maiores distância florianopolitanas de tão deficitário
sistema de transporte coletivo, por que não substituir a velha e antiga
bicicleta pelo informático i-token ou
qualquer outro dispositivo?
A
gerente fecha questão e me passa outro número de telefone disponibilizado pelo
Olavo Setúbal para ajudar retardados como eu.
Aí
sim, começa a maratona. Um triátlon ciclístico, a remo e nado, que me afoga em
menus de milhares de opções depois de obrigar-me a digitar sem o menor deslize o
número de minha agência e conta, da senha eletrônica, do i-token, da raiz quadrada de PI elevada
à enésima potência até que, depois de dúzias de opções indicadas por gravação
eletrônica, sou atendido por uma voz humana e real.
Claro
que nestas alturas tive de fazer um esforço cósmico para me conscientizar de que
a moça não tem culpa alguma pelas taxas que o Olavo Setúbal extorque mensalmente
para especular com meu saldo bancário. Só assim a simpática moça do outro lado
da linha pode me fazer compreender que a impossibilidade de instalar o Guardião
30 horas estava no navegador que utilizei: o Google.
Não
é fantástico? Depois de 2 horas alternando entre menus e drop downs,
interurbanos (as ligações ao Itaú Bankfone não se incluem nas tarifas
bancárias) e infinitos dígitos a comprovar que entre 0 e 9 nossa vã informática
não serve para porra alguma, uma inteligência humana é capaz de me informar o
que não funciona!
Mas,
esclarece a esperançosa moça, o Internet Explorer
funciona.
-
O senhor tem o Internet Explorer no seu computador?
Tenho
minha deusa! Tenho tudo o que você quiser. Casa, cama, comida e roupa lavada! Só
não me abandone nessa hora e aguarde na linha enquanto verifico se agora
realmente vai funcionar. Canto até uma música do Chico Buarque pra te distrair
nesse meio tempo.
Mesmo
com tanto dengo, depois de conseguir instalar o programa, a agilidade
informática volta a me comunicar que o tal CNPJ continua não conferindo.
Mais
uma vez sou salvo pela fada madrinha que, enfim, desfaz o feitiço da cor abobora
da página do Itaú bankline esclarecendo que para fazer um DOC de R$ 200,00 (não
20 milhões que somariam aos bilhões internalizados com tanta agilidade pelas
offshores da quadrilha do Serra) eu precisaria primeiro cadastrar os
dados da conta da Urda num dos tantos links do menu da mesma página pela qual
eu quis agilizar meu dia.
Aí,
enfim, deu certo.
Sem
dúvida uma maravilha essa tal da informática! Só falta o Olavo Setúbal treinar
aquela gerente a quem liguei pela primeira vez para dar duas informações. Sem
senhas, dígitos, menus e dow loads. Apenas duas informações:
1
- através de qual navegador se instala os programas do próprio Itaú;
2
- a necessidade de cadastramento prévio da conta para qual se pretende passar um
DOC através de um dos serviços do próprio Itaú.
Apenas
com isso, a era informática teria me beneficiado há cerca de 5 horas atrás, mas
apesar de não ter nada a ver com Woodstock quem está vindo de lá a pé é o Banco
Itaú feito para o Olavo Setúbal que não me indenizará pela manhã perdida.
Ah que
saudade do Douglas!
Cara, que aventura infoaventurabancária a sua, moro em Tatui/Sp, onde nasceu o antepassado desse pessoal donos do seu banco, se trombar com eles por aquí, vou prontamente saber explicar porque faz mais de 20 anos que fechei a conta no banco deles, e agora depois de ler sua infoaventurabancária, estou convencido, não quero mesmo mais ter conta lá. Um abraço. curti bastante.
ResponderExcluirTaí um relato moderno e da hora. Tinha que ser: quando se unem Raul Longo e Urda, se não der casamento, dá literatura.
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