Publicado
em 10/04/2012 por *Mário Augusto
Jakobskind
Acompanhar
o noticiário dos jornalões brasileiros e latino-americanos sobre a Venezuela e
em especial a doença do Presidente Hugo Chávez acaba se tornando um exercício
sobre a mídia. Serve para o mundo acadêmico elaborar teses que ajudariam aos
futuros profissionais de imprensa a refletir o conceito de parcialidade e
imparcialidade.
Cerca
de 19 milhões de eleitores poderão votar para Presidente no próximo dia 7 de
outubro. O “poderão” fica condicionado a vontade de cada um, porque o voto por
lá não é obrigatório. Neste momento, em plena pré-campanha, as atenções se
voltam para o tratamento que o Presidente Chávez está se submetendo em
Cuba.
Até
bem pouco tempo, o noticiário da doença vinha de Miami através de fontes como
Roger Noriega, um funcionário do Departamento de Estado norte-americano que há
um ano prevê a morte do líder da Revolução Bolivariana, que estará se submetendo
a décima sétima eleição desde que foi escolhido presidente em
1998.
De
algumas semanas para cá, o Brasil substituiu Miami, cujo filme está queimado. As
agências de notícias geralmente começam os informes assinalando que “segundo o
jornal brasileiro O Globo” e também “segundo o jornalista brasileiro Merval
Pereira”. O complemento tem sido sempre a indução da notícia segundo a qual
Chávez está muito mal com metástese e pode não resistir a campanha
eleitoral.
De
vez em quando surge como “informante” o jornalista Nelson Bocaranda, muito
familiarizado entre grupos anticastristas de Miami, para dizer que Chávez vai
fazer isso e aquilo, mas poucas previsões se confirmam.
No
último comentário de Merval Pereira, com base em Bocaranda, o leitor fica, na
prática, com a certeza de que Chávez está nas últimas. O jornalista tinha
anunciado também que o Presidente venezuelano viria para o Brasil continuar o
tratamento contra o câncer no hospital Sírio-Libanês de São Paulo, fato
desmentido menos de 24 horas depois da revelação de Merval Pereira, que de
quebra ainda “informou” que o tratamento em Cuba foi mal feito etc. e
tal.
Há
informações nos bastidores que o jornalista brasileiro está inserido em um
esquema internacional que visa exatamente induzir os leitores dos mais variados
quadrantes a acreditar que não adianta votar em Chávez porque ele está nas
últimas.
A
direita internacional, capitaneada pelo Departamento de Estado norte-americano
sabe perfeitamente que o seu candidato, Capriles Radowsky, não tem condição de
reverter o quadro de vitória de Chávez e que a estratégia que lhe resta é
exatamente a que está sendo colocada em prática e vem sendo executada com a
ajuda de Merval Pereira, o jornalista que, na prática, virou um setorista da
doença de Chávez, só que com base em informações
distorcidas.
De
modo geral o noticiário demonstra claramente a vontade do jornalista de que
Chávez morra o mais rápido possível. Não se está fazendo jornalismo, mas sim uma
estratégia que se põe a serviço de uma causa, exatamente a de impedir a
continuidade de um processo de transformação em curso na Venezuela e com
reflexos em toda
a América Latina.
É
preciso deixar claro o seguinte: a eleição na Venezuela é fundamental para o
atual momento latino-americano. Uma vitória consagradora de Chávez, como até
agora indicam as pesquisas, representará o avanço no processo de transformação
em todo o continente. Já uma vitória do esquema Capriles Radowsky &
Departamento de Estado norte-americano significaria um
retrocesso
A
direita venezuelana mudou de estratégia e procura apresentar Capriles Radowsky
não mais como o extremista que sempre foi, inclusive militante do grupo de
direita católico Tradição, Família e Propriedade (TFP), apoiador incondicional
da frustrada tentativa de golpe de abril de 2002, inclusive com participação
direta no cerco à embaixada cubana em Caracas.
Na
tentativa de mudança de imagem, como se sabe, dois marqueteiros do governador
Sergio Cabral foram contratados para cuidar da imagem de Capriles, apresentado
agora como seguidor de Luis Inácio Lula da Silva, que restabelecido da doença
deverá participar, em Caracas, em julho, da reunião do Fórum de São Paulo, o
organismo político que reúne os partidos de esquerda da América Latina. Lula
deverá confirmar seu apoio a Chávez.
Este
sinteticamente é o quadro atual da pré-campanha eleitoral venezuelana. Não será
nenhuma surpresa se figuras como Fernando Henrique Cardoso e outros políticos do
gênero forem acionados pelos marqueteiros de Radowsky, sobretudo depois da
declaração de apoio de Lula a Chávez. Não será nenhuma surpresa também que
qualquer dia destes o candidato da direita apareça no Brasil, quem sabe a
convite do Instituto Millenium.
O
ex-presidente brasileiro (FHC) esteve recentemente em Caracas participando,
juntamente com o ex-premier espanhol Felipe González e o ex-presidente chileno
Ricardo Lagos de debate sobre os rumos da economia mundial. Os três mencionados
são responsáveis em seus países por modelos econômicos que - para ser mais suave
- deixaram a desejar.
González,
socialista, não se diferenciou em seu governo em termos concretos dos partidos
defensores de estratégias neoliberais, como o direitista Partido Popular, de
José Maria
Aznár e do atual chefe do governo espanhol Mariano Rajoy. Lagos, no Chile, levou
adiante o esquema da chamada Concertación, que não conseguiu mudar a
política neoliberal iniciada pelo ditador Augusto
Pinochet.
Depois
de esgotado o modelo da Concertación,
o Chile hoje está às voltas com Sebastián Piñera, o presidente que também não se
difere muito do esquema anterior, mas com o agravante de ter ressuscitado
companheiros de Pinochet e de ter servido ao ditador.
Fernando
Henrique Cardoso é conhecido por estas bandas como defensor do Estado mínimo,
embora em seus artigos dominicais nos jornalões tente induzir os leitores a
pensar ser ele um político moderno.
E,
para finalizar, aqui no Brasil seguem os reflexos da manifestação realizada no
último dia 29 em frente ao Clube
Militar. Nos sites de seguidores do ideário da época da Guerra
Fria, um deles o coronel Brilhante Ulstra, militares da reserva, utilizando-se
da mesma estratégia dos serviços de inteligência da ditadura, estão apresentando
as imagens de jovens considerados por eles como responsáveis pela manifestação
com fotos e os ameaçando de processo pelo “crime” de se exprimirem contra quem
comemorava o golpe de 1º. de abril de 64.
Ah,
sim: um dos palestrantes no Clube Militar foi o jornalista Aristóteles Drumond,
citado na página 229 do livro de René Dreifuss “A Internacional Capitalista –
Estratégia e Táticas do Empresariado transnacional 1981-1986” como responsável por
levar ao Chile dinheiro e armas para o grupo extremista Patria y Libertad, que conspirava contra
o governo de Salvador Allende.
Este
é o nível dos que comemoravam no Clube Militar o golpe contra
Jango.
*Mário
Augusto Jakobskindé
correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do
Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da
Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor,
entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes -
Fantástico/IBOPE
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por Direto
da Redação
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