quarta-feira, 18 de abril de 2012

O mundo é finito, não é?


por Tadeusz Patzek [*]

Ontem fiz uma palestra para um grupo de distintos líderes de negócios. Na palestra tentei mostrar que a taxa global de produção de petróleo e das frações leves associadas está num limite máximo de todos os tempos ou num “pico” que, se a escala for muito ampliada, aparece como um “planalto”. Utilizei minhas extensões, já publicadas, da abordagem de King Hubbert para apoiar meus argumentos.
Gráfico desenhado por King Hubbert.

Tive oposição significativa de vários membros da audiência. Os seus argumentos foram os seguintes:

1. King Hubbert tentou tratar da questão de recursos finitos e hoje sabemos que ele estava errado.
2. Apesar de ciclos de Hubbert emergirem para províncias petrolíferas individuais, eles não podem emergir para o mundo todo.
3. Estivemos prevendo o pico da produção global de petróleo desde há muito e ele nunca aconteceu até agora.
4. A tecnologia estará sempre à frente da geologia e, portanto, continuaremos a produzir ainda mais petróleo a cada ano, apenas de lugares diferentes e a preços mais altos.
5. A produção de óleo de xisto nos EUA e alhures e o jogo da substituição tecnológica compensarão os declínios em curso dos reservatórios de petróleo convencional tais como Ghawar, Burgan, Cantarell, Samotlor, Prudhoe Bay e muitos outros.

Eu infringi claramente crenças pessoais profundamente enraizadas em alguns dos membros do meu público e eles ficaram transtornados comigo. Mas os seus argumentos estão no centro do mito nacional nos EUA, o que significa que estou numa pequena e impopular minoria.

Então, como é que alguém convence o povo nos EUA de que a Terra é esférica e finita, que a sua crosta é muito delgada e que os seus recursos fósseis não podem ser produzidos para sempre a taxas arbitrariamente elevadas? Citando meu amigo Dr. Albert A. Bartlett, Professor Emérito de Física na Universidade do Colorado, tal convencimento é uma tarefa árdua.

Estas pessoas acreditam que o crescimento perpétuo é desejável, consequentemente ele deve ser possível e isso possivelmente não pode ser um problema. Ao mesmo tempo ainda há uns poucos remanescentes de pessoas da “terra esférica” que se movem a falar acerca de “limites” e em particular acerca dos limites que estão implícitos na expressão “capacidade biótica” (carrying capacity). Mas limites são embaraçosos, pois conflitam com o conceito de crescimento perpétuo, de modo que há um movimento crescente para abolir o conceito de limites. “The Physics Teacher”, Vol. 34, No. 6, pp. 342-343, 1996.

Deixem-me tentar tratar dos pontos 1-3 acima com o gráfico abaixo. Digitalizei a previsão original de King Hubbert da produção global de petróleo apresentada no seu relatório de 1956 para a Shell Development Co. Sobrepuz a história real da produção mundial de petróleo bruto e das frações leves líquidas associadas em milhões de barris de petróleo por dia (mi.b/d). Ao longo dos últimos 8 anos, esta taxa oscilou em torno dos 72-74 mi. b/d apesar do mundo todo tentar fazer o melhor possível para atender à procura sempre crescente por petróleo.
 

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A previsão de King Hubbert da produção global de petróleo e frações leves revisitada 54 anos depois. Os dados da produção real provém de uma combinação de estatísticas da EIA e de outras fontes para a produção inicial. Parece que Hubbert obteve o momento do planalto (pico) da produção de petróleo quase perfeitamente e saiu fora num fator de dois no nível de produção. Ele não podia ter contado a produção offshore no Mar do Norte, na Nigéria, Angola, Brasil, águas profundas, etc. E ele não tinha qualquer meio para prever as descobertas e a ascensão de Cantarell, Tengiz, Majoon, Samotlor, Zakum, Prudhoe Bay e muitos outros campos de petróleo super-gigantes. A maior parte destes campos super-gigantes já foram descobertos e é cada vez mais improvável que outros mais sejam descobertos no futuro. Os dados de Hubbert nada dizem acerca do impacto da sísmica 3D, de furos desviados, furos horizontais, furos hidrofraturados maciçamente, perfuração no mar em lâminas de água de dois quilômetros, etc. Ainda assim, quase 60 anos atrás, Hubbert afastou-se apenas um fator de dois no nível de produção e acertou perfeitamente acerca do momento do pico. Agora pense-se acerca de uma previsão econômica para todo o mundo que seja boa apenas uns meros 10 anos depois. Se encontrar um, por favor partilhe-a comigo e eu a mencionarei neste blog.

Considerando o incrível impacto que a tecnologia (ponto 4 acima) tem tido sobre a produção de petróleo à escala mundial ao longo dos últimos 60 anos, a previsão de Hubbert é quase um milagre, demonstrando que a soma de variáveis aleatórias não relacionadas (incrementos anuais da produção de petróleo e frações leves líquidas de todos os campos petrolíferos do mundo) com distribuições arbitrárias e variâncias finitas tende a uma [curva] gaussiana, não importa o que digam economistas e outros leigos. Hubbert simplesmente não dispunha de suficientes variáveis aleatórios no seu conjunto de dados, porque estas variáveis ainda estavam no futuro quando ele traçou a sua Figura 22. Nas seis décadas que nos separam, a tecnologia criada por pessoas como eu trouxeram estas novas variáveis aleatórias (campos petrolíferos) à vida e duplicaram a produção resultante, mas não mudaram a localização [temporal] do pico.

O ponto 5 necessita de tratamento cuidadoso, para além do âmbito deste blog elementar. Basicamente, se o gasto energético necessário para produzir um recurso for maior do que a energia proporcionada por aquele recurso, a produção será travada mesmo que os pagamentos sejam em ouro puro. As grandes formações de xistos limosos (mudstone), chamadas erradamente de “xistos”, são muito difíceis de produzir e um bocado de energia deve ser investido para que estas formações produzam energia como petróleo bruto leve. Portanto a nossa capacidade para por a produzir os xistos limosos impermeáveis de baixa qualidade a taxas constantes que recordem os campos de petróleo de alta qualidade como Ghawar ou Cantarell é nula. Ponto. Deixarei o assunto para peritos, como jornalistas, economistas e alunos do quinto ano pintarem, um quadro róseo das novas oportunidades ilimitadas.

Agora deixem-me centrar sobre o meu outro assunto favorito: a demonstração da arrogância cósmica e da ignorância ilimitada de alguns economistas. O meu economista menos favorito, Dr. Julian Simon, é famoso pela sua crença de que não há limites para o crescimento e por “derrotar” o professor Paul Ehrlich na igualmente famosa aposta da mercadoria.

Simon também escreveu o seguinte absurdo, pelo qual se tornou um professor de faculdade e o querido de alguns decisores políticos e think (sic!) tanks:

  • Existe agora tecnologia para produzir em quantidades virtualmente inexauríveis todos os produtos feitos pela natureza – alimentos, petróleo, mesmo pérolas e diamantes...
  • Temos agora nas nossas mãos – realmente nas nossas bibliotecas – a tecnologia para alimentar, vestir e fornecer energia para uma população sempre crescente durante o próximo 7 bilhões de anos...
  • Mesmo que nenhum novo conhecimento fosse alguma adquirido ... seríamos capazes de avançar aumentando a nossa população para sempre...

Como observou secamente o Prof. Bartlett, mesmo que Simon se desviasse num fator de 1000 (economistas habitualmente desviam-se um bocado) na sua estimativa da duração da expansão futura da humanidade (7 milhões e não 7 bilhões de anos) e a humanidade crescesse apenas 1 por cento ao ano, o número de humanos seria excedido por 10 à potência 30410. Acontece que a previsão de Simon do número de humanos suportados pela tecnologia e pela ciência econômica é 1 seguido por 30.000 vezes maior (como em 1.000.000.000.000.000.000.000.000...) do que o número de átomos do Universo. Como lhe parece agora o fator 2 de Hubbert?

Meu outro favorito de todos os tempos é uma previsão de três de Irving Fisher, professor de teoria econômica de Yale, que em 21/Outubro/1929 declarou:

“As ações alcançaram o que aparenta ser um patamar permanentemente alto”.

Três dias depois, a Quinta-Feira Negra introduziu os Estados Unidos na Grande Depressão. Recentemente, outro economista gênio de Princeton declarou que o petróleo era irrelevante para economias modernas.

O meu primeiro encontro pessoal com a previsão econômica de alto nível foi na Shell. A Shell pagou uma fortuna à Goldman Sachs, Chase Manhattan Bank, Deutsche Bank e uma dúzia de outras organizações para previsões do preço do petróleo bruto abarcando um espaço de tempo de 1 a 30 anos. A Shell ficou muito feliz com estas previsões, até que nós a pusemos todas junto num gráfico, com vários anos de pontos de partida. Todo os zigzags começariam tangencialmente no último segmento de dados reais e então perder-se-iam em todas as direções cobrindo literalmente toda a página como spaghetti confuso, com os preços finais previsto indo desde US$5 por barril a US$300 por barril. Concluímos que estas suposições econômicas muito caras não tinham capacidade preditiva e estabelecemos um preço de petróleo constantemente baixo para o planejamento do negócio. Desde 1985, aquela suposição bruta da engenharia foi boa durante quase 20 anos e nada custou.

Temo pensar o que possa ser a consequência imediata de tal arrogância. A Deusa sem misericórdia de Rhamnous, Nêmeses, ou o o próprio Zeus podem ficar irados:

Vê tu como Deus atinge sempre os maiores animais com o seu raio, e não lhes permite fazerem discursos insolentes, ao passo que aqueles de menor vulto não o irritam? Como da mesma forma seus raios caem sempre sobre as casas mais altas e as maiores árvores? Portanto, Ele manifestamente gosta de deitar abaixo todo aquele que se exalta a si próprio. Assim, muitas vezes um exército poderoso é derrotado por uns poucos homens, quando Deus nos seus ciúmes envia o medo ou a tempestade do céu e eles perecem de uma maneira indigna de si. Pois Deus não permite a ninguém ter pensamentos elevados, salvo ele próprio. História de Herodoto, VII, 10, traduzido por George Rawlinson (1910).

Vamos pensar sobre isto. Recentemente não vi quaisquer economistas a sacrificar seus melhores carneiros ou touros com oferendas a Deus, de modo a que Ele possa lançar alguma luz sobre a magia opaca a que eles chamam de previsão.


PS: E aqui está como as previsões de 1972 do amplamente desacreditado Clube de Roma se parecem 30 anos depois. Será que as verificou? Nada mal para um punhado de loucos ignorantes. Agora pense por um segundo: o que acontecerá se as suas previsões se mantiverem nesta Terra finita e esférica? Sim, posso ouvi-lo a dizer:

“Por que incomodar-me a pensar acerca de coisas tão desagradáveis? Conseguiremos mais, ainda mais de tudo com a nossa tecnologia superior. Sempre o fizemos”.

16/Abril/2012
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Tadeusz  Patzek
[*] Do Conselho Diretor da ASPO-USA. Professor de petróleo e geosistemas do Departamento de Engenharia da Universidade do Texas-Austin. Entre 1990 e 2009 foi professor de geoengenharia na Universidade da Califórnia-Berkeley. Antes de Berkeley foi investigador na Shell Development, uma companhia de investigação administrada durante 20 anos por M. King Hubbert. A sua investigação e ensino envolve modelação matemática e numérica de sistemas terrestres, bem como a termodinâmica e a ecologia da oferta de energia para a sobrevivência humana. Ele também está dirigir investigação sobre gás natural não convencional e recursos petrolíferos. É co-autor de mais de 200 documentos e relatórios. Seu blog é LifeItself .

O artigo original, em inglês,  encontra-se em: The World is Finite, Isn’t It?

Esta tradução foi extraída de: Resistir 

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